É ecológico, tem custo zero, mas rende centenas de euros. Dito assim, quase poderia parecer uma burla, pois, já se sabe, quando a esmola é generosa demais, o “cego desconfia”. O facto, é que estas vantagens existem para as pessoas que, através dos telhados dos seus prédios ou nos terrenos das suas casas em zonas rurais, aceitem a instalação de painéis fotovoltaicos para a produção de energia. Uma parte reverte para o edifício onde os painéis estão instalados; a outra parte é gerida pela empresa instaladora que assegura o investimento (e que acaba por ter o seu retorno vendendo essa parte à rede). São as chamadas Comunidades de Energia Renovável (CER).
Vamos por partes. Em 2019, a União Europeia adotou o programa Energia Limpa para Todos os Europeus, elevando o consumidor particular a um estatuto ativo no sistema de produção/consumo de energia. Lançado o repto, todos os países-membros se ajustaram e, em Portugal, viria então a ser aprovado o Decreto-Lei 162/2019, que estabeleceu o regime jurídico aplicável ao autoconsumo de energia renovável, bem como o conceito do direito de partilha da energia.
Dois anos volvidos, seria criada a primeira Comunidade de Energia Renovável na Santa Casa da Misericórdia de Miranda do Douro, a primeira das 100 que a Cleanwatts, um dos operadores mais ativos do mercado, quer criar em Portugal.
Esta CER tem por objetivo produzir energia para alimentar os vários edifícios da Santa Casa e o remanescente é canalizado para os bombeiros e serviços municipais.
Entretanto, e depois da experiência bem-sucedida da Santa Casa de Miranda do Douro, a Cleanwatts resolveu aumentar a escala e, há pouco mais de uma semana, assinou um protocolo de colaboração com a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) para desenvolver e potenciar “o acesso a energia limpa e redução de custos energéticos para as Santas Casas da Misericórdia em Portugal”.
Todos ganham
As CER não estão circunscritas a empresas e grandes instituições ou apenas a zonas rurais. Os particulares em zona urbana podem organizar-se para, com a vizinhança, se tornarem produtores de energia no topo dos seus edifícios, beneficiando depois de reduções nas faturas energéticas.
“A lei não impõe condições mínimas e, no fundo, uma comunidade pode ser só de duas pessoas. A questão é que criar uma comunidade destas exige alguma complexidade”, resume José Basílio Simões, vice-chairman e cofundador da Cleanwatts. Ou seja, “é necessário garantir que há um alinhamento entre a quantidade de energia que vai ser gerada e a quantidade que vai ser consumida e, para isso, existem contadores inteligentes que vão monitorizar o que é consumido e o que é produzido. É necessário comunicar os dados no final do mês à e-redes (através de um software e alguns serviços associados) e é preciso um processo de licenciamento”, realça ainda o engenheiro.
Assim, para que o investimento na instalação de uma CER compense à Cleanwatts, sem cobrar aos particulares, é necessário que a área de instalação dos painéis solares tenha, no mínimo, 500 metros quadrados.
“Num só prédio, poderá ser difícil atingir essa área, mas mais dois ou três na proximidade (e aqui falamos de um raio de dois ou três quilómetros, se for em baixa tensão), já permite a criação de uma CER e a instalação dos painéis nos telhados. A produção reverte, desde logo, para a redução ou até mesmo eliminação da despesa do condomínio. Depois, o excesso pode ir para os apartamentos que fazem parte desse condomínio. Acaba por existir um benefício duplo, porque reduz a taxa do condomínio e quem lá vive tem também acesso a energia mais barata”, explica Basílio Simões.
Acaba por existir um benefício duplo, porque reduz a taxa do condomínio e quem lá vive tem também acesso a energia mais barata
José Basílio Simões Cofundador da Cleanwatts
A aprovação da instalação tem de ser assegurada pela maioria dos residentes e não há compromissos eternos – “quem decidir participar e depois quiser sair pode fazê-lo quando quiser, não há obrigações de entradas ou de permanência”, assegura o responsável da Cleanwatts, garantindo que os painéis colocados no telhado não produzem ruídos e até acabam por ter “um efeito térmico positivo, no verão, para os pisos de baixo, uma vez que o Sol não incide diretamente na cobertura”.
Do lado de quem investe, também não faltam interessados. “Há fundos internacionais dedicados à área das renováveis e até fundos de pensões começam a investir”, garante Basílio Simões.
E desvantagens? O tempo de aprovação dos projetos. A Cleanwatts tem 18 aprovados e mais 57 comunidades a aguardar licenciamento – destas, algumas há mais de um ano à espera. “A resposta habitual é a falta de recursos. Portugal tem tendência a criar processos perfeitos, mas que depois se tornam muito difíceis de operacionalizar”, lamenta o responsável, sublinhando que em países como Espanha, França ou Itália os processos são bastante mais céleres.
Apesar da morosidade, os projetos vão sendo lançados pelas várias entidades. Uma das iniciativas mais recentes foi protagonizada no início deste mês pela AcerBatalha, constituída por 13 entidades públicas e privadas, entre as quais a Câmara Municipal da Batalha.
A AcerBatalha quer dar bom uso ao dinheiro disponível no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), através do Fundo Ambiental, e candidatou-se a um investimento total superior a meio milhão de euros, que permitirá a poupança anual de 106,50 tep (toneladas equivalentes de petróleo). “O projeto envolve a instalação de painéis solares fotovoltaicos em 25 edifícios públicos e unidades empresariais”, informou o município da Batalha em comunicado.
Segundo o mesmo documento, “o atual consumo de energia elétrica das entidades associadas a esta candidatura é na ordem dos 7 817 087,41 kWh”, sendo que a autarquia perspetiva uma redução anual da fatura energética global de 454 660,07 euros, tendo por base os preços médios do custo da energia.
Verbas do PRR que podem fazer a diferença na preparação para a transição energética do País. O planeta agradece!
Como concorrer
Saiba como fazer parte de uma comunidade de energia renovável
Quem pode pertencer?
São elegíveis pessoas singulares ou grupos de consumidores (incluindo condomínios, áreas urbanas/bairros, pequenas e médias empresas, unidades agrícolas, unidades industriais, freguesias e municípios).
São só para empresas?
Não, o regime jurídico que está contemplado no Decreto-Lei n.º 162/2019 destina-se a empresas, instituições ou grupos de cidadãos. Os seus membros devem estar numa relação de proximidade física, podendo organizar-se entre si sobre o autoconsumo coletivo ou estabelecer uma comunidade de energia.
Quanto se investe?
As comunidades não têm de fazer forçosamente quaisquer investimentos de capital com a instalação de infraestruturas. Há empresas no setor que fazem a ponte entre os cidadãos e os investidores que se comprometem a fazer a instalação dos painéis fotovoltaicos. O seu ganho assenta no excedente de energia renovável que vendem posteriormente à rede. Explica o responsável da Cleanwatts que o primeiro passo é “submeter à Direção-Geral de Energia um projeto em que é referenciada a localização da unidade de produção e os membros que vão consumir. Depois, há um regulamento interno que é estabelecido, ou seja, os condóminos têm que assinar uma declaração a dizer que aceitam pertencer a esta comunidade e depois têm de nomear uma entidade, que se chama Entidade Gestora do Autoconsumo Coletivo”.
Quanto se poupa?
Os beneficiários podem conseguir uma redução entre 10% a 30% na sua fatura de eletricidade.