A pandemia não travou a onda de novos projetos imobiliários que estavam (e se mantiveram) em curso na região do Grande Porto e até está a estimular as transações de lotes de terreno para quem quer construir uma habitação à sua medida. Números do gabinete de estudos da APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal) dão conta que foram vendidos 7.645 imóveis no último trimestre de 2020, ou seja, uma média de 85 por dia. Este valor representou um crescimento de cerca de 9% em relação ao trimestre anterior.
Os confinamentos prolongados, a imposição do teletrabalho, a incerteza do futuro perante a ameaça de novas pandemias são fatores que estão a pesar nas decisões de quem está agora a comprar casa, criando novas necessidades que há pouco mais de um ano nem sequer eram ponderadas.
“Há cada vez mais famílias a procurar moradias em vez de apartamentos que estejam dentro do orçamento familiar. Para um casal com filhos estar em teletrabalho é um desassossego e isso já está a ter impacto na procura de habitação. Já há quem prefira comprar uma casa com um pequeno jardim fora do Porto do que comprar um apartamento no centro da cidade”, diz João Magalhães, diretor-geral da Predibisa, uma das mais antigas e maiores consultoras imobiliárias do Porto, dando como exemplo projetos que estão a ser estruturados em condomínio na zona de Miramar, perto de Gaia, em conjuntos de seis, oito ou 12 moradias em banda.
Uma tendência pré-pandemia (e que agora se acentuou) dados os preços praticados no centro do Porto nos anos mais recentes. “A disputa de uma casa na Foz é completamente diferente da procura em Matosinhos ou Leça da Palmeira e isso provoca pressão nos ativos Imobiliários nas zonas mais centrais, levando muitas famílias a procurarem habitação com qualidade onde essa pressão não existe”, reforça o responsável da Predibisa.
No ateliê do arquiteto Raulino Silva, em Vila do Conde, vive-se atualmente o maior impacto da pandemia ao nível das aspirações dos clientes. E nunca, como agora, lhe chegaram tantos pedidos com desejos específicos quanto aos espaços a projetar.
“Sempre existiu a ideia das pessoas do Porto em procurarem terrenos nas periferias para construir uma segunda habitação mas nos meses mais recentes sente-se muito mais esse movimento. O ano passado foi estranho pois as pessoas não sabiam quanto tempo iria durar a pandemia mas, agora que já se passou cerca de um ano, as pessoas sentem que mesmo com o alívio dado pela vacina, isto irá durar algum tempo a passar totalmente e penso que é isso que as faz procurar um terreno e construir uma espécie de refúgio onde possam estar seguras”, conta, à Visão Imobiliário, o arquiteto cuja carteira de obras concretizadas pelo ateliê é marcadamente no segmento de moradias familiares.
Aos sempre referenciados terraços e área verde exterior, somam-se agora as imprescindíveis piscinas, escritórios em casa, ginásios e até mini-campos de futebol. “As pessoas começaram a preocupar-se em ter espaços nas suas casas que antigamente não precisavam. Há cada vez mais consciência de adaptar as casas a atividades que agora temos de fazer nas próprias habitações e isso reflete-se já nos novos projetos”, explica o arquiteto, por diversas vezes premiado em distinções internacionais.
Os escritórios, que antigamente estavam destinados a áreas diminutas (quando existiam) ganharam estatuto e agora até há quem peça para projetar mais do que um. “Tenho clientes que já me pediram áreas de escritório para o marido, para a mulher e para os filhos, para não estarem todos no mesmo espaço e não se incomodarem mutuamente enquanto estão no teletrabalho e na telescola”, conta. Entre as áreas de lazer que também estão a ser contempladas nos novos projetos de raiz, os mini-ginásios estão entre as mais populares. “Muita gente está habituada a treinar com frequência por isso os ginásios passarem a ser peças importantes em casa”, realça Raulino Silva.
Patrícia Barão, diretora do departamento residencial da multinacional JLL, confirma esta redefinição arquitetónica nos novos lares. “O impacto foi direto: a partir do momento em que se entrou em registo de confinamento e a trabalhar de casa, automaticamente começámos a ter os promotores a chamarem-nos para ajudá-los a reformular os projetos”, conta a responsável, dando destaque ao peso que ganharam as zonas de varandas, terraços, jardins e outras áreas ao ar livre. “Se antes da pandemia era bom ter zonas exteriores num empreendimento, agora é obrigatório ter”, reforça Patrícia Barão.
Preços das casas sem pressão
Dar mais qualidade aos edifícios a um preço acessível está a criar oportunidades em zonas perto mas fora do Porto. “Há projetos a nascer em Leça da Palmeira, uma zona tranquila, com praia, outros a surgir ao longo de toda a marginal que vai da ponta de Gaia, no Canidelo, até Espinho, na primeira e segunda linha do mar. Ou Gondomar onde estão a surgir muitos lotes para a construção de moradias com vista para o Douro. Há quem não se importe de esperar 18 meses para construir a sua própria casa com espaço exterior e piscina pois consegue valores muito mais baixos (cerca de €2.500/m2) do que aqueles que são exigidos no Porto”, aponta a responsável da JLL.
Em zonas como estas, “os preços não estão a sofrer pressão apesar da pouca oferta de produto”, reforça também João Magalhães, da Predibisa, lembrando “que nestas zonas há ainda muito território, muitos terrenos para promoção, o que acaba por não causar pressão nos valores das casas”.
Gustavo Soares, diretor-geral das lojas Engel&Volkers do Porto e Vila Nova de Gaia, realça que já antes da pandemia se registava uma boa dinâmica nas periferias “devido à multiplicação de projetos de grande qualidade” que têm surgido nos últimos anos. “Entre 2015 e 2019, Vila Nova de Gaia cresceu 57% em número de transações imobiliárias, Braga cerca de 55% e Matosinhos aumentou 43% em termos de comparação com o Porto. Antigamente existia uma grande diferença entre o Porto e as restantes zonas mas hoje em dia já é possível percorrer a orla marítima e mal notar a diferença. É por isso natural que a procura comece a ir para todo o lado”, refere o responsável, cuja agência do Porto se destacou pelo segundo ano consecutivo como a mais rentável em Portugal no universo da consultora alemã, especializada em luxo.
Dados da Confidencial Imobiliário, empresa especializada em informação estatística para o setor, mostram, efetivamente, que não só o Porto mas toda a região Norte, está em alta no que diz respeito aos novos projetos que entraram para licenciamento, apurados a partir dos pré-certificados energéticos emitidos pela ADENE (Agência de Energia).
“Em termos geográficos, Lisboa e Porto continuaram a ser os principais destinos da promoção residencial em 2020, registando pipelines de 2.695 fogos e 2.444 fogos, respetivamente. Outros nove concelhos do país contabilizam carteiras com mais de 500 fogos neste período, destacando-se Matosinhos e Vila Nova de Gaia, os únicos além de Lisboa e Porto onde o pipeline supera as 1.000 unidades (1.229 e 1.179 fogos, respetivamente)”, dizem os números da Confidencial Imobiliário, que destaca ainda, a norte, Braga (800 fogos), Guimarães (700 fogos) ou Vila Nova de Famalicão (600), cidades a meia hora de distância da Invicta, entre as cidades mais ativas na captação de novos projetos.
“Só entre Gaia, Matosinhos e Braga estão em execução cerca de 500 milhões de euros de investimento imobiliário”, sublinha Gustavo Soares, dando como exemplo, os projetos da Quinta Marques Gomes (promovido pela United Investments Portugal), do River Plaza (da Teixeira Duarte), ambos em Vila Nova de Gaia ou o Hilgarden (da Holding Isidro Lopes), em Santa Maria da Feira.
“Esta dinâmica de toda a envolvente do Porto assenta num processo de forte requalificação pela qual têm passado muitas destas localidades. Com projetos muito interessantes do ponto de vista arquitetónico, alguns deles completamente fora da caixa como por exemplo o Skyline, da autoria do arquiteto Souto de Moura (e promovido pela Fortera), também em Vila Nova de Gaia. Tudo este processo faz esbater as diferenças entre o Porto e os arredores”, complementou ainda o responsável da Engel&Volkers.
Segunda habitação bem perto da primeira
A multiplicidade de novos projetos em localizações aprazíveis, aliado às novas necessidades criadas pela pandemia, estão também a estimular um outro mercado nestas periferias – o da segunda habitação próxima da primeira residência, uma tendência global trazida pela pandemia (ver texto na página seguinte).
“Quem tem poder de compra, está também a pensar seriamente em ter uma segunda casa. Pessoas com apartamentos no centro do Porto, onde também trabalham e onde os seus filhos estudam, mas que querem uma moradia nos arredores do Porto, junto ao rio ou perto do mar e com mais espaços verdes privativos”, aponta Patrícia Barão, da JLL, estimando que irão surgir cada vez mais projetos como o mini-resort Casas Vivas, um projeto de luxo na aldeia de Provesende, a dez minutos do Pinhão, com apenas três moradias mas com serviço de hotel e variados luxos como piscina e horta biológica para os residentes.
O arquiteto Raulino Santos partilha a mesma perceção: “Temos clientes que vivem e trabalham no Porto e estão a construir uma segunda habitação em Gaia, por exemplo, ou residentes em zonas de interior como Braga, Guimarães ou Santo Tirso e que procuram ter uma habitação de fim-de-semana em Vila do Conde, que tem praia e é uma zona calma”.
Bem no centro do Porto, há uma zona privilegiada que tem praia e envolvente verde, atributos tão desejados hoje em dia, mantendo todas as vantagens da centralidade, entre escolas, comércio e serviços.
Mas esse ‘pacote completo’ faz da Foz a zona mais cara da Invicta, com o preço das casas a atingir cerca de €4.600/m2, em média, segundo o Marketbeat, da Cushman&Wakefield. Aqui, o produto novo poucas alterações sofreu com a pandemia, afiança Ricardo Costa, diretor-geral da Luximos Christie’s, especializado em imobiliário de luxo. “Hoje em dia fala-se muito na questão da necessidade de espaços ao ar livre e das zonas exteriores das casas mas no segmento de luxo em que nós nos movimentamos, todas estas características dos imóveis já estavam incorporadas nos desejos dos clientes. E este comportamento não se alterou. Sempre foi desejável para os nossos clientes ter um apartamento com terraços generosos, por exemplo”, diz o responsável da Luximos, que registou em 2020 um valor médio de transação de 670 mil euros.
Clientes que são maioritariamente estrangeiros (cerca de 60%) em épocas ‘normais’ mas que desde que começou a pandemia reduziram a sua presença devido às restrições de viagens.
“Ainda assim ainda representaram em 2020 uma fatia de 40%. Uma das coisas que aprendemos durante a pandemia é que existem muitos estrangeiros a residir cá que também compram, vendem, procuram e se movimentam. Felizmente esses não tiveram problemas de mobilidade”, aponta Ricardo Costa.
Mais direcionado para o mercado doméstico, o novo projeto do promotor belga Promiris, está a nascer na zona mais alta da cidade, as Antas. Com uma vista panorâmica sobre o rio, o condomínio Mira Douro vai ter mais de 50 apartamentos, numa área total de construção a rondar os 8.300 m2 , paredes-meias com o verdejante Parque São Roque.
“Desde 2015 que se falava muito de Portugal e do seu potencial. Isso trouxe-nos até cá e depois de visitarmos Lisboa e Porto percebemos que havia muita coisa para fazer no país não só na reabilitação mas na construção nova pois nessa altura, muita coisa estava parada há muito tempo”, conta Christian Terlinden, Managing Partner da Promiris. presente em Portugal desde 2017 e já com vários projetos em Lisboa e no grande Porto.
A empresa tem apostado num produto mais direcionado para o segmento médio, médio alto, que procura localizações que garantam também uma vivência ao ar livre, “daí a importância da proximidade ao Parque São Roque, um jardim romântico, com quatro hectares”, reforça, porv seu turno, João Magalhães, da Predibisa, consultora que tem estado a comercializar este projeto.
“Existe uma procura não só estrangeira mas também doméstica para habitação de qualidade. E os nossos projetos do Porto são precisamente destinados a essa procura nacional”, reforça ainda Christian Terlinden.
O mesmo segmento-alvo do empreendimento Antas Atrium, o primeiro projeto da joint venture criada pela promotora Quântico e pela Albatross Investments e que está a ser edificado no terreno onde já esteve a antigo estádio das Antas, na freguesia da Campanhã.
“Com uma área total de 100 mil m2, o Antas Atrium é o maior projeto em curso no Porto com mais de mil apartamentos”, realça João Magalhães, da Predibisa, adiantando que o metro quadrado do empreendimento se situa nos €3.500.
Dentro ou nas periferias da cidade do Porto, e apesar da pandemia, o clima é de confiança no setor do imobiliário assente não só na procura doméstica mas na internacional, que se acredita, irá regressar em força quando a pandemia estiver controlada. E para essa procura externa muito têm contribuído as distinções conseguidas pela Invicta, como o mais recente destaque, há menos de um mês, num estudo da norueguesa Sumo Finans que elegeu o Porto com a melhor cidade para se viver entre 50 outros destinos europeus, com base em vários critérios (renda de casa, acessibilidade, educação, segurança, etc).
“Por isso os estrangeiros adoram o nosso país e continuam muito ativos a olhar para os projetos que chegam ao mercado. Durante muito tempo, os investidores estrangeiros compravam no Porto porque era mais barato que Lisboa, era a segunda capital, o metro quadrado era mais apetecível… Mas desde 2019, sentimos que esse paradigma mudou. Quem está a comprar, conhece essas distinções, sabe que o Porto tem um potencial enorme e é mesmo nesta cidade que quer investir. Deixou de ser uma segunda opção”, rematou ainda Patrícia Barão, da JLL.