Milhões de pessoas em todo o mundo estão a aproveitar os sucessivos confinamentos para tornar as suas casas mais confortáveis, eficientes e multifuncionais. Um estudo da empresa Ultra LEDs, especialista em iluminação, publicado recentemente no jornal Telegraph, “diz que 39% dos ingleses estão a rentabilizar o tempo forçado nos seus lares para se dedicaram a atividades Do it Yourself (Faça você mesmo)”, e destes, 51% redecoraram a casa (ou alguma divisão), 45% comprou mobiliário novo e 38% alterou a iluminação. O resultado destas atividades, diz o estudo, não podia ser melhor: 34% das pessoas afirmaram sentir-se mais “positivas” e 23% mais “relaxadas” depois da intervenção.
Este estudo é uma amostra do movimento que está a acontecer à escala global e que está a ter impacto direto nas empresas de decoração e bricolage. E Portugal não é exceção.
A Ikea Portugal, que pertence ao Grupo Ingka, fechou o primeiro ano da pandemia com a loja online a registar um dos maiores crescimentos da organização. “Portugal foi um dos mercados que mais cresceu em e-commerce”, confirma à Visão Imobiliário Cátia Carvalho, Country Home Furnishing and Retail Design Manager da empresa sueca, com os resultados das vendas online a registarem um valor anual mais de três vezes superior ao ano anterior, alcançando cerca de 67 milhões de euros em vendas (o equivalente a um crescimento de 353% ). Um reforço que veio esbater o prejuízo causado pelo encerramento das lojas físicas durante o primeiro período de confinamento de cerca de 40 milhões (para uma faturação de 438 milhões de euros em 2020).
E o que procuraram essencialmente estes clientes que somaram 46 milhões de visitas online? “A pandemia teve um impacto enorme nas casas dos portugueses e, como reflexo disso, também no nosso negócio. Houve uma procura muito maior por mobiliário de escritório, cadeiras mais profissionais, secretárias e iluminação”, começa por dizer a responsável.
O sofá foi também um dos artigos mais procurados “porque a sala ganhou outra dimensão na casa dos portugueses”, refere Cátia Carvalho, realçando que houve a preocupação de escolher modelos mais flexíveis. “Isto tem a ver com a multifuncionalidade que os espaços habitacionais passaram a ter com tantas atividades a decorrer no mesmo local. E um sofá pode não ser apenas um sofá. Pode ter arrumação, pode ter uma chaise-longue, pode ganhar e dar uma nova dinâmica à sala”.
Além disso, as casas também “passaram a ser escola e recreio ao mesmo tempo” e por isso as famílias tiveram uma especial atenção com os mais pequenos. “Houve muita procura de móveis de suporte para criança, com destaque para as mesas de atividade. E também móveis para remodelação dos quartos de criança, com arrumação extra”.
Seguindo as tendências globais (ver caixa) também por cá se tenta trazer algum verde para casa, um elemento que purifica o ar e relaxa os nervos. “A natureza ganhou, de facto, uma nova dinâmica dentro das casas e isso sentiu-se não só na procura de mobiliário de exterior mas na vontade das pessoas em trazer a natureza para dentro de casa com a aquisição de elementos verdes”, exemplifica ainda a responsável do IKEA, grupo que em Portugal soma já cinco lojas e 2.500 trabalhadores.
Procura sem resposta
Na Melom, rede de franchising especializada em obras, aposta-se também nesta nova dinâmica que acabou por estimular um novo negócio, em parceria com o gigante de bricolage Leroy Merlin.
“Com o isolamento houve uma consciencialização de que a casa poderia ser um espaço para aplicar a máxima do ‘Faça você mesmo … Esgotaram-se tintas e pincéis, muitas pessoas pintaram as paredes pela primeira vez e quiseram fazer elas próprias as suas pequenas intervenções. O que notamos agora é que após o primeiro confinamento, muita gente começou a querer melhorar as intervenções que fizeram ou, inclusivamente, alterá-las e isso tornou-se um problema porque neste momento não temos empresas suficientes para assegurar a procura das pequenas instalações mas que para o cliente normal é muito difícil. Um exemplo – mudar os pavimentos cerâmicos da casa de banho”, explica João Carvalho, co-fundador da Melom. marca integrada no grupo Remax.
Essa constatação levou as duas empresas a juntarem-se e a criar a Academia do Instalador, um centro de formação gratuito, de certificação e validação dos profissionais interessados em adquirir competências técnicas para desempenhar funções de instalação de serviços mais pequenos, nas áreas da Bricolage, Eletricidade, Canalização e Jardim.
“Espírito empreendedor” e fidelização de pelo menos um ano às empresas que conferiram a formação gratuita é o que se pede aos jovens candidatos dos cursos que já estão a decorrer (e de outros que ainda vão começar).
“Se pensarmos que os serviços mais simples deste tipo podem custar, em média, 50€ e que um jovem pode assegurar 30 serviços, estamos a falar de um ordenado bruto de 1500€. Ou seja, resolvemos o problema de não conseguir responder a esta procura que agora surgiu e ao mesmo tempo trazemos alguma juventude para este setor que em contexto de pandemia é dos mais resilientes”, reforçou ainda João Carvalho, lembrando que “existe uma grande concentração de empresas de construção civil nos centros urbanos mas que depois não têm grande interesse em fazer estes pequenos trabalhos”.
Nas estatísticas da Melom, a remodelação geral manteve-se no topo das preferências do tipo de obra mais solicitado pelos portugueses durante o primeiro ano da pandemia, com a marca a registar 19.653 pedidos, principalmente para a renovação de cozinhas e casas de banho. A zona norte foi a que liderou os indicadores, com crescimento de 6,1% nos pedidos de obras (8.992) e 8,7% nas adjudicações (1.506). Os restantes tipos de obra mais requeridos em 2020 foram os das pequenas intervenções (pintura, bricolage e instalações, canalização e pavimentos). O valor médio de obra para pequenas intervenções foi 3.363 euros e o valor médio de obra para grandes intervenções fixou-se nos 15.348 euros.
E depois da pandemia
No estudo que desenvolveu, cruzando experiências de cerca de 40 mil pessoas em todo o mundo com especialistas em Estudos Urbanos, Resiliência Sustentável e Design, o grupo Ikea chegou a algumas conclusões do que será a casa num futuro bem próximo:
- O papel das divisões vai mudar – A casa como a conhecemos com funções específicas para cada divisão tem os dias contados. A próxima geração da arquitetura projetará espaços que respondam a uma longa lista de necessidades e atividades. O projeto de uma casa vai ser por isso mais criativo e cuidadoso.
- A casa multifuncional – Casas mais fluídas e que se adaptem a diferentes situações sem perder o conforto e a privacidade.
- Os espaços esquecidos vão renovar-se – Desde os sótãos empoeirados aos espaços de retalho abandonados, lugares subaproveitados nas casas e nas comunidades voltarão à vida para nos ajudar a viver mais localmente. Esses espaços serão usados para dar resposta aos interesses individuais e comunitários. Por exemplo: fazer uma horta em casa ou alinhar nas hortas urbanas comunitárias.
- Em vez de se percorrer longas distâncias para trabalhar ou para desfrutar de momentos de lazer, as pessoas passarão a viver mais localmente. Menos transportes públicos e mais serviços locais, sempre na mira da casa, comunidade e do ambiente.
- Haverá uma integração maior entre o espaço interior e exterior das casas, com prioridade para o impacto da luz e da natureza na saúde e no bem-estar. Mais luminosidade natural, mais verde, grandes janelas, jardins comuns, varandas e terraços serão a norma.
- Os materiais para construir e melhorar as casas serão escolhidos pelas suas propriedades higiénicas e os espaços serão projetados para melhorar as suas características em termos de saúde. Por exemplo, inovações que aumentem o fluxo de ar fresco. Botões de elevação, maçanetas e espaços públicos e privados partilhados serão todos repensados, incorporando materiais inovadores e fáceis de limpar como um importante princípio de design.