Portugal é um dos países da Europa com maior disponibilidade de radiação solar (varia entre 2 200 e 3 000 horas anuais, em média) e, paradoxalmente, também aquele onde mais frio se sente dentro de casa (a par da Bulgária, Grécia e Chipre).
Se é certo que em hotéis, espaços comerciais e escritórios ou em edifícios residenciais de topo, recentemente reabilitados, já existe o cuidado em seguir os preceitos de uma construção mais amiga do ambiente, a verdade é que o edificado em Portugal deixa muito a desejar em matéria de sustentabilidade e de conforto térmico.
“O mercado da construção é um dos piores que existe para a inovação. Uma boa parte dos arquitetos até pode estar aberta a estes novos conceitos, mas da parte dos construtores é mais complicado, há um grande bloqueio. E da parte do cliente final português também não existe o hábito de pensar a longo prazo, não faz uma boa gestão financeira da sua casa”, aponta Augusto Teixeira, CEO da empresa AT Solar.
Pensar “verde” logo na altura da conceção do projeto é o caminho, defende o arquiteto Jorge Graça Costa. Até por razões financeiras. “Um edifício bioclimático pode consumir até 10 vezes menos energia para aquecimento do que um edifício convencional e tem um custo adicional de construção que ronda apenas 3% a 5% para os edifícios novos”, realça o especialista em arquitetura sustentável.
Uma visão realçada por Augusto Teixeira, cuja empresa criou a Senergy Force, uma nova geração de módulos solares para fachadas e que permitem uma autonomia de energia térmica na ordem dos 90% (um produto que tem despertado interesse além-fronteiras junto do mercado nórdico). O sistema da AT Solar, desenvolvido em parceria com a Universidade de Aveiro, permite aquecer as águas da casa, da piscina e climatizar todo o imóvel através de uma fachada solar. Para uma casa com uma dimensão média de 200 metros quadrados, a fachada representa um investimento na ordem dos 13 mil euros, “amortizável em seis ou sete anos”, exemplifica o responsável.
Obras bem pensadas
Felizmente, nem todos os promotores têm vistas curtas para a inovação. A Porto Business School (PBS), por onde passam 10 mil alunos todos os anos, é a primeira escola portuguesa e a segunda da Península Ibérica a atingir a certificação LEED (Leadership in Energy & Environmental Design) na categoria GOLD, concedida pelo United States Green Building. Uma distinção que a coloca no patamar de um número restrito e prestigiado de escolas internacionais como Harvard, o MIT, Columbia e Stanford.
“Temos um conjunto de métricas de pegada ambiental aplicadas por aluno e trabalhamos precisamente para diminuir o consumo de energia por hora e por aluno, para reduzir o consumo de plástico e de papel e, dentro de quatro anos, ambicionamos mesmo ser uma escola paper free”, explica Patrícia Teixeira Lopes, reitora associada da PBS.
Alimentada a 100% com energias renováveis, a escola foi literalmente alicerçada de raiz nos preceitos da construção sustentável. “Em termos de equipamento, metade é área coberta, outra metade são jardins. No jardim foi criado um lago artificial para a recolha de águas pluviais e estas circulam e são purificadas pelas plantas, tudo de forma natural, sem tratamentos químicos”, exemplifica a responsável. A água do lago é usada para descargas sanitárias e para a rega, permitindo uma poupança na ordem dos 6 500 euros por ano.
Mas não só. Entre as várias medidas adotadas contam-se por exemplo os sistemas de iluminação “inteligente” que se ajustam em função da intensidade da luz natural ou o parqueamento para bicicletas e viaturas elétricas.
A médio prazo contam reduzir drasticamente o papel. “Temos uma pós-graduação com duas turmas, em que já estamos a fazer experiências com testes online, feitos com software próprio que nos garante que está só aquela pessoa a fazer o teste e não em grupo. Pagámos licenças por aluno, obviamente, as quais garantem a segurança da identidade. Portanto, já é possível avançar para testes paper free”, remata ainda Patrícia Teixeira Lopes.
A batalha contra o desperdício de papel está também bem presente nos escritórios da Vieira de Almeida (VdA) advogados, em Lisboa, onde trabalham mais de 400 pessoas. Recentemente, foram instaladas impressoras de última geração que só imprimem através de um código quando a pessoa se desloca efetivamente à máquina para recolher os papéis (não basta a simples ordem de impressão no computador).
Um exemplo do compromisso ambiental assumido pela sociedade de advogados no âmbito do seu Projeto Verde, que foi fundamental quando o grupo Fidelidade reconverteu a antiga fábrica metalúrgica Vulcano e Colares, encerrada há mais de duas décadas, na zona de Santos, para a ajustar ao moderno escritório da VdA, numa intervenção distinguida este ano com o Prémio Nacional de Reabilitação Urbana – Melhor Solução de Eficiência Energética.
“A nossa visão inclui a preocupação com a sustentabilidade. E, portanto, muito antes de começar a obra, tínhamos já traçado essa linha – desde a construção até aos materiais utilizados, ao mobiliário, às diferentes soluções a adotar, sempre com a eficiência energética bem presente”, resume a responsável do departamento de marketing da VdA, Matilde Horta e Costa.
Manuel Gouveia Pereira, especialista em Direito do Ambiente e coordenador do Projeto Verde da VdA reforça: “Instalámos painéis solares com energia renovável autoproduzida, temos um sistema de iluminação inteligente nos gabinetes (quando não estão com ocupação as luzes desligam), o uso da tecnologia led é generalizado em todos os gabinetes, água aquecida com painéis solares, entre muitas outras medidas.”
Requisitos de futuro
No Belas Clube de Campo, a envolvente verde é uma das imagens de marca do condomínio privado do grupo André Jordan na localidade de Belas, em Queluz. Em sintonia com a paisagem, o empreendimento Lisbon Green Valley, a nova fase do Belas, está a ser desenvolvido com algumas das soluções mais evoluídas existentes no setor que lhe valeram no ano passado o galardão Eficiência Energética em Edifícios Novos, atribuído pela ADENE (Agência para a Energia).
Em finalização estão as primeiras 30 casas desta nova fase (das quais 85% já estão vendidas), devendo arrancar para obra ainda este ano mais 50 unidades, prevendo-se uma produção em contínuo até às 250 casas. A construção sustentável é um dos argumentos de venda junto de clientes que vêm de várias partes do mundo, sublinha Gilberto Jordan, o CEO do grupo, mas “são os do Norte da Europa que estão mais atentos às questões das alterações climáticas e da boa qualidade da construção”.
Dos painéis solares térmicos rotativos, que acompanham a direção do Sol (para o aquecimento das águas), à instalação de painéis fotovoltaicos, que produzem energia e alimentam uma bateria que está ligada a um site meteorológico e que faz a distribuição da energia consoante o dia seja mais ou menos soalheiro, são várias as inovações tecnológicas introduzidas para que as casas sejam autossuficientes.
E que soluções existem para edifícios mal construídos e que se revelam pouco eficientes a nível energético? “Para um edifício existente de dimensões médias, a partir de um investimento de cerca de 40 mil euros ao nível do isolamento exterior das paredes e melhoria do isolamento da cobertura, janelas mais eficientes, sistemas de poupança dos consumos de água e energias renováveis, iluminação eficiente de baixo consumo e dependendo da localização geográfica, já se pode contar com uma poupança anual de cerca de 8 mil euros, o que significa um retorno ao fim de cinco anos”, exemplifica o arquiteto Jorge Graça Costa.
“Portugal encontra-se numa posição extremamente vantajosa em termos climáticos para a prática da arquitetura energeticamente eficiente, mas os intervenientes no setor deparam-se com três obstáculos: ainda falta alguma sensibilização da sociedade portuguesa, a falta de qualificação da força de trabalho disponível e, finalmente, a ausência de verdadeira vontade política em promover mecanismos eficazes e consistentes de financiamento nesta área”, diz Jorge Graça Costa.
Um cenário que forçosamente terá de mudar até ao final do próximo ano. Nessa altura, passa a ser obrigatório que todos os edifícios novos sejam eficientes e tenham um balanço energético próximo do zero, no que diz respeito às suas emissões de CO2. O conceito dos chamados Nearly Zero Buildings (NZEB) já existe e países mais avançados nesta matéria há muito que definiram planos de ação, mas, a partir de 2021, todos os Estados-membros da União Europeia passam a ser obrigados a respeitar os requisitos-base nesta matéria.
A leveza da cortiça
O Terminal de Cruzeiros de Lisboa, projeto de Carrilho da Graça, integra aquela que será porventura uma das matérias mais perfeitas em termos de sustentabilidade – a cortiça, misturada, neste caso, no betão para dar leveza ao volume do edifício. Retirada sem o abate do sobreiro ao longo dos quase 200 anos de vida da árvore, a cortiça é renovável, reciclável e reutilizável, aponta Fernando Melo, CEO da Amorim Revestimentos.
O responsável realça o papel dos arquitetos como embaixadores deste produto usado em revestimentos e isolamentos, principalmente em projetos lá fora. “Cerca de 95% da nossa produção é para exportação. Estamos presentes em praticamente todo o mundo”, especifica.
Por cá, são sobretudo os promotores de imobiliário comercial que estão a dar o exemplo em matéria de construção sustentável. “Um dos primeiros setores a desenvolver projetos sustentáveis foi o dos centros comerciais. O facto de os promotores dos centros comerciais serem os futuros proprietários e utilizadores destes ativos fez com que estes tomassem a iniciativa de desenvolver projetos energeticamente eficientes, por forma a controlarem os seus custos operacionais e maximizarem os investimentos”, aponta Miguel Alegria, CEO da Engexpor, empresa especializada na gestão de projeto e de construção e que está a acompanhar obras como o Porto Office Park, na Invicta, o Exeo Office Campus e a nova sede da AGEAS, ambos no Parque das Nações.
Atualmente, reforça o responsável, “os promotores de projetos de rendimento, como escritórios, hotéis ou residências de estudantes, procuram também desenvolver projetos sustentáveis e com certificação ambiental”.
Uma mudança de paradigma na construção nacional que a reboque da nova diretiva comunitária irá paulatinamente melhorar o estado do edificado nacional. “A sustentabilidade é cada vez mais uma condição quase ‘obrigatória’ dos novos projetos e a exceção começa a ser a existência de projetos novos sem este requisito”, remata o responsável da Engexpor. O planeta agradece.
Como tornar a sua casa mais eficiente
Os principais conselhos do portal da Construção Sustentável, do Doutor Finanças e da Deco
Verifique o Certificado Energético que é obrigatório na venda ou arrendamento do imóvel. A classificação vai de A+ (mais eficiente) até F (menos eficiente)
Instale painéis solares e/ou um sistema geotermal, que usa a temperatura do solo para reduzir a energia utilizada
“Plante” telhados verdes (a vegetação é ótima para o isolamento)
Compre eletrodomésticos mais eficientes
Opte por chuveiros inteligentes, que poupam até 40% da água consumida
Escolha pisos de massa térmica (material usado no chão para manter a temperatura)
Crie reservatórios de água para aproveitar as águas das chuvas na rega do jardim ou nas sanitas
No inverno, tire partido do Sol. Quando o deixamos incidir nas janelas de vidro, o espaço interior aquece de forma natural
No verão, verifique se as janelas possuem uma proteção exterior como uma pala, persiana ou até vegetação
Disponha as divisões menos usadas a norte. É nesta orientação que se originam mais perdas térmicas
Caixilharias com corte térmico e vidro duplo são as mais indicadas para poupar energia