“Portugal tem de estar preparado para o que aí vem, porque só agora começou a despontar esta sua direita radical”

“Portugal tem de estar preparado para o que aí vem, porque só agora começou a despontar esta sua direita radical”

Há vários anos a viver nos Estados Unidos da América, um dos maiores especialistas em extrema-direita e populismo no Ocidente, Cas Mudde, 53 anos, alerta que nenhum país está imune a este fenómeno, que veio para ficar. Portugal é, de resto, a mais recente prova disso. Para o cientista político holandês, que acaba de lançar em Portugal O Regresso da Ultradireita – Da Direita Radical à Direita Extremista (Editorial Presença, 200 págs., €14,90), não existe uma estratégia ideal para enfrentar os partidos da extrema-direita e da direita radical que não passe pelo fortalecimento da democracia liberal. À VISÃO, Mudde alerta que, pela Europa, a direita radical populista está cada vez mais normalizada, depois de as suas bandeiras terem sido agarradas pelos partidos conservadores que faziam parte do sistema democrático.

Portugal surge atrasado no cenário que traçou sobre a extrema-direita no Ocidente. A que se deve tal demora: à falta de oferta ou de procura?
As coisas chegaram tarde a Portugal, porque, entre outras razões, houve uma longa ditadura. Recuperar dessa pobreza democrática resultou no atual cenário. Basta ver quando, em Portugal, surgiram os partidos “verdes” e um novo tipo de esquerda – muito tardiamente. Além disso, muitos resquícios do anterior regime mantiveram-se na sociedade portuguesa e impediram que movimentos racistas e populistas pudessem ter surgido há mais tempo e com muito mais força. Há ainda outros fatores: uma enorme taxa de população imigrante não branca, talvez das maiores da Europa Ocidental, coisa que não aconteceu na Europa do Leste, onde a chegada da extrema-direita surgiu associada ao aumento recente de imigrantes. A herança da ditadura de direita foi desqualificando algumas vozes que abordavam o passado colonial português. Agora, já não. Até se veem mais vozes a negar a existência de um passado de ditadura.

Era então uma terra fértil para a extrema-direita? Só faltava o alinhamento de vários fatores?
Portugal não é muito diferente dos outros países. É multicultural, com uma história de imigração, uma economia problemática, faz parte da União Europeia e sofreu duras condições no último resgate financeiro. Potencialmente, estava lá tudo. O tempo que a ultradireita levou a emergir de forma consistente teve também que ver com aquilo que ela oferecia.

Qual a diferença entre ultradireita, extrema-direita e direita radical?
A ultradireita é uma massa homogénea e plural, que engloba a direita extremista e a direita radical. A extrema-direita é antidemocrática, porque está contra a eleição de representantes, ainda que na Grécia tenha chegado ao Parlamento. Já a direita radical populista tornou-se a mais comum, ao integrar-se no mainstream político, porque viu os seus temas – crime, imigração, desemprego e islamismo – entrarem na agenda política tradicional dos partidos conservadores que nas últimas décadas estava dedicada a problemas socioculturais.

Em Portugal, nunca ninguém se apropriou da agenda do Partido Nacional Renovador (PNR)…
Sim, mas o PNR era, de forma geral, muito antiquado. Nunca foi minimamente atrativo, num sentido mais lato. Era um partido de direita extremista, mal organizado e com um enorme insucesso eleitoral.

Até surgir o Chega.
Sim, o Chega parece ser mais moderno, mainstream, tal como o Vox, em Espanha. Os dois partidos são muito semelhantes na forma como surgiram e se desenvolvem. Espanha sempre teve uns pequenos partidos neofascistas, que nunca foram a lado algum. Mas havia ali potencial. E o Vox, além de ter arregimentado esses votos, ainda teve boa cobertura dos média. Se são sustentáveis? Isso é outra discussão. Pelo que percebo do Chega, os seus membros estão longe de estar bem organizados e o seu último congresso foi um bom exemplo, ao mostrar problemas internos e divisões graves. Semelhante ao que vemos nos Países Baixos com o FvD [Fórum pela Democracia], que está a implodir. Os partidos de extrema-direita tendem a aniquilar-se a si próprios. Mesmo com um enorme apoio, as convulsões internas acabam por enfraquecer. O que não significa que não haja muito espaço para crescerem.

O PNR era muito antiquado. Nunca foi minimamente atrativo. Era um partido de direita extremista mal organizado e com um enorme insucesso eleitoral. O Chega parece ser mais moderno, mainstream, tal como o Vox, em Espanha

André Ventura é o “Messias” que faltava à extrema-direita?
Nitidamente. Fez com que o Chega entrasse ao Parlamento, sendo um líder vindo do setor mainstream da política e não de umas franjas da extrema-direita. Apesar de, nas sondagens, rondar os 7%, não consigo ainda perceber qual possa ser a sua evolução. Se o Chega continuar muito centrado na figura do líder, acontecerá como a todos os outros: desaparece. Mas nenhum país consegue escapar a esta onda de ultradireita. Lá porque não havia um partido de extrema-direita, não quer dizer que não houvesse espaço para tal. Portugal tem de estar preparado para o que aí vem, porque só agora começou a despontar esta sua direita radical.

Como se deve lidar com este fenómeno? A eurodeputada liberal sueca Cecilia Wikström contava que, quando a extrema-direita entrou no Parlamento sueco, ninguém falava com tais deputados.
Esse tipo de resistência simbólica, indo ao ponto de não apertar as mãos aos políticos de extrema-direita ou de não se sentarem ao seu lado, não é uma boa estratégia. Não apoio essa atuação. O meu aviso aos democratas liberais é: não sejam reativos, independentemente da agenda que os radicais tenham, porque isso já foi feito e não resultou. A exclusão radical e a inclusão não são eficazes.

Porquê?
Ao excluir-se, o espaço liberal democrático fica limitado. Ao incluir-se, até em soluções governativas, mina-se a democracia liberal por dentro. É tempo de os democratas liberais mudarem de agenda. Para tal, precisam de uma ideologia e de uma visão estratégica. O grande problema com que deparamos é o vácuo ideológico: já não há uma visão social-democrata, liberal ou democrata-cristã. Há uma agenda da extrema-direita.

Qual é o perfil do votante nestes partidos?
Há umas ligeiras diferenças, porque um partido que tem 5% ou 7%, como o Chega, ou pelo menos ambiciona chegar aí, está um pouco longe do tipo de eleitorado dos 50% do Fidesz [Hungria]. De forma geral, é substancialmente um voto masculino. É, quase desproporcionalmente, um voto branco – não exclusivamente, mas quase. É um eleitor com baixa educação e literacia. Os números de pessoas com Ensino Superior que votam nestes partidos são baixos. Não são eleitores necessariamente pobres. Nuns países, a classe trabalhadora votante é pequena; noutros, a classe trabalhadora branca é a maioria; e ainda há alguns países onde corresponde a 10 ou a 20 por cento. Há também uma diferença entre o voto urbano e rural. Na Polónia, Hungria e Áustria, as zonas rurais tendem a ser mais votantes da extrema. O contrário acontece nos Países Baixos e Itália.

Então não se pode falar de uma massa homogénea na Europa?
Quanto à natureza do seu autoritarismo e populismo, não há grandes diferenças. A grande distinção na ultradireita reside nas razões socioculturais, maioritariamente relacionadas com a religião. Isso traduz-se nas questões do feminismo ou dos LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros], cujos direitos a Norte são muito mais progressistas e inquestionáveis, enquanto que a Sul e a Leste são muito conservadores. O Lei e Justiça [Polónia] e o Fidesz são profundamente homofóbicos.

Esta quarta vaga de extrema-direita, que no seu livro diz ter começado no 11 de Setembro, deve-se de alguma forma ao facto de a Europa ter abdicado dos seus princípios fundadores?
Em alguns países, sim. A partir do momento em que os partidos no poder abdicaram dos seus princípios, para governar com a ultradireita ou ter o seu apoio, esbateram profundas diferenças e estabeleceram grande alterações, como aconteceu na Áustria. Ou na Dinamarca, onde o primeiro-ministro Rasmussen, com um governo minoritário, precisou do apoio parlamentar do DFP [de extrema-direita]. Quando se traçam estes caminhos, casos como o de Viktor Orbán tornam-se possíveis. A União Europeia (UE) debate-se agora com os problemas dessa normalização da ultradireita, que está no poder na Hungria e Polónia, sem uma estratégia concertada para inverter a situação.

Bruxelas deveria ter sido mais célere a agir?
A Comissão Europeia (CE) poderia ter feito mais até agora. Mesmo que os jogos de poder ocorram a nível de cada Estado, na verdade, a CE falhou. Na maior bancada do Parlamento Europeu, a do Partido Popular Europeu (PPE), permitem-se partidos individualistas e não se avança para a exclusão do Fidesz. Assim, ninguém irá obrigar a Hungria a recuar nas suas posições. A Polónia tem o seu Lei e Justiça na bancada do ECR [Reformistas e Conservadores Europeus], que é agora mais forte do que nunca. É injusto culpar a UE por esta erosão democrática. Mas isto deve ser analisado no Conselho Europeu, já que aí os países podem ser comprometidos e Angela Merkel pode assumir-se como mediadora.

A pandemia pode ajudar na estratégia contra a ultradireita?
Ainda há pouco tempo analisei essa questão num artigo, por ser muito interessante. A extrema-direita foi a primeira a alertar para a Covid-19, mais depressa do que os outros partidos, e até a pedir um confinamento, mesmo sem ter a certeza dos seus efeitos. Muita coisa se alterou depois. Assim que o confinamento foi adotado, a extrema-direita começou a opor-se a ele. Se alguém fez por ignorar ou negar o perigo da pandemia foi Bolsonaro, que eleitoralmente não sofreu nenhum efeito destrutivo no Brasil. Não considero que a pandemia tenha um efeito por si só. Precisará de uma crise económica como empurrão talvez. Só que a ultradireita tornou-se tão heterogénea que pode sobreviver a esse fator.

Donald Trump não sobreviveu.
As pessoas que votaram em Donald Trump não votaram no Partido Republicano, votaram em Trump, cuja eleição, há quatro anos, veio normalizar a extrema-direita e a direita radical populista. Como já referi: a derrota deste fenómeno acontece quando há uma mobilização concertada contra a ultradireita e uma voz que personifique essa luta, como foi o caso de Joe Biden.

E Steve Bannon, ao sair de cena, perdeu-se a cola desses grupos?
Steve Banon foi editor de um pequeno site de ultradireita nos Estados Unidos da América, o Breitbart News, financiado por supremacistas para publicar notícias falsas. Teve um grande feito na sua carreira que foi ter tratado da campanha de Donald Trump, em 2016, cuja o lema era “salvar a América”. Teve uma pequena contribuição naquele discurso de tomada de posse, em que Trump disse que “estão a colocar o povo na Casa Branca”. Fora dos EUA, a sua intervenção foi completamente irrelevante.

Então o que andou a fazer pela Europa? Não foi a conjugar esforços?
Se tentou, não obteve sucesso. No Parlamento Europeu, a direita populista manteve-se fracionada em quatro. Esse alegado movimento unificador pela Europa, que chegou a ser noticiado, não existiu e nenhum partido se comprometeu com o guião de Bannon. Claro que houve alguns políticos que quiseram aparecer ao seu lado, por ser a “voz” de Trump. Mas nenhuma aliança resultou da sua passagem pela Europa. Bannon queria conectar os conservadores e a ultradireita: juntar Viktor Orbán e Matteo Salvini, Andrzej Duda e Marine Le Pen. Isso nunca aconteceu. Ainda hoje, Orbán está no PPE, o Lei e Justiça, de Duda, no ECR, e Salvini continuou na ID [Identidade e Democracia], de extrema-direita. Por isso, a direita radical e populista, que alegadamente Bannon ia unir, continua dividida.

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