Está em marcha um projeto de 1,8 milhões de euros para a criação de uma plataforma tecnológica, desenvolvida maioritariamente em Portugal, que permitirá a deteção de fraudes em redes da quinta geração de telecomunicações móveis (5G) por operadores de todo o mundo. O AIDA – acrónimo inglês para plataforma de Garantia Adaptativa, Inteligente e Distribuída – vai focar-se no chamado conceito de computação periférica (edge computing), no qual o processamento de informação acontece mais próximo do utilizador final ou da fonte de dados, e não num servidor central a centenas ou milhares de quilómetros de distância.
A computação periférica, aliada à maior largura de banda para troca de informação e à já menor latência de resposta das redes 5G, cria um novo modelo de infraestrutura e computação geograficamente distribuída que os operadores de telecomunicações vão explorar, mas também vão necessitar de proteger.
O projeto AIDA junta quatro entidades – uma empresa e três unidades de investigação e desenvolvimento. A antiga WeDo Technologies, que agora faz parte da americana Mobileum, é a grande promotora do projeto, que conta ainda com a participação do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), da Universidade de Coimbra e da Universidade de Carnegie Mellon, dos EUA.
O AIDA é apresentado como uma evolução do RAID, plataforma da Mobileum e que atualmente é líder mundial em garantia de receita (revenue assurance) e no combate à fraude em redes de telecomunicações. Agora, com a chegada da 5G, as especificidades da tecnologia e da própria arquitetura de redes – sobretudo a questão da computação periférica – gera a necessidade de se criar uma nova plataforma tecnológica que consiga salvaguardar as novidades que a 5G traz.
“Atualmente, a plataforma RAID permite correr em ambientes de computação na nuvem ou, na maior parte dos casos, em centros de dados do cliente onde é feita a instalação. Com este projeto e dada a emergência da computação periférica, em particular na área das telecomunicações com a implementação da 5G, queremos evoluir o produto para este tipo de arquitetura”, explica Ricardo Vilaça, investigador do INESC TEC, em entrevista à Exame Informática.
Na prática, tirando partido da computação periférica, será possível detetar fraudes quase em tempo real – por o processamento de dados ser feito mais próximo do utilizador final – e isto deverá ter duas grandes consequências: maiores garantias de proteção das receitas dos operadores e melhor garantia da qualidade do serviço para os utilizadores.
“Esta arquitetura de computação periférica permite que o produto tire partido de dados em tempo real e da computação mais próxima dos dados”, acrescenta o investigador.
A computação periférica permitirá ainda aos operadores de telecomunicações, por exemplo, explorar novos segmentos de mercado, como veículos autónomos e projetos de Internet das Coisas (IoT na sigla em inglês) de grande escala. Mas esta forma distribuída de computação traz um desafio acrescido – a deteção de fraudes está dependente do treino de algoritmos… e como se treina um algoritmo fora de um grande servidor central?
Aprendizagem federada
A resposta está num conceito que é conhecido por aprendizagem federada (federated learning). Pense neste tipo de aprendizagem automática como uma abelha a fazer polinização: voa de planta em planta, transportando o polen de umas para outras. No caso da aprendizagem federada, o algoritmo é treinado num dos pontos de computação periférica e depois leva esse modelo para outro ponto de computação e para outro e por aí fora.
No caso específico do AIDA, os pontos de computação periférica serão equipamentos de rede dos próprios operadores de telecomunicações com capacidade de processamento e armazenamento, mas também podem ser dispositivos instalados em edifícios, casas e veículos.
O grande ‘twist’ deste modelo de aprendizagem federada é a possibilidade de treinar o mesmo modelo em conjuntos de dados diferentes – e de diferentes empresas –, mas sem revelar informações privadas dos conjuntos de dados nos quais já foi treinado.
“O desafio é como adaptar esses algoritmos agora a esta arquitetura periférica. Quero treinar o modelo de Inteligência Artificial de forma distribuída sem revelar dados de um determinado cliente, não quero que os dados sejam conhecidos, mas que a informação do modelo permita evoluir o modelo globalmente sem revelar os dados sensíveis”, detalha Ricardo Vilaça.
E a partir do momento em que o modelo pode aprender tendências de utilização, tendo por base uma fonte mais vasta de dados e ao mesmo tempo mais representativa da realidade, consegue aumentar a capacidade de deteção de fraudes. “É um modelo global para detetar padrões que com os dados de uma instância não conseguiria”, adianta o elemento do INESC TEC.
O projeto AIDA foi oficializado a 12 de maio e tem um prazo de conclusão de 30 meses, devendo ficar pronto na segunda metade de 2022. A Mobileum fará depois uma prova de conceito com um cliente antes de disponibilizar de forma mais abrangente as novas tecnologias no mercado.
E apesar de este ser um projeto de investigação para uma ferramenta empresarial específica, Ricardo Vilaça sublinha que “os avanços tecnológicos que serão feitos pelo INESC TEC, pela Universidade de Coimbra e pela Universidade de Carnegie Mellon, serão depois aplicados a outros contextos”.
Segundo informa o INESC TEC, o projeto foi selecionado no âmbito da iniciativa “Go Portugal– Global Science and Technology Partnerships Portugal” do Programa CMU Portugal. O valor para o desenvolvimento do AIDA é apoiado por Fundos da União Europeia, “nomeadamente 1,791 milhões de euros pelo Programa Operacional Norte, COMPETE2020, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, empresas parceiras e a Carnegie Mellon University, através do Programa CMU Portugal”.