Talvez não me debruçasse sobre o assunto se não tivesse este espaço de opinião, mas já que é função e obrigação de qualquer escritor espelhar e refletir sobre as angústias do tempo em que vive, aqui fica, sem filtro nem cerimónias, o que penso e sinto sobre Quem quer namorar com um agricultor e Quem quer casar com o meu filho. Quanta ironia na estreia de tais disparates poucos dias depois da celebração do Dia Internacional da Mulher. Parece que andamos para a frente, mas depois afinal…não.
Ainda a procissão vai no adro e já a vontade de me bolçar perante o que assisti tomou conta de mim. Além da questão estética e formal de as concorrentes envolvidas se apresentarem vestidas de forma sempre desadequada em todos os momentos dos dois programas, ambos incorrem no mesmo pressuposto que me deixou com vontade de iniciar a prática do boxe com um PT cinco dias por semana, apesar da minha conhecida condição cardíaca: em qualquer dos formatos são os homens que escolhem as mulheres.
Está tudo doido? Voltámos à idade medieval em que era prática comum comprar escravas no mercado, despojos de guerras perdidas? Ou Portugal transformou-se num prostíbulo, qual Tailândia, onde os homens entram numa casa de meninas e podem escolher a que quiserem? E porque raio as mulheres se sujeitam a ser apresentadas como cabeças de gado ou ovelhas em exposição, num ato que pouco as distingue de exemplares do reino animal num stand da Ovibeja?
A objetivação da mulher redunda com demasiada facilidade no abjeto: perante a possibilidade de poderem escolher, os homens ficam inchados como perus, dando-se ao luxo de excluir, programa a programa, mais uma ovelha do rebanho humano. No caso de Quem Quer casar com o meu filho tudo piora, já que são as mães que atuam como guardiãs dos seus meninos – ainda pequenos e nunca homens feitos – para interrogar as candidatas com perguntas que revelam um machismo gritante e repugnante. As mais repetidas foram: sabes cozinhar? Tens filhos? Como se quem não soubesse domar os tachos fosse uma inútil e a maternidade um defeito físico ou uma doença autoimune.
No entanto, ainda antes dos constrangedores interrogatórios que revelaram total ausência de modos e de educação, – as moças sentam-se num sofá como se fossem a uma entrevista para empregada doméstica e apenas o Ricardo e a sua progenitora se levantaram para as cumprimentar -, é notório o fortíssimo ascendente da mãezinha no seu respetivo rebento quando falam um do outro e da relação que têm, quer na conversa com a apresentadora antes de entrarem na casa conde vão entrevistar a auxiliar de serviços domésticos, não, desculpem, a candidata a consorte. Com exceção de Vera, a única mãe a deixar falar o filho, todas as outras sobrepuseram a sua voz e opinião sem pudor e até com bastante orgulho. É natural, porque estão habituadas a mandar, e o cão, não, desculpem, o filho, está habituado a obedecer.
Continuemos então esta viagem ao moinho da asneira, retrato infelizmente tão real do nosso país de pastores e de raparigas sonhadoras que ainda acreditam no Príncipe Encantado, encarando a potencial futura sogra como um dragão a conquistar. É muito triste para a condição feminina vê-las a desfilar para a entrevista fatal, usando técnicas diferentes de sedução para o conjunto mãe-filho que as examinam em grande sintonia, segundo critérios de misoginia e de egoísmo. Os meninos só perguntam se elas fazem o desporto que eles fazem, ou se se interessam pelos assuntos que eles se interessam. E as desgraçadas vão respondendo o melhor que sabem, cedendo, contemporizando, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para agradar e causar uma boa impressão. Já os paspalhos, esses não fazem cerimónia, veja-se o caso de um que disse abertamente ser manipulador, com a mãezinha a acenar a cabeça em sinal de aprovação, como se fosse uma qualidade. O tom sobranceiro e inquisitivo que atravessa quase todos faz-me ponderar de novo nas tais aulas de boxe. Também deve ser a isto que se aplica a clássica expressão carne para canhão.
Não tenhamos ilusões: se a base da sociedade é a família, então é inevitável perceber que o machismo em Portugal começa a ser embalo de berço, misturado nas papas e embebido nas chuchas desde a mais tenra idade. Estas mães parecem felicíssimas em fazer dos filhos monstros profissionais: feios que se acham irresistíveis, burros que se consideram espertos, burgessos com aspirações a príncipes. Estes dragões femininos, que depositam todas as suas energias e amor em relações quase incestuosas e notoriamente doentias, estão a criar uma linha de montagem de palhaços arrogantes. Não admira que em Portugal e nos países de cultura latina os homens sejam tão frouxos: o que fazer perante uma mãe-dragão que os protege de tudo e os mima como se tivessem 5 anos até ao fim da vida, que continuam a tratar-lhes da roupa e a acondicionarem comida em tappawares, décadas depois de terem saído de casa?
Tudo isto é terreno fértil para perpetuar adultos infantilizados, egocêntricos e narcisistas, sem empatia nem aptidões domésticas, treinados para escolherem a mulher da vida deles com base no critério utilitarista do para que é que serve, porque o objetivo é ficar ao serviço.
Tudo isto é muito triste, tanto para as mulheres como para os homens. E ainda mais triste é, por se tratar de uma realidade contemporânea. Quando são as próprias mulheres e incentivar maus hábitos de relação e defeitos de caráter que ficarão marcados na personalidade e que irão passar como exemplo para os filhos destes filhos, estamos no pior dos caminhos.
Sempre acreditei que são as mulheres que escolhem os homens. Uma mulher que se deixa escolher, ainda mais de forma tão vergonhosa, já perdeu todo o orgulho e autoestima. É possível que as concorrentes não tenham tido escolha, podem ter nascido numa família minada pela desigualdade de género e por descriminações de todos os tipos. A minha voz levanta-se aqui exclusivamente para essas mães terríficas, responsáveis por filhos estragados com mimos.
Enquanto existirem mulheres que se põem a jeito para ser maltratadas, os homens irão sempre fazer merda, pois toda a gente sabe que os adultos são com as crianças, só vão até onde os deixam ir. Que estes programas nos sirvam pelo menos para reagir e travar tanta estupidez. Se o machismo e a misoginia pagassem imposto em Portugal, dávamos a volta ao défice para sempre.