Em Os fuzilamentos de três de maio, Goya (1746-1828) retrata os mortos da colina de Príncipe Pio, em 1808, durante as invasões francesas. O quadro está no Museu do Prado e, graças às maravilhas da internet, também pode ser visto aqui. Não dispensa uma visita ao vivo e a cores, claro, mas serve bem para avivar a memória: indignada com o facto de a casa real espanhola ter seguido as ordens de Napoleão, centenas de pessoas revoltaram-se e foram assassinadas pelo exército francês em vários locais da cidade (calcula-se que tenham morrido cerca de 400). Goya, pintor da corte, não presenciou os acontecimentos, mas fixou-os na tela, seis anos mais tarde, quando Fernando VII regressou a Espanha. Aqueles foram os espanhóis que resistiram.
Mão amiga fez-me notar o propósito de aqui recordar o quadro de Goya. De 1808 para 2022, os homens continuam a travar a guerra. Na semana passada, na visita a Kiev, Guterres lembrou como ela é um “absurdo” no século XXI. Porém, a caminho das dez semanas de conflito, naquilo que consideramos ser o sossego do nosso sofá, vamos ficando mais ou menos indiferentes às notícias da Ucrânia. No domingo, foi possível tirar do complexo metalúrgico de Azovstal cerca de cem pessoas, sobretudo mulheres e crianças. Coordenada pelas Nações Unidas e pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha, a retirada de civis era suposto ter prosseguido durante o dia de ontem, mas já não houve condições. A operação foi travada e o que se ouviram foram os relatos dramáticos de quem, para sobreviver aos bombardeamentos, viveu as últimas semanas em túneis e ligações subterrâneas. “Não vimos o Sol durante muito tempo”, disse Natalia Usmanova, 37 anos, à agência Reuters.