O ex-procurador da República Orlando Figueira, condenado a seis anos e oito meses de cadeia na Operação Fizz, ficou sem o passaporte e está obrigado a apresentações semanais numa esquadra da PSP. Segundo informações recolhidas pela VISÃO, a decisão de alterar a medida de coação a que o magistrado estava sujeito, o Termo de Identidade e Residência (TIR), surgiu após a VISÃO ter adiantado que Orlando Figueira tinha colocado à venda o seu apartamento, o qual se encontra ainda arrestado no processo.
Ao que a VISÃO apurou, o Ministério Público do tribunal judicial de Lisboa promoveu, nas últimas semanas, junto do juiz de primeira instância, um novo interrogatório de Orlando Figueira para uma alteração da medida de coação. Após a diligência, o juiz decidiu agravar as medidas de coação a que o ex-magistrado do Ministério Público está sujeito, considerando existir um perigo de fuga.
Tal como a VISÃO adiantou, em dezembro do ano passado, apesar de ter o seu apartamento arrestado à ordem do processo, Orlando Figueira decidiu colocá-la à venda através da agência “Medimaio” da Century 21. O imóvel, como se confirma através de elementos da 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, encontra-se arrestado para assegurar o pagamento de 251 mil euros, os quais se somam aos 500 mil euros apreendidos em contas bancárias, em Portugal e Andorra. Só que, segundo a VISÃO apurou, Orlando Figueira terá considerado que o arresto do imóvel apenas incide sobre os tais 251 mil euros, podendo, por isso, vender o imóvel, ficando com o remanescente.
Condenado em primeira instância e no Tribunal da Relação de Lisboa, Orlando Figueira evitou, no final do ano passado, o trânsito em julgado das decisões, apresentando um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, depois de um outro recurso não ter sido aceite pelo Tribunal Constitucional.
A 2 de dezembro de 2022, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça foi aceite pela juíza desembargadora Maria Silveira Botelho, conferindo-lhe “efeito suspensivo”, ou seja, a decisão de condenação fica suspensa.
Com esta decisão, Orlando Figueira ganhou mais uns meses até os autos regressarem à primeira instância e, aí sim, ser declarado o trânsito em julgado da decisão que o condenou a seis anos e oito meses de cadeia e emitido o respetivo mandado de condução ao estabelecimento prisional. Entretanto, seis anos depois de lhe ter aberto um processo disciplinar, o Conselho Superior do Ministério Público decidiu expulsar Orlando Figueira da Magistratura.
Detido a 23 de fevereiro de 2016, Orlando Figueira esteve mais de um ano em prisão preventiva, no Estabelecimento Prisional de Évora, e um par de meses em domiciliária. Em fevereiro de 2017, o Ministério Público acusou-o de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, estendendo a imputação de crimes ao então vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, ao advogado Paulo Amaral Blanco e ao empresário Armindo Pires, representante fiscal, em Portugal, de Manuel Vicente.
A acusação sustentou que Orlando Figueira recebeu mais de 700 mil euros para arquivar um processo-crime cujo alvo era Manuel Vicente, assim como fazer desaparecer dos autos informações sobre o suspeito. O caso seguiu para julgamento, com a defesa de Manuel Vicente a pedir a separação dos processos e o envio dos autos para Angola. Numa primeira fase, os tribunais portugueses recusaram tal pretensão, o que levou o primeiro-ministro, António Costa, a referir-se a este caso como um “irritante” nas relações diplomáticas entre os dois países. Mas, em maio de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa aceitou o envio dos autos para Angola.
Em novembro do ano passado, o atual procurador-geral de Angola, Hélder Pitta Grós, garantiu que o “processo existe, veio de Portugal, já constituído”, mas “não se trabalhou porque tivemos aquele tempo em que havia imunidade. Tendo passado esse tempo, naturalmente, temos de trabalhar”.
Manuel Vicente esteve protegido pela lei angolana de imunidade para titulares de cargos públicos, que limita essa proteção a cinco anos após o fim do exercício de funções, prazo que expirou em setembro.
Em 2018, o processo-crime iniciado em Portugal, conhecido como “Operação Fizz”, em que o ex-vice-presidente angolano era acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira, causou um “irritante” entre os dois países, que ficou resolvido depois de o caso relativo a Manuel Vicente ter sido transferido para Angola.
Em julgamento, o procurador foi condenado a seis anos e oito meses de cadeia, pena que seria confirmada, em novembro de 2021, pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Desta decisão, Orlando Figueira recorreu para o Tribunal Constitucional. De todos os acusados, só o empresário Armindo Pires foi absolvido.
Entretanto, e apesar da acusação e da condenação em primeira instância, Orlando Figueira, que tinha pedido uma licença sem vencimento do Ministério Público, em 2012, decidiu retomar, em abril de 2019, as suas funções na magistratura, o que lhe foi autorizado pelo CSMP, tendo sido colocado, primeiro, no Tribunal de Execução de Penas, nos Açores, e, posteriormente, no mesmo tribunal, mas em Lisboa. Ou seja, apesar de condenado, continuou a recebeu ordenado de procurador da República, mesmo estando sem funções atribuídas, algo que se manteve mesmo após a confirmação da condenação pelo TRL, até à expulsão desta magistratura, em dezembro do ano passado.