O procurador Orlando Figueira, condenado a seis anos e oito meses de cadeia por crimes de corrupção e branqueamento de capitais no processo “Operação Fizz”, vai conseguir evitar o trânsito em julgado de duas decisões judiciais com um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Segundo informações recolhidas pela VISÃO, após o Tribunal Constitucional ter rejeitado um recurso do magistrado, o Tribunal da Relação de Lisboa, a 2 de dezembro, aceitou outro recurso que tinha dado entrada em julho deste ano. Entretanto, Orlando Figueira colocou à venda o seu apartamento, em Oeiras, mas este encontra-se arrestado à ordem do processo.
O circuito de recursos explica-se desta forma: após o Tribunal da Relação de Lisboa ter rejeitado, em novembro de 2021, um recurso sobre a condenação a pena de prisão efetiva pela primeira instância, Orlando Figueira recorreu para o Tribunal Constitucional que, numa primeira decisão sumária, rejeitou o apelo. A 9 de novembro deste ano, e depois de uma reclamação apresentada para a conferência, o Constitucional voltou a rejeitar apreciar as alegações da defesa do magistrado.
Ao mesmo tempo que corria este recurso, Orlando Figueira deu entrada, no Tribunal da Relação de Lisboa, com outro recurso, a 3 de julho de 2022. Segundo fonte judicial, como o processo estava no Tribunal Constitucional, este recurso ficou parado na Relação, aguardando o regresso dos autos. O que aconteceu no final do mês de novembro.
Sendo assim, a 2 de dezembro, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça foi aceite pela juíza desembargadora Maria Silveira Botelho, conferindo-lhe “efeito suspensivo”, ou seja, a decisão de condenação fica suspensa.
Com esta decisão, Orlando Figueira pode ganhar mais um par de meses até os autos regressarem à primeira instância e, aí sim, ser declarado o trânsito em julgado da decisão que o condenou a seis anos e oito meses de cadeia e emitido o respetivo mandado de condução ao estabelecimento prisional.
Apartamento em Oeiras à venda
Entretanto, o procurador – demitido há duas semanas do Ministério Público, como a VISÃO adiantou – colocou à venda o seu apartamento, em Oeiras. Porém, o imóvel, como se confirma através de elementos da 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, encontra-se arrestado à ordem do processo que o condenou para assegurar o pagamento de 251 mil euros, os quais se somam aos 500 mil euros apreendidos em contas bancárias, em Portugal e Andorra.
O anúncio da venda encontra-se na agência “Medimaio” da Century 21. De acordo com informações recolhidas pela VISÃO, Orlando Figueira terá considerado que apenas tem arrestado à ordem do processo os tais 251 mil euros, podendo, por isso, vender o imóvel, ficando com o remanescente.
Detido a 23 de fevereiro de 2016, Orlando Figueira esteve mais de um ano em prisão preventiva, no Estabelecimento Prisional de Évora, e um par de meses em domiciliária. Em fevereiro de 2017, o Ministério Público acusou-o de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, estendendo a imputação de crimes ao então vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, ao advogado Paulo Amaral Blanco e ao empresário Armindo Pires, representante fiscal, em Portugal, de Manuel Vicente.
A acusação sustentou que Orlando Figueira recebeu mais de 700 mil euros para arquivar um processo-crime cujo alvo era Manuel Vicente, assim como fazer desaparecer dos autos informações sobre o suspeito. O caso seguiu para julgamento, com a defesa de Manuel Vicente a pedir a separação dos processos e o envio dos autos para Angola. Numa primeira fase, os tribunais portugueses recusaram tal pretensão, o que levou o primeiro-ministro, António Costa, a referir-se a este caso como um “irritante” nas relações diplomáticas entre os dois países. Mas, em maio de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa aceitou o envio dos autos para Angola.
Em novembro, o atual procurador-geral de Angola, Hélder Pitta Grós, garantiu que o “processo existe, veio de Portugal, já constituído”, mas “não se trabalhou porque tivemos aquele tempo em que havia imunidade. Tendo passado esse tempo, naturalmente, temos de trabalhar”.
Manuel Vicente esteve protegido pela lei angolana de imunidade para titulares de cargos públicos, que limita essa proteção a cinco anos após o fim do exercício de funções, prazo que expirou em setembro.
Em 2018, o processo-crime iniciado em Portugal, conhecido como “Operação Fizz”, em que o ex-vice-presidente angolano era acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira, causou um “irritante” entre os dois países, que ficou resolvido depois de o caso relativo a Manuel Vicente ter sido transferido para Angola.
Em julgamento, o procurador foi condenado a seis anos e oito meses de cadeia, pena que seria confirmada, em novembro de 2021, pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Desta decisão, Orlando Figueira recorreu para o Tribunal Constitucional. De todos os acusados, só o empresário Armindo Pires foi absolvido.
Entretanto, e apesar da acusação e da condenação em primeira instância, Orlando Figueira, que tinha pedido uma licença sem vencimento do Ministério Público, em 2012, decidiu retomar, em abril de 2019, as suas funções na magistratura, o que lhe foi autorizado pelo CSMP, tendo sido colocado, primeiro, no Tribunal de Execução de Penas, nos Açores, e agora no mesmo tribunal, mas em Lisboa. Ou seja, apesar de condenado, continuou a recebeu ordenado de procurador da República, mesmo estando sem funções atribuídas, algo que se manteve mesmo após a confirmação da condenação pelo TRL.
Em fevereiro deste ano, o magistrado pediu a sua jubilação (reforma) ao CSMP, mas esta foi-lhe negada.