Acusado pelo Ministério Público de tentativa de homicídio, em co-autoria, ofensa à integridade física qualificada, roubo e detenção de arma proibida, a defesa de Bernando Santos, um dos arguidos do processo da claque do Benfica “No Name Boys”, pediu, esta semana ao Tribunal de Sintra, onde decorre o julgamento, a anulação de todas as provas com base nos metadados dos seus telemóveis, como dados de localização celular, faturação detalhada e perícias.
O requerimento apresentado ao tribunal – que está a julgar 31 arguidos por vários crimes, entre eles uma tentativa de homicídio a um adepto do Sporting, em maio de 2020 – pelo advogado Ricardo Serrano Vieira, a que a VISÃO teve acesso, faz, como já aconteceu noutros processos, referência ao recente acórdão do Tribunal Constitucional (268/2022) – que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias disposições na Lei 32/2008, relativa à conservação e transmissão de dados às autoridades para fins de investigação criminal – para pedir uma declaração de nulidade de todas “as provas recolhidas através de metadados”.
Segundo fonte ligada ao processo, os juízes do Tribunal de Sintra, que já adiaram a leitura do acórdão de julho para dezembro deste ano, além de declarar a nulidade dessas provas, cuja decisão também aproveitará a todos os restantes arguidos, terão que analisar se, sem esses dados, as provas restantes são suficientes para uma condenação. “Será muito difícil, porque, por exemplo, as localizações celulares colocavam alguns arguidos nas horas e locais dos crimes e a faturação revelava contactos entre eles, antes e depois”, explicou a mesma fonte.
Em dezembro do 2020, o Ministério Público acusou 37 arguidos, alguns dos quais ligados a uma claque de futebol, por suspeitas de tentativa de homicídio, ofensas à integridade física, atentado à segurança de transporte rodoviário, roubo, furto e dano. Segundo o MP, a investigação concluiu que os arguidos pertencem a um grupo organizado para a prática de atos de violência de claques/adeptos de clubes rivais, que, em 2018 a 2020, agrediu fisicamente e se apoderou de bens e valores de claques rivais, causando estragos num bar.
Entre os acusados estavam os suspeitos de, na noite de 4 de junho de 2020, fazerem parte do grupo que atacou à pedrada o autocarro do Sport Lisboa e Benfica (SLB), a caminho do centro de estágio do clube, no Seixal, e que poucas horas depois vandalizou a residência do então treinador do clube, Bruno Laje, após o SLB ter empatado em casa com o Tondela, 0-0, em jogo da 25.ª jornada da I Liga portuguesa de futebol. No dia seguinte ao incidente, que provocou ferimentos nos futebolistas Julian Weigl e Zivkovic, atingidos pelos estilhaços dos vidros partidos, o presidente do Benfica pediu uma “punição exemplar” para os autores.
Em instrução, foram pronunciados para julgamento 31 dos 37 acusados. E, nas alegações finais, o Ministério Público apenas pediu condenações para três, sendo que os advogados, em uníssono, apontaram para a falta de provas da acusação.
Nos últimos meses, após a publicação do acórdão do Tribunal Constitucional, têm surgido vários casos de pedidos de anulação de condenações. Paulo Pereira Cristóvão, antigo vice-presidente do Sporting, condenado no chamado “caso Cardinali” foi dos primeiros a avançar com requerimento nesse sentido.
Um cidadão brasileiro, suspeito de vários crimes de pornografia de menores, foi libertado também ao abrigo da decisão do TC, já que as provas recolhidas no seu processo baseavam-se em metadados fornecidos pelas operadoras de telecomunicações.
Também nos casos de homicídio do rapper Mota Jr e de Luís Grilo, ex-marido de Rosa Grilo, foi pedida a anulação das provas com base dos metados e a consequente libertação dos condenados.