Um tribunal da área de Lisboa recusou, a 8 de abril, abrir um processo de promoção e proteção de uma jovem (17 anos) fugida da guerra na Ucrânia, que passava pela atribuição da sua guarda, alegando a falta de intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) que teria, por exemplo, que recolher o consentimento dos pais biológicos que ficaram naquele país. Perante esta decisão, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que ordenou a reabertura imediata do processo de promoção e protecção da menor Valeriia.
De acordo com o recurso do Ministério Público, Valeriia chegou a Portugal “desacompanhada dos seus pais, seus legais representantes, aos cuidados de uma pessoa com a qual não tem qualquer vínculo familiar, que se encontra desempregada e sem rendimentos económicos”, estando na prática entregue a si própria”, uma vez que “não conhece a língua portuguesa e não recebe os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal, situação legitimadora da intervenção”.
O MP defendeu ainda que, “atendendo à situação da jovem, urgindo acautelar os seus direitos e superior interesse, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, torna-se urgente, adequada e necessária a aplicação a titulo provisório da medida cautelar de promoção e protecção de Apoio junto de Pessoa Idónea ou outra que melhor se adequa à sua situação”
O recurso do Ministério Público surgiu após um Tribunal de Família e Menores (que não está identificado no acórdão) ter recusado dar início ao processo, considerando estar em falta a intervenção de entidades com competência para analisar o caso e intervir junto da família. A isto respondeu o MP em recurso, considerando que a “regularização” da situação de Valeriia “depende de autorização dos seus pais, seus legais representantes, que atendendo ao cenário de guerra no seu país natal, se encontram ausentes e impedidos de exercerem o seu papel, desconhecendo-se se os mesmos se encontram em segurança, desconhecendo-se o seu paradeiro actual, tornando-se impossível o seu contato ou o envio de cartas para tratar da situação da jovem Valeriia para os convocarem e participarem em actos para prestarem o seu consentimento ou para serem citados em processos tutelares cíveis”.
E mais: “Mostra-se evidente que estando os progenitores ausentes, em cenário de guerra, qualquer diligência da CPCJ para recolher o seu consentimento expresso e por escrito e para celebrar um acordo de promoção e protecção a favor da jovem, na língua portuguesa que não entendem, não teria qualquer resultado em tempo útil para assegurar os interesses da jovem”.
Os juízes Orlando Nascimento (relator), José Maria Sousa Pinto e Vaz Gomes concordaram com os argumentos do procurador, considerando que o MP cumpriu o que lhe é imposto, isto é, dar início ao processo, não podendo o juiz rejeitar liminarmente tal pretensão. Quanto à falta de intervenção de entidades para analisaram o caso, os juízes desembargadores afirmaram ainda que a acção do Ministério Público não está “sujeita a qualquer condição, nomeadamente de esgotamento da ação das entidades administrativas que exercem a sua ação na área da promoção e proteção, da qual não é subsidiária, nem está dependente”.
Os desembargadores ordenaram, por isso, o Tribunal de Família e Menores a dar início ao respetivo processo de promoção e protecção da jovem, que faz 18 anos na próxima segunda-feira, 13 de junho.