Andreas Noe, aka The Trash Traveler, conta estar a subir a grande encosta da Serra da Estrela em meados de maio. Galgar, em bicicleta, a montanha mais elevada do País será o momento em que se porá realmente à prova. No entanto, a sua boa forma e treino em bicicleta desde que nasceu, há 33 anos, na Alemanha, fazem-no sentir confiante no troço em que chegará quase aos dois mil metros, o ponto mais alto de Portugal continental.
O objetivo primordial da viagem que arranca em Cascais, no sábado, dia 23 de abril, não é o da superação pessoal. Este alemão, radicado em Portugal desde 2017, já nos habituou à sua principal cruzada: chamar a atenção para a poluição ambiental, com especial enfoque nos plásticos.
Quando deixou a sua carreira enquanto biólogo molecular, dedicou-se a essa missão, primeiro nas praias em redor da capital, depois nas suas aventuras pelo País. Já fez uma caminhada por todo o litoral, em que recolheu 1,6 toneladas de lixo, e um périplo pelas cidades, com as beatas como inimigo público (apanhou uma tonelada em dois meses). Apesar de sempre se preocupar com a limpeza de praias e cidades, arregimentando organizações do setor e a população em geral, a sua principal preocupação é acordar consciências, discursar acerca do flagelo dos plásticos e microplásticos, tentando que os portugueses mudem os comportamentos em relação ao consumo – cada português produz, anualmente, 512 quilos de lixo. A cada minuto são atiradas para o chão sete mil beatas.
Da uma bicicleta velha se fez outra nova
Desta vez, decidiu ir de bicicleta, e aliou-se à petição criada pela ONG Sciaena, para que passe a existir, em Portugal, uma tara recuperável nas garrafas de plástico, para que se lhes dê mais valor e não sejam descartadas como agora o são – na sua Alemanha natal, sabe que já se paga 25 cêntimos por cada entrega. Para dois meses na estrada, Andrea levará apenas uma garrafa reutilizável que encherá de água, à medida das suas necessidades.
A bicicleta em que agora se passeia, e que será a sua companheira indissociável nos próximos dois meses, é fruto de um trabalho de recuperação, com a ajuda da Cicloficina, nos Anjos, que durou cerca de 25 horas, espalhadas em duas semanas e meia de trabalho.
Aproveitou um exemplar velho, da marca portuguesa Confersil, doado a esta instituição, e arranjou-a com peças de outras bicicletas, conforme foi aprendendo com os voluntários da Cicloficina. Comprou apenas os travões, o cadeado e o cesto em que levará o lixo recolhido (só porque se trata de questões de segurança).
Na mala traseira, leva uma grande quantidade de luvas para ceder a quem se juntar ao seu projeto e há de juntar ali as pilhas de garrafas recolhidas no chão. “No final, não quis pintá-la, para manter este ar de segunda mão”, explica. Apostamos que durante o dia não abandonará o seu inseparável ukulele, em que dedilha músicas alusivas aos seus projetos, cantadas num português nada fluente.
Enquanto Andreas pedala entre 40 a 50 quilómetros por dia (serão três mil no total), Raquel Lima guia a mítica van azul, de 1982, comprada a um alemão, no início da cruzada ambiental batizada de The Trash Traveler. Durante o dia, ela andará à procura de agricultores locais a quem comprar alimentos, que serão cozinhados na carrinha, no final de cada jornada. Com esta liberdade de movimentos, podem escolher os sítios mais agradáveis para passarem uma noite descansada, pois não haverá um único dia de folga.
Vá seguindo a sua pedalada aqui. E, se o encontrar numa das suas paragens (ver mapa em baixo), não hesite: Calce as luvas e deixe o País um bocadinho mais livre de plásticos.