Raramente são simples os caminhos do prazer. Por um lado, o desejo pede mistério e nutre-se a partir de uma certa distância que alimenta a fantasia. Por outro, a presença e o sentimento de proximidade são ingredientes sem os quais a intimidade não tem espaço para existir.
Dedicada ao estudo dos circuitos cerebrais da atração há mais de três décadas, a investigadora americana Helen Fisher, da Rutgers University, afirma, com base em evidências científicas, que a paixão tem uma duração média estimada de ano e meio. Mais do que isso, revela-se disruptivo para a homeostase do organismo. A saturação neurofisiológica das áreas cerebrais ligadas ao amor romântico, ou “estado de cegueira”, como lhe chamam os poetas, tende a dar lugar a uma nova fase, marcada por menos desassossego e alvoroço instintivo. Se tudo correr de feição, inicia-se um registo mais estruturado, ou construído, no relacionamento dos amantes.
O mapas do (de)esencontro
A satisfação íntima passa, em boa parte, pela capacidade de sintonizar-se, estabelecer pontes e chegar a acordo sobre os aspetos a ajustar para ir ao encontro do outro
O clássico “caminhar lado a lado”, em que o “nós” conquista território sem sufocar nenhum dos parceiros, permitindo a cada um ser quem é, com margem para estar com as suas pessoas, preservando as suas preferências, hábitos e manias. É aqui que as coisas tendem a complicar-se. Numa entrevista à VISÃO, a antropóloga biológica fez saber que nos sentimos atraídos por pessoas cujo “mapa do amor” encaixa no nosso, seja por “sequências de comportamentos” (guiões) que nos fazem sentir “em casa” ou ou devido a traços de personalidade que conhecemos. Simultaneamente, o estudo do funcionamento cerebral de casais de longa duração (dois ou mais anos) mostrou que tinham áreas ativas ligadas à vinculação e ao apego, comuns noutros mamíferos.
A satisfação íntima passa, em boa parte, pela capacidade de sintonizar-se, estabelecer pontes e chegar a acordo sobre os aspetos a ajustar para ir ao encontro do outro, sem entrar em modo reativo, frustrado, amuado ou abatido e, acima de tudo, sem ceder aos jogos de poder. Com frequência, eles devem-se a inseguranças pessoais e desconhecimento de facetas que só se revelam na convivência regular, que costuma eliminar os filtros da idealização.
Quando surgem o “na altura em que te conheci não eras assim”, o “porque é que tiraste as minhas coisas do sítio onde as deixei?” ou a pergunta crítica “em que é que estás a pensar?”, as duas pessoas que julgavam estar “na mesma página” começam a perder o fio à meada, a desentender-se e a adormecer de costas voltadas. E veem-se como estranhos. “Será que vale a pena? É o nosso fim?”
O desafio da alteridade
A psicoterapeuta belga Esther Perel tornou-se famosa pelos podcasts, livros e workshops em que explora o conflito entre as necessidades de segurança e de liberdade nas relações humanas. Num deles, explica: “Tendemos a neutralizar a tensão que acompanha a alteridade para minimizar a distância entre o eu e o tu; queremos o nós.” E é aqui que reside o paradoxo: o desejo vive do mistério, mas o amor alimenta-se da proximidade. Em última instância, chega-se ao “amo-o(a) mas já não me excita”. Como sair deste novelo?
“É preciso dar um passo atrás para por as coisas em perspetiva, “só então podemos recuperar esse mistério do parceiro que amamos e conhecemos profundamente, mas está longe de ser um exercício simples”, esclarece, no podcast “Where should we begin?”. Na prática, há alguma verdade na expressão “preciso de espaço”, pois é nesse “espaço entre nós” que se tece ou recupera a vontade de ir ao encontro do estranho que há no outro e que nos fez sentir algo especial por ele desde o início. E como chegar lá?
O desejo vive do mistério, o amor alimenta-se da proximidade
Esther perel, psicoterapeuta especializada em relacionamentos amorosos
Esther Perel lança um repto aos casais e que se assemelha aos exercícios meditativos: fechar os olhos durante 30 segundos e, de seguida, olhar o parceiro diante de si como se fosse a primeira vez, permanecendo assim durante alguns minutos, e ver o que acontece.
A “culpa” do comprimido
Ao falar-se de remédios e sexualidade, é costume pensar-se naquilo que eles fazem em benefício do desejo ou da ereção. Menos comum é admitir-se que o desempenho pode ficar comprometido quando se tomam medicamentos para várias doenças, sobretudo as do foro psiquiátrico, como a depressão. Havendo tantos portugueses a consumi-los, até que ponto o tratamento de um problema pode contribuir para criar um outro, do quela ainda pouco se fala, talvez devido ao estigma?
Um estudo sobre o tema – “Antidepressant-associated sexual dysfunction: impact, effects, and treatment” mostrou que certas classes de medicamentos para tratar a depressão têm um impacto negativo na líbido. Uma delas é a dos SSRIs (citalopram, escitalopram, fluoxetina, paroxetina, sertralina), antidepressivos que aumentam os níveis da serotonina, neurotransmissor associado ao humor, e afetam a sexualidade, entre 25% a 75% dos casos. Outra é a dos SNRIs (venlafaxina, desvenlafaxina, duloxetina), que aumentam também os níveis de norepinefrina, neurotransmissor envolvido na resposta ao stresse, e que podem bloquear certas vias neurais ligadas à função sexual, comprometê-la em 58% a 70% dos casos.
Certas classes de medicamentos para tratar a depressão têm um impacto negativo na líbido. Falar com o médico assistente sobre isso permite encontrar estratégias para o seu caso
As variações são grandes, dependendo de pessoa para pessoa, havendo situações em que não se verificam estes efeitos colaterais, como se verificou num trabalho publicado na revista Therapeutic Advances in Psychopharmacology. Curiosamente, o estudo refere uma classe de princípios ativos (sildenafil, tadalafil, vardenafil, flibanserina, bupropiona) que até melhoram a disposição para a atividade sexual nos casos em que a perda do desejo está associada à própria doença (depressão).
Inquirida sobre este assunto, a psiquiatra e sexóloga Graça Santos, coordenadora da consulta de sexologia do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, refere que, apesar dos estudos serem contraditórios, é certo que podem dificultar a vida sexual, razão pela qual se deve fazer a gestão clínica do caso, pois se por um lado “a doença pode ter consequências negativas no plano sexual”, por outro, “quando se ganha tolerância ao medicamento, os efeitos secundários a esse nível diminuem”.
A especialista aconselha os pacientes a falarem destas questões na consulta, com o médico assistente. Entre as estratégias que podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes, destacam-se a “co-administração de fármacos como a buspirona (ansiolítico não benzodiazepínico), que reduz os efeitos secundários associados ao antidepressivo” e “não o tomar no dia em que planear ter relações sexuais, mas tem de se levar em conta a gravidade dos sintomas da depressão e o perfil do antidepressivo”. E menciona dois exemplos de medicamentos “amigos” da vida íntima, segundo a psiquiatra: a moclobemida, “um inibidor reversível da monoaminoxidase” e o bupropion, “que tem atividade dopaminérgica e pode melhorar a atividade sexual”.
Prazer sem vergonha
Apesar de tanta informação, os tabus persistem. Os sentimentos de inadequação face ao corpo ou ao desempenho, as crenças limitadoras, as pressões quotidianas e as próprias ou do parceiro não são bons conselheiros na hora H. Importa lembrar que os prazeres pequenos levam a outros: exercitar o corpo, cuidar-se sem pressas, desfrutar de uma boa conversa à mesa e trocar carinhos podem ser gratificantes per se e contribuir para uma atmosfera descontraída.
Conhecer o seu corpo, questionar crenças limitadoras, comunicar com assertividade e afeto e dispor-se a inovar, sem cair “piloto automático” são bons pontos de partida para explorar os caminhos do amor e desfrutar do erotismo
A primeira coisa a considerar é a relação que tem consigo, que inclui a forma como encara o seu corpo e “fala” com ele, bem como certas crenças limitadoras (por exemplo “não sou suficientemente atraente”, “a minha timidez é que estraga tudo”, “não tenho sorte no amor”, etc), inimigos que impedem a vivência de bons momentos, a solo ou a dois. A masturbação faz parte do menu, por ser através dela que se aprende a conhecer melhor as zonas erógenas, bem como a dieta de pensamentos, que pode ser feita através do “journaling”: desapegar-se das preocupações através da escrita é, para muitas pessoas, um meio eficaz para se libertar de cargas associadas a ruminações e medos, ao invés de projetá-los para a pessoa com quem deseja estar.
Respeitar os seus limites e saber dizer “não” ou adiar para uma altura mais propícia, após um dia cansativo, é outra das coisas que traz, a médio prazo, vantagens para a dupla: quanto mais cedo se exercitar a comunicação assertiva (conversas acerca do que eu gosto, do que o outro gosta, quando queremos ou não podemos, etc) e afetiva (dizê-lo com afeto), maiores as probabilidades de cimentar a confiança mútua.
A arte do elogio e o disponibilizar-se a inovar – e aqui não tem de ser apenas no sexo – revelam-se verdadeiros bónus na relação, seja ela recente ou de longa duração, impedindo o efeito de “piloto automático” que mata a espontaneidade e as possibilidades de descoberta (ou redescoberta). E se não tem tantas certezas de que assim é, basta pensar que, a cada dia que passa, somos os mesmos, mas não o somos também, pelo efeito das experiências que vamos acumulando e nos transformam de formas subtis.