Um novo estudo calculou o investimento já feito no combate a esta pandemia e comparou-o com o investimento que seria necessário para a prevenção. A previsão é que, com as medidas sugeridas, se invista apenas 1/20 do valor das vidas perdidas, e menos de 10% dos custos económicos utilizados, além dos diversos benefícios para a sociedade.
Mariana M. Vale, co-autora do estudo e membro da organização internacional para a prevenção de pandemias, garante à VISÃO que o aviso já tem sido feito ao longo dos anos, mas “não tinha sido ouvido”. “Os órgãos internacionais de saúde e os líderes na área de saúde pública têm promovido planos focados, exclusivamente, na deteção e controlo de novas pandemias, ignorando completamente a possibilidade de evita-las”, afirma.
“As ‘balas mágicas’ – os testes diagnósticos, os tratamentos e as vacinas – não conseguiram controlar a Covid-19 à medida que esta se espalhava pelo mundo e exigia um maior custo económico. Isto deixa claro que não podemos confiar apenas em estratégias pós-surto para evitar um destino semelhante no futuro”, lê-se no documento, que já foi revisto pelos pares.
Num primeiro estudo, a mesma equipa fez a mesma análise, mas apenas nos primeiros seis meses da pandemia, chegando à conclusão que a prevenção equivalia a apenas 2% do dano económico. Mas agora, apesar do foco ser o mesmo, realizou-se uma abordagem mais abrangente “que estima o valor anual de vidas perdidas e os danos económicos para zoonoses [nome dado a várias doenças infecciosas dos animais transmissíveis ao ser humano] virais ao longo do século passado”.
Assim, a equipa tabelou todos os vírus que surgiram desde 1918 que mataram pelo menos 10 pessoas, focando-se especialmente na gripe espanhola. “Usámos estes dados para calcular a mortalidade anual em relação à população mundial atual”, explicam.
“A linha de base da mortalidade anual esperada por epidemias de doenças virais com a atual população mundial é de 3,3 milhões de vidas”, lê-se no artigo. Assim, os investigadores estimaram que a disposição dos governos para pagar para prevenir uma morte pode variar de 107 mil dólares (mais de 94 mil euros) a 6,4 milhões de dólares (5,6 milhões de euros) por vida ou mais, dependendo da riqueza do país. Esta estimativa é resultado de uma análise ao “valor da vida” que é um valor monetário usado para medir o ganho potencial de evitar uma fatalidade.
“Descobrimos que evitar a perda de vidas se traduz num valor entre 350 mil milhões de dólares (308 mil milhões de euros) a 21 bilhões de dólares (18,5 biliões de euros) anualmente. A ampla gama de valores surge porque não sabemos em que países as futuras pandemias ocorreriam”, afirmam os investigadores.
Se se usasse a quantia correspondente ao máximo do valor que os governos estão disponíveis para pagar e se se reduzisse a probabilidade de surtos extremos em apenas 10%, cortaria em 300 mil o número de mortes esperadas e as perdas causadas pela mortalidade em até 2 biliões de dólares(1,7 biliões de euros) por ano. “As estratégias utilizadas permitiriam reduzir o risco de qualquer epidemia para metade, e salvariam 1,6 milhões de vidas por ano, assim como reduziriam os custos de mortalidade em 10 bilhões de dólares (quase 9 bilhões de euros)”.
Assim, os investigadores propõem três ações de medidas primárias de prevenção: melhoria na vigilância de transmissão de agentes patogénicos; monitorização da vida selvagem e tráfico de animais; e redução da desflorestação.
Para que se possa melhorar a vigilância de transmissão de agendes patogénicos para humanos, os investigadores propõe a criação de um projeto global de vigilância viral para direcionar as atividades de prevenção. “A vigilância pode ajudar a identificar rapidamente os agendes patogénicos quando eles surgem e acelerar nossa capacidade de desenvolver testes e vacinas”, diz Mariana M. Vale, acrescentando que “são necessários veterinários bem treinados, especialmente nas áreas de risco, para monitorizar as doenças emergentes”. No mesmo sentido, acredita-se que se houvesse uma motorização adequado do tráfico de animais selvagens impediria o surgimento de doenças de origem animal.
Por último, e na opinião desa investigadora, um dos aspetos mais importantes é que se reduza a desflorestação. “Quando se entra numa floresta virgem para cortar as árvores, o primeiro impacto entre o homem, os animais e os vírus que lá habitam é o ponto em que pode desencadear uma pandemia”, diz. “A desflorestação abre buracos na floresta, facilitando o contacto entre pessoas e os animais hospedeiros de vírus que lá residem”. Assim, explica que se se “vincularem medidas de conservação de florestas a investimentos no fortalecimento do sistema de saúde, estas medias podem apoiar as comunidades que vivem dentro e ao redor das florestas.”
Apesar destes cálculos, os investigadores revelam que o valor a que chegaram ainda pode ser mais elevado, porque “não há nenhuma maneira clara, por exemplo, de estimar o impacto psicológico da Covid-19, por exemplo, em pessoas que perderam empregos”. Advertem ainda que ” não podemos determinar facilmente custos adicionais decorrentes de atendimento médico adiado por causa da pandemia. Tais custos podem permanecer escondido por anos após o surgimento de uma pandemia”, lê-se neste estudo.
Os investigadores ainda vão mais longe, afirmando que, os líderes de políticas públicas e de interesses económicos estão a “negligenciar as ameaças de futuras pandemias catastróficas”, pedindo que se revertam as ações tomadas até agora e que se comece a pensar mais num futuro seguro.