Não é novidade que os NFT estão a tomar conta da Internet. Uma das coleções com mais sucesso no espaço desta forma de arte digital é a Bored Ape Yacht Club (BAYC), lançada em abril deste ano. São dez mil “macacos aborrecidos” (tradução do inglês bored ape), podem ser comprados com moedas digitais, são super exclusivos e chegam a custar fortunas. Está confuso? Nós explicamos.
O que é, afinal, um NFT?
NFT significa non-fungible token e pode ser qualquer coisa em formato digital (imagem, vídeo ou GIF, por exemplo) e não-fungível, o que significa que cada NFT é único e não pode ser substituído. O dinheiro, por exemplo, é fungível: se tiver uma moeda de 1€ e a substituir por outra de igual valor, terá exatamente a mesma coisa. Uma obra de arte valiosa, pelo contrário, é não-fungível: é única, exclusiva e insubstituível.
Os NFT estão a ser usados como uma forma de arte no mundo digital, que pode ser vendida e colecionada da mesma forma que as obras de arte no “mundo real”: um exemplo é o de um conjunto de cinco mil cartas colecionáveis, com personagens em formato de desenho animado do artista Ryan Maloney, mas na forma de NFT, que foi leiloado na Christie’s por 69 milhões de dólares.
Os NFT são adquiridos com criptomoedas e a sua maioria faz parte da blockchain Ethereum – em maio deste ano, esta era a segunda criptomoeda com maior valor de mercado, ficando apenas atrás da Bitcoin.
Mas comprar uma peça de arte digital não é o mesmo que fazer o download do ficheiro, sem pagar qualquer valor? Sim… e não
Na Internet tudo pode ser partilhado, e os mais céticos podem até perguntar: comprar uma peça de arte digital não é o mesmo que fazer o download do ficheiro, sem pagar qualquer valor? Sim… e não. É possível copiar o ficheiro digital, mas a característica distintiva dos NFT é que, ao comprarmos um, estamos a adquirir a propriedade sobre ele, e isso é original. Em termos mais práticos, isto significa que qualquer pessoa pode comprar uma cópia de um quadro de Van Gogh e toda a gente pode adquirir um poster num museu, mas apenas uma pessoa pode ter o original. É nesse sentido de propriedade exclusiva que nasce o valor dos NFT.
Esta tecnologia pretende resolver os inúmeros desafios de rentabilizar a arte digital, algo que começa agora a ser possível. “Como mecanismo, os NFT tornam possível atribuir valor à arte digital, o que abre portas a um mar de possibilidades para um meio que não é constrangido por limitações físicas”, explica Noah Davis, especialista em arte do pós-guerra e contemporânea da Christie’s.
Ao comprar-se um NFT, adquire-se os seus direitos de utilização, como o facto de poder colocá-lo como imagem de perfil, algo que algumas celebridades já estão a fazer, mas é principalmente o sentido de propriedade e exclusividade sobre a arte que define os NFT.
Tal como uma obra de arte física, os NFT também podem funcionar como um ativo cujo valor pode aumentar de um dia para o outro, e permitir ao seu proprietário vendê-lo e fazer lucro com isso. E enquanto alguns são completamente exclusivos, outros podem funcionar como cartas de Pokémon – existem algumas bastante comuns e outras muito raras, que têm mais valor -, que podem ser trocadas entre os utilizadores.
Celebridades, comunidades e funcionalidades para membros
É aqui que entram os “macacos aborrecidos” da Bored Ape Yacht Club. O website foi lançado em abril deste ano e conta com uma coleção de dez mil NFT sob a forma de macacos em estilo desenho animado. São todos diferentes – com expressões faciais, cor do pêlo, roupa e acessórios únicos – e há alguns mais raros e exclusivos do que outros. Podemos pensar neles como cartas colecionáveis, criadas a partir de um mesmo template, com inúmeras variações possíveis.
Na plataforma OpenSea é possível ver todos os macacos que se encontram disponíveis, comparar as suas características e comprá-los. Todos os NFT têm as suas propriedades catalogadas e é possível ver que percentagem de NTF partilha aquelas características – geralmente, qualquer característica que seja partilhada por menos de 1% dos avatares é considerada rara. Um dos traços mais cobiçados é o pêlo dourado, por exemplo – apenas 0.46% partilham esta característica, tornando-os bastante raros. E quanto mais raros, mais caros. Alguns dos mais raros já foram vendidos por valores como 3 milhões de dólares.
Os criadores definem-nos como “colecionáveis digitais únicos, que vivem na blockchain Ethereum”, o tipo de criptomoeda necessária para adquirir os NFTs. Adquirir um destes avatares funciona como uma adesão a um clube exclusivo que tem benefícios só para membros, que são desbloqueados à medida que se navega na plataforma.
Mas o que torna estes símios coloridos tão valiosos?
Em abril deste ano, quando a coleção foi criada, os dez mil avatares foram vendidos em menos de 24 horas, por cerca de 190 dólares cada um, e desde então os preços têm vindo a aumentar, com uma subida muito acentuada a partir do verão. Mas o que fez a coleção explodir foi uma combinação de três fatores: o envolvimento de celebridades ou influencers, as funcionalidades que são oferecidas aos membros e a força da comunidade que é criada à volta dos NFT.
O primeiro fator é talvez o mais fácil de explicar. Algumas celebridades já começaram a aderir à moda e isso leva outras pessoas a quererem aderir também. Alguns exemplos são o cantor Post Malone, que adquiriu dois bored apes que apareceram inclusivamente no videoclipe da música “One Right Now“, e o comediante e apresentador de televisão Jimmy Fallon, que recentemente adquiriu um por 145 mil dólares, usando-o como fotografia de perfil no Twitter, onde tem 50 milhões de seguidores. Isto originou um aumento nas vendas e, consequentemente, nos preços dos bores apes.
Relativamente às funcionalidades, a maioria dos projetos de NFT oferecem algum tipo de benefícios ou funcionalidades para os seus membros, sendo o mais comum a possibilidade de trocar ou vender os NFT em plataformas designadas, como a OpenSea, em que as transações funcionam como um leilão.
O BAYC também disponibilizou aos utilizadores uma nova funcionalidade, o Bored Ape Kennel Club, que permite aos membros “adotar” um cão com traços semelhantes aos do avatar escolhido. Em agosto, passaram também a estar disponíveis frascos de “sérum mutante” – que os membros podem usar para dar ao seu macaco uma aparência semelhante a um zombie, criando um NFT completamente novo. E tudo isto por valores muito altos: os preços base para estas funcionalidades são à volta de 14 mil e 26 mil dólares, respetivamente.
Mas a funcionalidade mais excitante é, possivelmente, um jogo digital que vai ser lançado em breve, exclusivo para membros, e que só vai estar disponível durante dez dias. Os utilizadores poderão utilizar o seu avatar como ícone no jogo e competir por prémios com os restantes membros.
Este jogo, juntamente com outras funcionalidades, contribui para aquele que é provavelmente o maior fator de sucesso do BAYC: o sentido de uma comunidade. Não é novidade nenhuma que muitas comunidades são formadas à volta de algo em comum que as pessoas possuem, criando uma espécie de fronteira entre aqueles que fazem parte do clube e os que não fazem. A revista norte-americana The New Yorker chama a estes clubes de avatares “uma estranha combinação de comunidade online fechada, grupo de acionistas e sociedade de apreciação de arte”.
Quando um utilizador muda a sua imagem de perfil do Twitter, por exemplo, para um NTF, é um sinal de pertença a uma determinada comunidade e um convite a que outros membros da comunidade façam o mesmo – e o sigam nessa rede social. Grande parte dos membros reúne-se depois em salas de chat na aplicação Discord, e até já houve encontros para membros na “vida real”.
Recentemente, foram organizados encontros entre membros da comunidade em Nova Iorque e na Califórnia, nos EUA, mas também em Hong Kong e no Reino Unido. Houve mesmo um fim-de-semana organizado em Nova Iorque em que os detentores dos NTF se vestiram de forma a imitar as características dos seus avatares e puderam desfrutar de um concerto com aparições de Chris Rock, Aziz Ansari e da banda The Strokes.
Em resumo, adquirir um destes NFT não é apenas deter direitos sobre uma imagem na Internet, mas é um símbolo de status e um verdadeiro bilhete para uma comunidade e para um estilo de vida. “O investimento mútuo, tanto social como financeiro, forma uma espécie de vínculo entre os membros do clube dentro do ambiente muito mais amplo da Internet”, escreve Kyle Chayka no The New Yorker.