Esta corrida de fundo dura três meses, mas tem a vantagem de nem ser preciso calçar ténis ou ter boa preparação física. Para se participar na maratona de cartas, só há que convocar a consciência e a preocupação com os direitos humanos.
Há 20 anos que a Amnistia Internacional organiza esta prova, chamemos-lhe assim, sempre num crescendo de importância, duração e número de pessoas envolvidas. Neste momento, é considerado o maior acontecimento de ativismo a nível global.
Entre novembro e janeiro, a organização envolverá milhões de pessoas em todo o mundo, desafiando-as a assinarem petições e escreverem mensagens de solidariedade para trazer justiça a pessoas em risco. Em 2020, reuniram-se mais de 128 mil assinaturas em Portugal e ultrapassaram-se as 4,5 milhões em todo o mundo. Para fazer parte deste movimento global, apoiando os casos deste ano, basta ir ao site da secção portuguesa da Amnistia Internacional e assinar – todo o processo é 100% digital. Este ano, Portugal gostava de atingir as 200 mil assinaturas.
Para assinalar o primeiro momento desta edição, a Amnistia Internacional Portugal projetou nas paredes da cidade imagens dos casos da Maratona 2021, num trajeto entre as várias embaixadas dos países que continuam a violar os direitos humanos destas pessoas, como é o caso da China, dos EUA e de Israel. Da ação, fez-se um vídeo que circula pelas redes sociais.
“Quisemos colocar holofotes nos casos que estes países têm tentado esconder, projetando-os para que sejam vistos e recordados, pois são representativos da forma como as autoridades continuam a desrespeitar os direitos humanos – quer destes defensores de direitos humanos e pessoas em risco, quer de milhares de outras pessoas que se encontram em situações similares”, referiu Paulo Fontes, diretor de comunicação e campanhas da Amnistia Internacional Portugal.
Além deste acontecimento inaugural, existem outros pequenos eventos para alimentar a campanha e multiplicar assinaturas ao longo dos três meses, como ações concretas com escolas, universidades, empresas, associações.
Cada caso é um caso
Na vigésima Maratona de Cartas, a Amnistia Internacional Portugal foca-se em cinco dos 10 casos selecionados a nível mundial. “Queremos fazer a mudança acontecer e por isso escolhemos as pessoas com quem os portugueses podem ter mais afinidade a ponto de se envolverem”, nota Paulo Fontes. Eis as suas histórias:
Bernardo Caal Xol
É professor, líder sindical e defensor dos direitos ambientais e dos direitos dos povos índígenas na Guatemala. Deseja empoderar a comunidade indígena Maia Q’eqchi e proteger as terras e as reservas naturais de pilhagens e perda de biodiversidade.
As suas ações pacíficas para proteger a natureza valeram-lhe difamações e uma condenação a mais de
sete anos de prisão em 2018, mesmo sem provas contra ele.
Janna Jihad
É uma jovem ativista e jornalista de 15 anos. Em Nabi Saleh, pequena aldeia palestiniana localizada na Cisjordânia ocupada, ela mostra ao mundo as violações de direitos humanos pelas autoridades israelitas através de fotografias e vídeos.
Há dois anos, Janna tornou-se na mais jovem jornalista palestiniana com carteira profissional. Mas nem isso a defende de ser constantemente ameaçada e de ver o seu direito à liberdade de expressão, à liberdade de reunião pacífica e à educação sob risco contínuo. Como se trata de uma criança e ativista, pode sofrer maus tratos, castigos coletivos, torturas ou criminalização em tribunais militares.
Zhang Zhan
A antiga advogada e atual jornalista viajou para Wuhan, na China, em fevereiro de 2020. Nas redes sociais denunciou a detenção de jornalistas independentes e a perseguição de familiares de pacientes com Covid-19 por parte do governo.
Os cidadãos jornalistas, como Zhang, enfrentam perseguições por exporem informação que as autoridades chinesas querem esconder. Ela desapareceu a 14 de maio de 2020 em Wuhan e soube-se mais tarde que tinha sido detida em Xangai. No mês seguinte, iniciou uma greve de fome, mas obrigaram-na a alimentar-se à força, contra a sua vontade, algemando-a nas pernas e nas mãos até dezembro. A 31 de julho deste ano, foi internada no hospital com uma grave desnutrição. Neste momento, continua presa e em greve de fome parcial.
Ciham Ali
Nasceu em Los Angeles, nos EUA, em 1997, mas foi criada na Eritreia, em África. Em dezembro de 2012, com apenas 15 anos, foi presa pelas autoridades na fronteira com o Sudão, quando tentava fugir do país (o seu pai, Ali Abdu, um dos ministros do governo do Presidente Isaias Afwerki, desertou e fugiu para o exílio).
Nove anos depois, Ciham Ali continua detida sem nunca ter sido julgada ou acusada ou sequer ter visto
a família. Ao abrigo do direito internacional, este caso equivale a um desaparecimento forçado.
Mikita Zalatarou
Este jovem de 17 anos foi detido, agredido e preso, numa manifestação na Bielorrússia. Apesar da falta de provas, acusaram-no de ter atacado a polícia e condenaram-o a cinco anos de prisão, aonde se encontra em regime de isolamento. Durante a investigação, as autoridades ignoraram o direito de Mikita a um julgamento justo e violaram o direito de não ser sujeito a tortura, pois ele foi espancado no momento de detenção e também na prisão. Acresce que os agentes da polícia o interrogaram sem a presença de um advogado ou de um adulto responsável.
No final desta vigésima corrida, as assinaturas são enviadas às autoridades capazes de fazer a mudança em cada um dos casos, A história desta maratona é feita de sucesso. A maioria das pessoas que é objeto das petições de apoio, sabe que o é. E desde logo vê a sua vida mudar para melhor. O projeto conta já com inúmeras vitórias, como o caso de Moses Akatugba que esteve no corredor da morte, na Nigéria, por um crime que não cometeu. Aos 16 anos, foi condenado, preso e torturado para assinar uma confissão pelo roubo de três telemóveis. Em maio de 2015, com 26 anos, recebeu um perdão total do governador do estado nigeriano do Delta do Níger.
Também se pode recordar o caso das crianças albinas no Malawi, que são perseguidas porque se acredita que os seus ossos e cabelo têm poderes mágicos, representadas numa maratona por Annie Alfred. Depois de entregues as assinaturas, conseguiu-se que se criassem leis de proteção à perseguição e morte dos jovens e essa prática passou a ser considerada crime.