Quem já tenha passado algum tempo na rede social TikTok sabe que por lá se encontram truques e dicas para facilitar todas as tarefas do dia-a-dia. Alguns destes “life hacks” podem, efetivamente, resultar, mas outras não têm qualquer fundamento. A última moda é a “água de alface” para ajudar a adormecer e a dormir melhor.
Em maio, uma mulher de 21 anos publicou um vídeo em que explica o processo. Basta colocar algumas folhas de alface numa caneca, cobrir com água a ferver como se fosse um chá (a mulher juntou um saquinho de chá de menta, para dar sabor), esperar dez minutos, no fim beber a água. Alegadamente, o resultado é uma noite de sono ininterrupta com um adormecer rápido.
Com a hashtag #lettucewater inúmeros utilizadores publicam vídeos em que preparam o “chá”, o bebem e anunciam em seguida começarem a sentir-se sonolentos. “Estou na cama há 20 minutos e começo a sentir os meus olhos muito pesados”, diz um utilizador. “Normalmente vou para a cama às três, quatro da manhã, isto é uma loucura”. Um outro garante que a infusão o fez dormir durante nove horas seguidas, quando normalmente acorda várias vezes por noite.
No entanto, médicos e especialistas do sono estão céticos quanto a este método. “Isto é uma coisa bastante fácil de fazer, e inofensiva”, afirma Michelle Drerup, diretora do programa de medicina comportamental do sono no Centro de Distúrbios do Sono da Clínica Cleveland. “Mas infelizmente, não tem qualquer evidência científica por trás”.
Falta de evidência científica
Não existem estudos científicos que comprovem que a infusão de folhas de alface possa induzir o sono ou melhorar a sua qualidade. No entanto, devido a vários fatores, é possível perceber o porquê de tantas pessoas acreditarem que ajude.
Em primeiro lugar, a alface tem sido usada na medicina natural como um sedativo durante séculos. No século XIX, a alface – e especialmente o lactucário, um líquido leitoso obtido a partir de alguns tipos de alfaces selvagens – era utilizado como um sedativo e analgésico. Os efeitos do lactucário eram semelhantes aos do ópio, mas mais fracos, e sem os efeitos secundários – o que lhe valeu a alcunha de “ópio de alface”.
Uma investigação bastante mais recente também pode ter alguma coisa a ver com o assunto. O estudo, de 2017, analisou o efeito da administração de extratos de alface em ratos, e produziu algumas conclusões que podem suportar a moda da água de alface. No entanto, o estudo consistiu na administração do extrato de alface em conjunto com um sedativo, o pentobarbital. Os cientistas pretendiam apenas saber até que ponto o extrato de alface influenciava a duração do sono previamente induzido pelo pentobarbital, e descobriram, de facto, que o extrato de alface tinha “reduzido significativamente a latência do sono (a quantidade de tempo que se demora a adormecer) e aumentou a duração do sono”.
De acordo com Drerup, o estudo tem várias limitações, nomeadamente o facto de os cientistas terem administrado um sedativo em conjunto com o extrato de alface. Além disso, os ratos que não adormeceram ao fim de 15 minutos foram excluídos da experiência. Além de que o extrato de alface, produzido a partir da sua pulverização, é bastante diferente em composição do que a água que os utilizadores do TikTok estão a beber.
Também têm surgido vídeos na rede social em que alguns utilizadores procuram desmistificar o mistério da água de alface. É o caso de um publicado por Karl Kruszelnicki, conhecido como “Dr. Karl”, um comentador de ciência na rádio e televisão australiana, e autor de vários livros científicos. No vídeo, Kruszelnicki esclarece o processo do estudo de 2017 e confirma que “não há qualquer evidência científica que sugira que a água de alface ajude os seres humanos a dormir melhor”.
Num outro vídeo, a dietista que dá pelo nome de utilizador “nutritionbykylie“, explica que a alface contém de facto lactucário, que funciona como um sedativo, acrescentando que “a quantidade ingerimos com um copo da água de alface é tão pequena, que não faria qualquer diferença”. “Em vez de beber isto, será melhor otimizar a higiene do sono, tirar 30 minutos para relaxar antes de dormir, e sair do TikTok quando é suposto estarmos a dormir”, continua.
Drerup confirma: mesmo que houvesse um componente sedativo nas alfaces comuns que compramos no supermercado – o lactucário encontra-se apenas em alguns tipos de alface – ferver algumas folhas de alface não iria libertar uma quantidade suficiente para ter algum efeito no sono. “Teríamos de ingerir uma quantidade enorme”, assegura.
Então, porque será que tantas pessoas parecem acreditar nos efeitos milagrosos da água de alface? A resposta pode estar no efeito placebo. Se estamos convencidos que beber uma chávena de água de alface – ou outra coisa qualquer – nos vai ajudar a dormir, o nosso corpo vai responder em conformidade. Vários estudos já confirmaram os impactos psicológicos do efeito placebo: pessoas que sofriam de insónias e que tomaram medicamentos com efeito placebo disseram ter dormido melhor do que aqueles que não receberam qualquer tratamento.
Além disso, estabelecer uma rotina fixa antes de deitar pode ajudar a ‘preparar’ o corpo e o cérebro para dormir, deixando-nos mais relaxados – seja isso beber uma chávena de água de alface, ou outra coisa qualquer.
Embora a água de alface não pareça ter efeitos negativos na saúde, também é pouco provável que nos ajude, por si só, a ter uma noite descansada. Alguns hábitos positivos que ajudam a ter um sono de melhor qualidade são, por exemplo, manter uma hora de deitar consistente todos os dias, evitar demasiada exposição a ecrãs à noite e preferir outras atividades, como ler um livro, e evitar consumir álcool e cafeína perto da hora de dormir.
Para quem procura uma alternativa natural para melhorar a qualidade do sono, algumas opções cientificamente comprovadas são o sumo de cerejas ácidas, alimentos ou suplementos com magnésio, chá de camomila ou valeriana.