A história de Noah, o bebé de dois anos e meio que esteve perdido em Proença-a-Velha durante mais de 35 horas, emocionou o País. Mas há um detalhe digno de nota na vida deste bebé-herói que sobreviveu sozinho longas horas. Se a rebeldia e o espírito aventureiro forem genéticos, Noah trá-los no sangue: a criança é bisneta do escritor boxeur, revolucionário, aristocrata e boémio Nuno Bragança. A mãe de Noah, Rita Caupers de Bragança, é filha de Manuel Luís Caupers de Bragança, um dos filhos do famoso escritor português.
Nuno Bragança, nascido em 1929 numa família da alta aristocracia portuguesa – a casa de Lafões, descendente do rei D. Pedro. II e familiar dos atuais duques de Bragança –, foi uma figura carismática da cultura portuguesa que cedo manifestou o espírito rebelde.
Pertencente a uma geração de católicos progressistas e reformistas, foi co-fundador em 1963 da revista “O Tempo e o Modo” com Alçada Baptista, João Bénard da Costa, Pedro Tamen, Alberto Vaz da Silva e Mário Murteira.
“A Noite e o Riso”, lançado em 1969, foi uma das suas obras mais famosas pelo arrojo que trazia na sua escrita – fala de uma cidade de gangsters e boxeurs, desporto que também praticava –, seguiram-se “Directa” (1977) e ‘Square Tolstoi’ (1981). Visto como um aventureiro e experimentador da língua, deixou uma marca para a história como argumentista de “Os Verdes Anos”, um dos melhores filmes portugueses do século passado, realizado por Paulo Rocha.
Com Gérard Castello Lopes, assina mais tarde o documentário de crítica social “Nacionalidade Português”, que tratou o tema da emigração portuguesa.
Nuno Bragança era contraditório, mordaz, irónico, rebelde, inconformado, anarquista
Contraditório, mordaz, irónico, rebelde, inconformado, anarquista, o crítico literário Manuel Gusmão vê-o como “um dos grandes narradores da segunda metade do século na Europa”, como disse ao Público.
De esquerda, estudou direito, foi militante no MAR (Movimento de Ação Revolucionária), era próximo de Manuel Alegre, com quem conspirou contra o regime e acabou por juntar-se às Brigadas Revolucionárias de Carlos Antunes e Isabel do Carmo.
Depois da revolução do 25 de Abril, Nuno Bragança junta-se à equipa do teatro “A Comuna”, onde conhece a sua segunda mulher, a atriz Madalena Pestana, com quem casa em 1975 e foi colaborador do “Jornal de Letras”.
Morreu em 1985 com apenas 55 anos, depois de ter sofrido décadas de depressão e de dependência de álcool. Em 1998 foi agraciado a título póstumo com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. Em 2008 João Pinto Nogueira dedicou o documentário “U Omãi Qe Dava Pulus” ao escritor e em 2009 a D. Quixote coligiu a sua obra no livro “Obra Completa. 1969-1985“.
Rita Caupers de Bragança, mãe de Noah, viajou pelo mundo numa carrinha movida a óleo alimentar usado, projeto a que chamou Green Brick Road Project, e acabou por trocar a cidade pelo meio rural em 2017, quando se mudou para Proença-a-Velha.