A temperatura média do corpo humano tem vindo a diminuir ao longo dos anos. Esta é a principal conclusão de um estudo americano intitulado “A rápida descida de temperatura em populações tropicais”, publicado na revista científica Science Advances, em outubro. O acesso generalizado a serviços de saúde, antibióticos, anti-inflamatórios, higiene básica e sistemas de controlo da temperatura do ar (como aquecedores e ares condicionados) foram algumas das hipóteses testadas pelos cientistas – que cruzaram dados de populações indígenas da Amazónia boliviana com registos de cidadãos americanos.
A temperatura média de um adulto saudável foi estabelecida pela primeira vez por Carl Wunderlich em 1851. De acordo as medições realizadas pelo físico alemão, 37 graus era a temperatura mais comum observada no ser humano. Desde aí, o valor tem sido discutido pela comunidade científica que aponta a temperatura padrão para os 36,5 graus centígrados. Contudo, até ao momento, nenhum estudo tinha comparado este fenómeno em populações com diferentes níveis de desenvolvimento.
“Em menos de duas décadas, assistimos ao mesmo nível de declínio observado nos EUA ao longo de dois séculos”, esclarece Michael Gurven – um antropólogo da Universidade de Santa Bárbara que dedicou os últimos 16 anos a medir a temperatura a mais de 5 500 adultos – fazendo referência à rápida descida anual de 0,09 graus centígrados, observada em populações indígenas.
Com a amostra da Amazónia boliviana a rondar 36,5 graus de temperatura corporal, os valores parecem encaixar perfeitamente com dois estudos recentes sobre o tema – um inglês (2017) e outro americano (2019) – que estabelecem a temperatura padrão do ser humano em 36,6 e 36,5 graus centígrados, respetivamente.
Mas como é possível que as descidas de temperatura afetem igualmente americanos e populações indígenas? Os dados recolhidos pela pesquisa liderada por Gurven introduzem algumas possibilidades.
“As descidas podem dever-se à generalização dos cuidados de saúde e a taxas mais baixas de infeções menos graves e persistentes, em comparação com o passado”, explicou Gurven. “Mas, embora a saúde tenha melhorado ao longo das últimas duas décadas, as infeções ainda são comuns na Bolívia rural. Os nossos resultados sugerem que a redução das infeções por si só não explica a diminuição da temperatura corporal observada.”
A segunda hipótese testada pela equipa da Universidade de Santa Bárbara é a crescente qualidade de vida e o acesso generalizado a antibióticos e outros tratamentos que minimizam a gravidade e a duração das doenças. Consistente com este argumento, Gruven esclareceu que “sofrer de uma infeção respiratória no início do estudo significaria ter uma temperatura corporal superior à registada no momento” – como consequência do uso de anti-inflamatórios que reduzem esse sintoma.
“Outra possibilidade é que os nossos corpos não têm de ‘trabalhar’ tanto para regular a temperatura interna por causa do ar condicionado no verão e do aquecimento no inverno”, disse Kraft. ” O povo Tsimane ainda não utiliza tecnologias avançadas para regular a temperatura corporal. As populações usam essencialmente vestuário e cobertores [para se adaptar ao clima]”.
Embora não faltem fatores para explicar a descida progressiva da temperatura no ser humano, Gruyen acredita que este fenómeno não se deve a um só motivo. “É provavelmente uma combinação de fatores – sendo que todos apontam para uma melhoria das condições de vida.”