Amy de Schutter está na casa dos 30 e sofre de depressão desde os 12. A adolescência foi passada em instituições psiquiátricas e hospitais, depois de várias tentativas de suicídio. Há quatro anos, depois de ser diagnosticada com autismo, o governo belga concedeu-lhe o direito à eutanásia. Em entrevista à SkyNews, explica que ficou “muito feliz” com a decisão, para a qual não tem data prevista: “Não quero morrer, mas não quero viver assim.”
A sofrer há duas décadas com uma depressão “insuportável” causada por “traumas extremos da infância”, impossível de ultrapassar, Amy de Schutter garante que luta pela vida todos os dias: “A minha medicação já mudou tantas vezes, nós tentámos e tentámos. Há sempre caos na minha cabeça e eu não consigo encontrar paz de espírito. Nunca para”. A decisão da investigadora na área da física, com um livro publicado, é um alívio, diz. “Era muito importante eu ser capaz de decidir e que as pessoas pudessem dizer: ‘Nós percebemos a tua dor e como é importante para ti'”, disse à televisão britânica.
“Percebo que seja um paradoxo”, diz Amy à cadeia de televisão. “Na verdade, salvou-me a vida, porque a partir daí [da autorização para ter uma morte assistida] sabia que podia decidir se queria ou não continuar a viver.”
A Bélgica foi o segundo país no mundo a legalizar a eutanásia, em setembro de 2002, depois da Holanda, em abril do mesmo ano. A lei belga diz que uma pessoa pode pedir a morte voluntariamente, sem influência externa, e só é elegível se estiver em sofrimento – físico ou psicológico – insuportável e irreversível. É o único país no mundo que não estabelece limite de idade para a morte por pedido.
Em Portugal, uma proposta de lei sobre a eutanásia não passou no parlamento por cinco votos, em 2018, mas em fevereiro deste ano – antes de a Covid-19 se instalar no País – as cinco propostas de lei apresentadas pelo PS, o BE, o PAN, os Verdes e a Iniciativa Liberal foram aprovadas na generalidade com uma maioria confortável.
Os diplomas preveem que pessoas maiores de 18 anos, em situação de sofrimento e doença incurável, sem doenças mentais, possam, através de um médico, pedir a morte medicamente assistida.
A conclusão da lei foi adiada para setembro, ainda sem data marcada. Depois da criação do texto conjunto (o chamado texto de substituição) das cinco propostas, a cargo da deputada do PS Isabel Moreira, o projeto será votado na especialidade, na comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, remetido ao parlamento para uma votação final e depois enviado para o Presidente da República, que, se não promulgar a lei, pode vetá-la ou enviá-la ao Tribunal Constitucional.
Em junho, a Federação Pela Vida entregou ao presidente da Assembleia da República uma iniciativa popular de referendo com mais de 95 mil assinaturas, que terá que ser discutida pelos deputados. Na altura da votação das propostas de lei da eutanásia, o BE e o PS opuseram-se à consulta pública. O referendo é apoiado pelo PSD, o CDS e o Chega, e o PCP é simultaneamente contra o referendo e a eutanásia.
Se a eutanásia for despenalizada, a par de Espanha – que também deu o primeiro passo para a lei em fevereiro -, Portugal será o 12º país a aprovar a morte assistida.
O tema levanta questões morais e divide profissionais de saúde, doentes e familiares. Do lado de quem escolhe morrer, Amy de Schutter apela para que “não julguem quem pede por isto” e, grata por viver num país que permitiu o seu pedido, deixa uma questão aos países que penalizam a eutanásia: “Temos de nos perguntar se estamos mesmo a ajudar as pessoas ou só a deixá-las sofrer.”