Nos últimos anos, os padrões dos tecidos africanos, exóticos e distintos, têm sido apropriados por estilistas internacionais, surgindo em coleções inteiras que lhes são dedicadas. O cenário repete-se por terras lusitanas, onde a tendência se espelha nas ruas e nas casas de quem é fã – de agora ou de sempre – deste pano secular.
A capulana é um nome moçambicano que se disseminou pelo mundo fora. Em Zanzibar, este tipo de panos chama-se “kanga” e em Madagáscar, “lamba”. No Norte de Angola, são conhecidos como “panos do Congo”. E a sua estética vai variando. A Norte de Moçambique, as cores características são as mais vivas, como o rosa, o amarelo, o vermelho e o lilás, enquanto a Sul se usam cores mais sóbrias, como o castanho, o verde-escuro e o bege.
Este tecido retangular em algodão é estampado em toda a sua superfície e impresso nos dois lados. Tradicionalmente, tem uma moldura e um motivo centrais. “Os motivos são geométricos e florais, mas alguns motivos animais, como pássaros, também são usados”, diz Sofia Vilarinho, responsável pelo Atelier Alfaiates Africanos, um projeto que tem como objetivo dar emprego digno a alfaiates africanos que pretendem estabelecer-se em Portugal.
Sofia, que é designer de moda especializada em capulanas, acredita que o que está a impulsionar esta nova tendência é a sua potencialidade para a modernidade e a sua versatilidade. “Os padrões evoluem com a sociedade, porque cada um tem o seu jeito de amarrar o pano e porque passaram a fazer-se vestidos, calças e saias, malas, toalhas de praias” e outros a partir dele.
“Nos últimos três anos, houve um aumento significativo da procura por capulanas. O público em geral está mais atento à cultura africana em todas as suas vertentes: música, gastronomia, moda… Para as marcas e os artistas africanos, é uma grande oportunidade para mostrar o nosso potencial”, afirma Roselyn Silva, designer e dona de um atelier com o seu nome.
Quem trabalha com capulanas concorda que ainda há espaço para o seu crescimento em Portugal. O Movimento “Vidas Negras Importam” pode estar a contribuir para isso. “A moda acompanha a História e a História acompanha a moda. É um casamento longo”, declara Mariama Barbosa, apresentadora do programa Tesouras e Tesouros, na SIC Caras.
Símbolo de distinção
Quem trabalha na indústria adapta-se aos tempos que vivemos. “Por querer tudo perfeito, desperdiçava muito tecido no atelier, porque o desenho tinha de casar bem. Quando comecei a fazer máscaras comunitárias, reutilizei esses retalhos e restos de tecido, e tem sido um sucesso”, diz Roselyn Silva. A designer ocupa-se, tradicionalmente, de roupas em tecido africano usadas com glamour, o que já levou uma das suas criações para a passadeira vermelha dos Globos de Ouro, em 2015, vestida por Leonor Poeiras.
Também a Oficina das Mamãs, gerida pela Associação Voluntária de Mães e Crianças Carenciadas, alargou o seu âmbito com a pandemia. Com cerca de 90 trabalhadoras, a oficina dedica-se à venda de peças de capulana. Numa tentativa de se diferenciar, produz sobretudo artigos para o lar e, agora, máscaras. Paula Brito, fundadora do projeto, fala de um aumento da procura nos últimos dois anos. Um bom sinal, pois “a receita das vendas reverte para as 90 famílias envolvidas [em Moçambique]”, anuncia.
Este têxtil está intrinsecamente ligado ao continente africano e resultará das trocas comerciais com árabes e persas. A partir do século XIX, foram os holandeses, inspirados nos tecidos das suas colónias na Indonésia, que começaram a produzi-los e a exportá-los para África. “As ligações estreitas com a Índia ajudaram no conhecimento e na produção de estampados em wax print”, e o recurso a desenhadores africanos permitiu-lhes criar ilustrações e figuras que agradassem à população, conta Sofia Vilarinho.
Os panos estampados eram sofisticados e, por isso, símbolos de poder. O seu uso estava reservado à elite africana, que os usava sobretudo em momentos de festa. Os escravos, sem voz, usavam panos brancos e lisos. “Havia afirmação social através dos panos, e isso ainda hoje tem influência na imagem que temos deles e no desejo de os ter”, revela Mariana Pimenta, fundadora da página do Facebook “Capulana With Love”.
Roselyn Silva, nascida em São Tomé e Príncipe, diz que a capulana é “uma tradição de África e, por isso, faz-nos lembrar calor, alegria e Natureza. Ao vestir um tecido africano, as roupas transportam-nos para esse mundo cheio de vida”. “Muitos clientes ficam rendidos por causa disso: as capulanas influenciam o nosso ânimo, e o semblante muda completamente”, conta a designer. E, assegura, mesmo quem nunca tenha usado o tecido antes fica imediatamente rendido. É uma questão de experimentar.