Foi a 28 de junho de 1970 que se realizou a primeira Marcha do Orgulho, naquele que ficou conhecido como o Christopher Street Liberation Day (em português, Dia da Libertação de Rua de Christopher).
Um ano antes, no Stonewall Inn, um bar gay localizado na Christopher Street em Nova Iorque, uma rotina policial transformou-se num exercício de violência contra quem se encontrava no bar. Um objeto enigmático (muitos afirmaram ter sido um tijolo) espoletou aquele que viria a ser um dos momentos de viragem na luta pelos direitos da comunidade LGBT+.
Neste momento histórico, que ficou conhecido como a Revolta de Stonewall, houve confrontos que duraram seis dias, em que clientes do bar e moradores da área decidiram manifestar-se contra as práticas policiais que espelhavam um sistema homofóbico e violento. Estes bares eram, na altura, vistos como refúgios para a comunidade LGBT+, que não se podia expressar abertamente, já que as demonstrações de afeto entre pessoas do mesmo género eram ilegais.
A chama estava acesa e com ela a oportunidade de surgir uma mudança, que não aconteceria se as ações contra a homofobia continuassem a ser tão passivas como haviam sido até à data.
A maior ação era a Annual Reminder, organizada pela Mattachine Society, que decorria em Philadelphia a 4 de julho, o Dia da Independência dos EUA, em frente ao Independence Hall. Esta era uma marcha silenciosa onde um pequeno número de pessoas da comunidade se vestia de maneira “respeitável” (era obrigatório o uso de vestidos pelas mulheres e fato e gravata pelos homens) de maneira a causar uma boa impressão.
Era evidente a necessidade de uma demonstração com um maior impacto. Começaram então os esforços para organizar aquela que viria ser a Primeira Marcha do Orgulho. Esta serviria para celebrar a Revolta de Stonewall e, ao contrário do que se tinha verificado até ao momento, não iam existir restrições quanto à idade dos participantes nem impor um dress code.
Brenda Howard, conhecida como a mãe do Pride pela sua dedicação à organização do evento, e outras figuras de vários grupos de direitos LGBT+, reuniam-se na Oscar Wilde Bookshop, livraria de Craig Rodwell, que se tornou num ponto de encontro do comité, onde eram discutidos todos os detalhes. Qual seria o percurso? Qual a duração do evento?
Após meses de preparação, chegou o dia. A música alta e os espetáculos de dança que dão vida às marchas de atualmente não estavam presentes em 1970. Aquele era apenas um teste. Realizaram-se três marchas: uma em São Francisco, outra em Los Angeles e, a mais conhecida, em Nova Iorque.
50 anos depois, as marchas continuam, agora com milhares de bandeiras que cobrem as ruas numa explosão de cores. Vários países celebram, durante o mês de junho, reconhecido como o mês do Orgulho, o amor e a paixão, mas não só. Este mês serve para relembrar aqueles que lutaram e lutam pelo direito à liberdade, numa guerra que ainda não está terminada.
Em 70 países das Nações Unidas, relações entre pessoas do mesmo sexo continuam a ser crime. Em 1986, Portugal legalizou a homossexualidade (pela segunda vez) e em 2010 legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Celebrar o Orgulho em Casa
A pandemia da Covid-19 obrigou a que a festa, este ano, seja dentro de casa, mas existem vários eventos organizados por todo o mundo, numa oportunidade além-fronteiras de unir a comunidade LGBT+.
Um deles é o Global Pride 2020 em que, durante 24 horas, vários artistas como Elton John, Rita Ora, Kesha, Adam Lambert e Peaches, e figuras políticas como o Primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau vão mostrar que amor é amor, independentemente da orientação sexual de cada um.
Este ano, a associação responsável pelo Arraial Lisboa Pride, o evento que, desde 1997, cobre a Praça do Comércio de vibrantes cores e sons, viu-se obrigada a cancelar a 24ª edição daquele que é o maior evento de visibilidade e orgulho LGBT+ do país.
Ana Aresta, Presidente da Direção da ILGA Portugal, diz que “a decisão de não realizar o evento este ano foi acompanhada de um sentimento de profunda tristeza, que sabemos ser partilhado pelas mais de 75.000 pessoas que também se celebram no Arraial Lisboa Pride.” No entanto, reconhece que a realização do mesmo seria irresponsável do ponto de vista da sustentabilidade organizacional e saúde pública.
Numa altura em que movimentos populistas e ideologias que contrariam os direitos da comunidade LGBT+ começam a ganhar cada vez mais terreno, torna-se crucial salientar a importância do combate à discriminação quanto à orientação sexual. O confinamento imposto devido à pandemia, que levou a uma convivência inevitável entre familiares, provocou situações de maior silenciamento, exponenciou questões de saúde mental e fez aumentar casos de violência intrafamiliar e na intimidade. Indivíduos LGBT+ “acabaram por ser remetidos para silêncios e invisibilidades que são muito próximos de contextos de discriminação nos quais já viveram ou ainda vivem (…) Mais do que nunca, eventos como o Arraial Lisboa Pride ou as Marchas do Orgulho LGBTI por todo país são relevantes.”
O Lux e ILGA (que desenvolveram uma ligação graças ao artista plástico Vasco Araújo), criaram uma iniciativa com o nome “Fazes por aqui?”, que terá uma transmissão em direto nas páginas de Facebook do Lux e da ILGA Portugal. Das 19h às 22h30, vai poder ouvir-se a música da Chima Hiro, varela e House Of Frágil: Dexter & José Acid, com participação especial da Piny e André Cabral.
Se nos Estados Unidos da América se marcha desde 1970, em Portugal marcha-se desde 2000. A Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa celebra este ano duas décadas, sem a possibilidade de se descer a Avenida da Liberdade. No Facebook da iniciativa, palavras de apoio e determinação vêm atenuar o desânimo trazido pela impossibilidade de sair à rua. “Marchar é fazermo-nos ouvir. É ocupar o espaço público. É ajudar a comunidade. É lutar por mais direitos e para não perder os já conquistados. É celebrar quem somos e a nossa diversidade. É ouvir outras comunidades e também compreender a intersecção de opressões. É refutar o binarismo e a norma. É trabalho duro, o ano inteiro.”