O teletrabalho veio para ficar?
As multinacionais de serviços perceberam que, afinal, os funcionários não são uns malandros e que até cumprem as suas tarefas. Além do mais, os níveis de desempenho não baixaram, antes pelo contrário – as empresas fazem as contas e verificam que assim rende mais. A socialização no local de trabalho passa então para todas aquelas plataformas que se tornaram óbvias para nós. E podemos ganhar qualidade de vida, ao não perdermos horas no trânsito, nem estarmos com aquele colega de quem não se gosta.
E como isso se conjuga com o ensino à distância, que também parece ter vindo para ficar?
A nossa sala passou a ser um open space, onde estamos em cowork com o resto da família. Em cima disso, há a telescola e as aulas virtuais – muitos colégios querem manter o mesmo horário de antes. Os adultos vão precisar de uma autoridade que tutele a segurança no trabalho, pois não conseguem ser professores e pais ao mesmo tempo e, por isso, sentem que estão a falhar em todas as áreas, pois não são multifunções. O que lhes estão a exigir fica ao nível do absurdo, não é humanamente possível. Às tantas, os níveis de stresse são muito maiores do que estar numa fila de trânsito ou a aturar um chefe chato. No final disto tudo, só vão existir declarações de amor à escola e um enorme respeito pelos professores – eles é que estarão no quadro de honra (e os pais no de mérito).
As crianças estão mesmo a aprender ou isto é só para as entreter? Nem considero aceitável que se fale em avaliações neste contexto, porque o máximo que se pode aferir é se a criança tem familiares que a auxiliem no estudo à distância. É impossível que se mantenha o caráter normal, quando estamos perante uma realidade profundamente desigual e nem estou a falar dos alunos com necessidades educativas especiais…
Quando será reposta a normalidade nas escolas? Só no primeiro período do próximo ano letivo, que ainda vai ser de adaptação depois de seis meses sem aulas, os alunos voltarão a ter rotinas, que só serão razoavelmente normais a partir de janeiro de 2021 e normais só mesmo depois da vacina. E entretanto, vamos andar todos preocupados e em cima deles.
De que forma isso pode afetar as crianças e as suas relações com os pais? Eles sabem que há um vírus por aí que pode matar os pais e isso é muito assustador. Então, alguns até parecem atinadinhos e colaborantes nas aulas e nas tarefas, mesmo quando são muitas. Acredita que o recorde até agora é de um professor que mandou 64 páginas de trabalhos aos seus alunos?
E quando os pais tiverem de sair para trabalhar e as escolas se mantiverem fechadas?
Os filhos vão ficar sozinhos, porque a economia está nos cuidados intensivos e os pais têm mesmo de se fazer à vida. Quanto mais isto avançar, mais estaremos cansados e os níveis de conflito irão sempre aumentar. É normal, as imagens idílicas daquelas famílias que vemos no Instagram não são verdade.
Como se sobrevive neste contexto, como família e como casal? O namoro também foi de quarentena, porque ninguém é de ferro e quando finalmente o casal se senta a ver uma série, cai cada um para o seu lado a dormir. Apesar de haver casos em que os pais estão finalmente a conhecer os filhos, as famílias não foram feitas para estarem 24 horas por dia debaixo do mesmo teto.