O meu nome é Filipa Valente e sou cardiologista em Barcelona. Aqui, a situação está muito complicada. Ainda não chegámos ao caos que nos descrevem em Itália, mas pode ser que amanhã, sem exagero, já seja exatamente igual. Os grandes hospitais estão cheios, já não existem enfermarias de especialidade. Aliás, é quase como se já não existissem médicos especialistas porque em breve estaremos todos mobilizados exclusivamente para tratar doentes com Covid-19.
O curioso é que fora do hospital, algumas pessoas – não a maioria, mas algumas – continuam a passear na rua como se estivessem de férias. Infelizmente, não há limites para a imaginação quando se quer furar a quarentena obrigatória. Por isso, quando me perguntam pelos erros que tenhamos cometido, nós, população, eu começo sempre por dizer que o primeiro erro é não termos acreditado na pandemia. Mas acreditem, porque o coronavírus já está aqui.
Ainda não chegámos ao caos que nos descrevem em Itália, mas pode ser que amanhã, sem exagero, já seja exatamente igual. Os grandes hospitais estão cheios, já não existem enfermarias de especialidade
É verdade que, como todas as doenças, atinge mais gravemente pessoas de
mais idade, mas também serão muitos os jovens e jovens adultos afetados.
Começam a não ser poucos os relatos de jovens polícias, médicos e enfermeiros
que não resistem à infeção. Todos estamos em risco de nos contagiar e todos
temos um potencial imenso para contagiar outros. Por isso, é indispensável
cumprir o isolamento social. Todos gostamos de sol, de ar livre e de desporto,
mas agora não é o momento de fazermos o que gostamos, agora é o momento de
fazermos o que é preciso fazer. E é ficar em casa. Fora de casa, no fundo, é
como se estivéssemos em guerra. E se estivessem a cair bombas, não iríamos
comprar pão fresco todos os dias. Por isso, sair de casa só uma vez por semana,
no máximo, para comprar comida e outras necessidades básicas, mantendo sempre
dois metros de distância das outras pessoas e evitando, sempre que possível, os
transportes públicos, onde é praticamente impossível manter essa distância de
segurança.
E como tem sido dito tantas vezes: lavar as mãos. Lavar as mãos com água e
sabão frequentemente, como sempre nos ensinaram.
Porque apesar das muitas e louváveis iniciativas para comprar ventiladores e outro material médico, a verdade é que não é possível, ou não será possível, adquiri-los em número suficiente se a maioria continuar a fazer uma vida normal ou quase normal. A responsabilidade não é só do Governo, é nossa. Temos acesso a toda a informação, vemos diariamente os números do crescimento exponencial da epidemia, temos de assumir a nossa responsabilidade individual.
E, por último, este é provavelmente o pior momento para visitar os nossos familiares e amigos mais idosos, seja em casa ou nos lares. E é sobretudo a eles que temos de tentar proteger. Temos a sorte de estar rodeados por muitos meios de comunicação, podemos e devemos abusar dos telefonemas e videochamadas. Todos precisamos de contacto humano e de sabermos que os outros estão bem, mas sempre sem sair de casa.
Acredito que ainda vamos a tempo de reduzir a magnitude desta pandemia. Vai ser uma luta longa, vai demorar, vai ser uma maratona, mas vamos conseguir. Obrigada e, como aqui não param de dizer, “cuidem-se muito!”