As pessoas não querem livros de autoajuda, mas aceitam quando lhes chamamos inspiradores. Procurar ajuda não é um sinal de saúde?
Sem dúvida, embora as pessoas resistam a faze-lo até estarem de rastos. Muitas vezes, andam stressadas e um bocadinho deprimidas, mas não têm consciência disso nem querem: acham que é normal e que faz parte da vida. Não tem de ser e hoje sabemos que há uma explicação biológica para o que nos acontece, a forma como nos afeta e como reagimos. Compreender o que nos acontece quando sentimos que está tudo mal começa por fazer com que nos sintamos aliviados. É bom saber como somos, aceitarmo-nos e ter consciência de que não podemos controlar tudo. Felicidade hoje é isto. Vivermos obcecados por esse controlo e por ser perfeito torna-nos o caminho muito mais difícil.
Está ligado ao facto de estarmos sempre ligados e a sentir o feedback dos outros?
Estamos a viver um período em que temos muita informação sobre tudo, mas nunca nos sentimos tão vulneráveis e tão receosos de estarmos a ser enganados. Torna-se um problema quando passa a ser a perspetiva dos outros que nos comanda, em vez de estarmos focados em nós e na nossa vida. É preciso ter um plano, um objetivo, um fim na vida. Se não tivermos nada para alcançar, nada por lutar, tudo perde sentido. Ficamos reféns das vontades dos outros. “A sorte é onde o saber e a oportunidade se encontram”, já dizia Séneca.
Ou seja, nós fazemos a nossa sorte porque nos preparamos para isso e aprendemos também a reconhecê-la…
É preciso saber olhar em volta e reconhecer o que procuramos. É como estar desperto para um determinado assunto. Acontece muito com as grávidas: quando se está à espera de bebé passa-se a reparar muito mais nas outras grávidas com que nos cruzamos. O cérebro acaba por nos revelar o que o coração deseja ou que o preocupa. Mas antes disso é preciso saber o que queremos, temos de sentir paixão por algo. Se tivermos a pessoa dos nossos sonhos à frente, mas não estivermos à sua procura não a vamos identificar. Acontece o mesmo com o emprego, o plano de estudos, a viagem…
Se a gratificação instantânea, que hoje temos pelas redes sociais, se não tiver um sentido, ainda alimenta mais a sensação de vazio?
O problema foi ter-se tornado uma adição. Sabemos hoje que as adições são feitas de prazer e de vazio e a nossa relação com a web é muitas vezes assim.
Podemos então considerar que o telemóvel, com a sua presença na nossa vida o tempo todo, tornou-se um obstáculo de peso à felicidade?
E cada vez mais. Vemos isso quando duas pessoas se encontram. Se uma tem o telemóvel à vista, este acaba por interromper o momento várias vezes. Os miúdos dão cada vez mais sinal disso. Já há quem relate que os filhos querem a sua companhia, mas sem o telemóvel ao lado. Porque mesmo quando brincamos com eles, aceitamos que temos de estar sempre contactáveis. A verdade é que não desligamos – e eles notam. A mensagem que passamos é que a verdadeira recompensa está do outro lado do telefone e não ali à nossa frente. O que lhes dizemos, indiretamente, é “estás aborrecido? Pega no telefone. Estás stressado? Pega no telefone…”. O primeiro grande impacto disto é termos uma sociedade cada vez menos tolerante à frustração. E isso torna muito mais difícil que alguma vez nos sintamos felizes.
Mas sabemos o que que nos faz feliz?
É o amor – da família e dos amigos – e o trabalho. Ou seja, o afeto e o propósito de vida. Ora nenhum destes é de gratificação instantânea. Muito pelo contrário. Há dias melhores, há outros piores. Se estamos sempre a dizer ao cérebro que pode ter o que quiser no momento, não alimentamos a nossa paciência. E sem paciência, sentimo-nos mais frustrados. E com isso infelizes.
O novo livro da psiquiatra espanhola Marian Rojas Estapé é a prova de que, em alguns casos, a psiquiatria está no sangue: o pai, Enrique Rojas, é o conceituado psiquiatra espanhol que, em entrevista à VISÃO há dois anos, defendeu que “o amor é um ato de vontade e inteligência.”
São tempos difíceis estes?
Muito, e ainda mais quando se tem de educar, já que o exemplo é a grande ferramenta para o fazer. Devemos pensar um bocadinho porque razão os grandes especialistas em web e digital estão a educar os filhos longe deste mundo. É porque sabem que a rede, e os seus algoritmos, são desenvolvidos para nos tornarem dependentes, prometendo dopamina quase instantaneamente.
Mas pode ser usada de forma correta?
Sim, claro. Facilita-nos a vida em muita coisa, mas é preciso cuidado para que não substitua todas as coisas que nos fazem felizes. E uma grande maioria de tudo aquilo que nos faz feliz assenta nas reações, no afeto, no toque. Para não nos iludirmos temos de saber usar e ter a noção clara de que somos nós que usamos o gadjet, não ele que nos comanda. Quando o fazemos também aprendemos a esperar e isso faz toda a diferença neste processo de procurar ser feliz.
São ideias que fazem lembrar alguns dizeres mais populares, como “acontecem coisas boas a quem espera” ou “Há quem veja o copo meio vazio, há quem o veja meio cheio”. Podemos dizer que o saber popular e ancestral foi agora validado pela ciência?
A questão é que a vida não é o que nos acontece, mas a forma como o interpretamos.
E a maneira como lidamos com esse facto…
O mesmo acontecimento pode stressar-nos num dia e nem darmos por ele no outro. Está tudo ligado a três questões essenciais: o nosso sistema de crenças e valores, a sua interpretação (por exemplo, posso dizer que gosto de Putin e isso afugentar as pessoas à minha volta, mas se explicar que a minha irmã é casada com o irmão dele, talvez isso explique que o possa ver de uma forma diferente da maioria das pessoas) e ainda a capacidade de olharmos em volta e nos focarmos.
Voltamos ao copo meio cheio ou meio vazio…
A forma como encaramos o que nos acontece afeta o impacto no nosso organismo. Sabemos que afeta o cérebro e os intestinos. Sabemos também que pode ter efeitos diferentes nas outras pessoas: às vezes, as pessoas bloqueiam em coisas pequeninas, mas que para elas parecem enormes, e vivem com uma série de outras desgraças gigantes e não as valorizam. A perspetiva faz toda a diferença.
É curioso que as ferramentas que aponta para sempre de relação: sorrir, abraçar, sentir empatia ou compaixão…
Isso, mas com explicação científica. Por exemplo, recomendar a alguém que sorria mais e a pessoa pensa “ah, tá bem” e não liga mais ao caso. Mas a questão é que quando sorrimos, ativamos um músculo que afeta o nosso sistema límbico, produzindo serotonina, a substância que dá felicidade. Percebo que estejamos fartos desta conversa do “se sorrires és mais feliz”. Mas a verdade é que, se compreendemos que, ao sorrirmos, isso nos acontece se calhar já não nos sentimos a ser iludidos.
É um regresso ao saber das nossas avós, mas validado pela ciência…
Se dissesse tudo isto à minha avó, ela diria: “Marian, não disseste nada de novo…”. Diria que houve outro problema chamado psicologia positiva, porque acabou por passar a ideia de que, se a vida não nos corre bem, a culpa só pode ser nossa. Acabou por alimentar a culpa nas pessoas, com o discurso do “tu consegues”. Mas é preciso ser realista e por tudo em contexto.
Há quem diga que o que nos acontece na infância marca-nos para sempre. Como fazer para ultrapassar isso?
Marca-nos de uma forma indelével, que não haja dúvidas sobre isso. Vai afetar a forma como nos sentimos e como tratados as pessoas à nossa volta. Mas com o tempo, e com apoio médico se for o caso, é possível dar a volta. É o que chamamos resiliência. Durante muito tempo pensou-se que, como não nos lembrávamos da primeira infância não nos marcava. Hoje, sabemos que isso não é assim. Sabemos até que questão do toque, na primeira infância, é fulcral, porque ativa a oxitocina, que é a hormona do amor e da confiança. E é por isso que às vezes sentimos – e dizemos – que só precisamos de um abraço.
Vivemos cheios de culpa por não sermos felizes e não nos acontecerem coisas boas, mas também cheios de medo, que é algo nos regula, mas também nos paralisa. O que pensa sobre isso?
O problema reside na questão do falhanço. O medo de falhar é uma obsessão, tornou-se uma paranoia, mas não se pode viver a pensar que nunca vai acontecer, porque faz parte da vida. O importante é sermos capazes de nos levantar quando isso acontece e encontrar a solução certa. Isso também vai acontecer aos nossos filhos e temos de lhes ensinar isso: que não ser sempre o primeiro é normal e que o importante é dar o melhor de si próprios. Os falhanços fazem parte da vida e são até essenciais para valorizarmos as coisas boas.
Há quem diga que as gerações mais novas são mais ansiosas, mas também há um medo crescente quando as pessoas chegam à chamada meia-idade.
São questões diferentes: uns porque receiam não alcançar aquilo a que se propõem, outros porque começam a olhar mais para o passado. Não se pode demasiado para a frente, para não ficarmos ansiosos, nem se pode olhar demasiado para trás, para não se deprimir a pensar no que se poderia ter feito de outra forma. É como a conciliação. É preciso viver o momento e fazer opções e saber que escolher uma coisa é não ter outra. É difícil, mas é preciso fazer escolhas e viver de acordo com o que nos faz falta no presente. É a única forma de viver sem culpa.
E essa culpa, que às vezes sentimos, quer dizer o quê?
A culpa é um alarme. Se sentimos culpa, se sentimos que não estamos a responder corretamente a algo, é preciso pensar no que estamos a fazer e o que nos falta para não viver assim. Ter paz interior não tem preço. A maioria das vezes é o julgamento dos outros que alimenta a nossa culpa, e aí reconheço que é preciso muita autoestima para o julgamento dos outros não nos afetar.
Diria que é importante perdoar, mas não esquecer?
Antes de mais, é preciso perdoar. Porque isso nos faz bem, mas também porque sabemos que, com o tempo, a tendência será também para esquecer. E isso só nos faz bem.
E o que diz a quem nunca está contente, por melhores coisas que lhe aconteçam?
Esses são os pacientes mais difíceis. São muitas vezes tóxicos para si próprios, porque na sua biografia já foram muito maltratados e isso faz com que não acreditem que podem alguma vez ser felizes. A esses costumo perguntar “Se houvesse um rebuçado que o fizesse ver a vida de outra forma, tomava-o? A maioria diz que sim. Quem diz que não está a dizer que não quer ajuda. E quem não quer ajuda não pode ser ajudado. Outras vezes recomendo voluntariado. Ajudar alguém que esteja objetivamente pior na vida, com menos recursos e apoios, também ajuda a por o que nos acontece em perspetiva. É muito útil.