A diferença está nos detalhes. Desenhos que dão vida a paredes brancas e amenizam o espaço onde ninguém quer estar, mas que as circunstâncias forçam.
No Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa, há quilómetros de corredores, patamares incontáveis, escadas de grau espinhoso para quem as pisa, dezenas de departamentos, salas de espera, consultórios, elevadores. O melting pot exemplar para tornar uma ida ao médico ainda mais difícil do que a sua função primordial.
É por isso que as paredes do hospital pediátrico de referência em Portugal passaram a “falar” para as crianças. A transmitir-lhes serenidade e alguma bem-aventurança.
Durante as últimas quatro semanas e meia os artistas plásticos da Fundação Anouk estiveram de serviço às urgências. Não como médicos, evidentemente, mas como os pintores dos serviços de cirurgia e pedopsiquiatria.
Encontrámo-los numa das salas de espera a pintar desenhos infantis nas paredes sob o olhar atento de algumas crianças e pais.

“Isto não é decoração, queremos que ajude o mais possível as crianças numa altura complicada como é estar num hospital”, conta, de pincel na mão, Guillaume Ozon, artista plástico nascido em França e a viver na Sérvia.
Guillaume colabora seis meses por ano com a suiça Fundação Anouk, uma organização suíça sem fins lucrativos, que, desde 2008, se dedicada a humanizar (através da pintura) hospitais pediátricos, orfanatos, centros psiquiátricos e para incapacitados, lares, centros de detenção de jovens e, mais recentemente, centros de refugiados.
Nestes 21 anos de existência fizeram 180 projetos em 16 países, a grande maioria na Europa. “Cerca de 60% do trabalho tem sido em pediatria”, explica Beatriz Aristmuño, a fundadora e co-diretora da fundação.

Antes de porem a mão na massa, ou melhor nos pincéis, os artistas reúniram-se com a equipa do hospital, como fazem sempre, para discutirem os projeto. As idades a que se destinam os desenhos são importantes, assim como a temática que vão pôr em prática. Nesta terceira visita da Fundação Anouk – em anos anteriores pintaram outros serviços do Dona Estefânia – ficou decidido que o tema seriam os países.

Assim, pelos vários locais há desenhos de bonecos que, através, de imagens icónicas desses países percebemos de onde são. Com uma sombrero (México), o cabelo de gueisha (Japão) ou à frente do Big Ben (Londres). Mas também há outros mais pedagógicos sobre como lavar as mãos ou atravessar a rua.
“O objetivo é tornar o ambiente menos agressivo”, explica Cecíla Azevedo, pedo-psicóloga do hospital.
Os desenhos são sempre pintados de acordo com o ângulo de visão das crianças. Num gabinete médico, por exemplo, um está de frente para a cadeira onde a criança se vai sentar quando estiver a falar com o médico e o outro na direção da marquesa. Na zona do bloco operatório, há pinturas no teto, pois é para onde os miúdos estão a olhar quando estão deitados na maca a caminho da cirurgia.

Em visitas anteriores, a fundação suíça ilustrou as paredes da zona de cirurgia de ambulatório e internamento de ortopedia com naves espaciais, astronautas, planetas e estrelas, e a área de internamento de adolescentes, onde até há um quarto Cristiano Ronaldo. Cada um dos locais tem desenhos e pinturas de acordo com a idade dos doentes, mas não se pense que falta coerência. “O hospital é um todo. Embora haja desenhos diferentes, são coerentes”, diz Cecília Azevedo.