Confrontado com acusações de enviesamento ao nível da escolha dos conteúdos verificados, o diário francês Libération decidiu dar liberdade aos seus leitores para escolherem a informação que deve ser analisada pelo jornal.
Os jornalistas da redação dedicados ao fact-checking são responsáveis pela página CheckNews.fr e, além de só responderem a questões colocadas pelos leitores, tornam públicas mesmo aquelas que não são respondidas.
Desde setembro do ano passado, a equipa de oito jornalistas respondeu a 1600 perguntas, das 8 mil submetidas.
O enviesamento é umas acusações mais frequentemente enfrentadas pelas organizações de fact-checking. Nos EUA, por exemplo, os discursos – e os tweets – do presidente republicano Donald Trump são muito mais escrutinados do que qualquer comunicação de um senador ou congressista do Partido Democrata, o que tem sido questionado por alguns leitores.
Inquestionável é o número de projetos jornalísticos dedicados à verificação dos factos ter triplicado nos últimos quatro anos, de acordo com o Laboratório dos Repórteres da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, EUA. Em 2014, existiriam pouco mais de três dezenas, agora, mais de 150 entidades em 53 países diferentes dedicam-se ao fact-checking.
As ferramentas digitais
A proliferação de notícias falsas tem levado vários órgãos de comunicação social, como o jornal The Washington Post, ou organizações sem fins lucrativos, como o Global Council to Build Trust in Media and Fight Misinformation, a focarem-se na verificação da veracidade da informação que circula livremente.
As redes sociais têm sido terreno fértil para o fenómeno das fake news e, precisamente por isso, o Facebook criou uma lista com 24 organizações de fact-checking, que considerou credíveis, com o objetivo de ajudar a eliminar as notícias falsas que circulam na rede. Para já, o sistema está ser testado em 14 países.
A empresa liderada por Mark Zuckerberg também está a usar a inteligência artificial para detetar a duplicação de notícias falsas previamente desmascaradas e, em breve, será capaz de prever quais as páginas com maior probabilidade de partilharem conteúdos falsos. França, Irlanda, México e Índia são os países onde o Facebook está a experimentar um sistema de deteção de fotografias e vídeos manipulados com a ajuda de jornalistas.
Também o Google passou a destacar os conteúdos verificados por jornalistas nos resultados devolvidos pelo motor de busca.
A distribuição de notícias falsas em redes de comunicação como o WhatsApp é igualmente um problema em vários países. Este serviço de mensagens e chamadas encriptadas dificulta a deteção de conteúdos manipulados. A proliferação de informação errada nesta aplicação já deu origem a linchamentos públicos na Índia.
As regras da verdade
Foi para tentar resolver estes problemas que, na semana passada, cerca de 230 oradores de 50 países diferentes estiveram reunidos em Roma, Itália, naquela que foi a quinta edição da Global Fact Summit, uma conferência de três dias que atraiu mais de mil espetadores à capital italiana. Além de jornalistas e académicos, também estiveram presentes representantes do Facebook, Google, WhatsApp e de outras empresas tecnológicas.
O diretor da International Fact-Checking Network (Rede Internacional de Verificação de Factos), Alexios Mantzarlis, mostrou preocupação perante aos ataques aos média e às organizações de fact-checking: “O descontentamento e a desconfiança que atormentam os meios de comunicação tradicionais há anos estão a começar a afetar os fact-checkers. Na Turquia, nas Filipinas e, especialmente, no Brasil, irromperam campanhas coordenadas destinadas a difamar a verificação de factos como um instrumento de combate às notícias falsas”, afirmou no início do encontro.
A International Fact-Checking Network (IFCN), que pertence ao prestigiado instituto Poynter, dedicado ao estudo do jornalismo, foi a promotora da conferência. Um relatório da Comissão Europeia, apresentado em abril, destacava o modelo da IFCN como aquele que deve ser seguido no combate à desinformação.
Neutralidade política, transparência ao nível do financiamento e políticas robustas de verificação são alguns dos critérios que devem fazer parte do código de conduta das organizações de fact-checking. Estas normas foram estabelecidas há dois anos e quase seis dezenas de entidades já as subscreveram, também o Facebook as considera o modelo a seguir.
A IFCN também está a colaborar com os franceses do CheckNews, criado pelo Libération, no sentido de internacionalizar o modelo e criar uma base de dados mundial de verificação de factos.
Um dos principais objetivos dos vários modelos de fact-checking é tornar a verificação mais rápida. A organização britânica Full Fact criou uma ferramenta que transcreve os debates no Parlamento inglês e identifica reivindicações verificáveis. Também criaram uma aplicação que, através do reconhecimento de voz, confronta as afirmações feitas com dados da agência de estatística britânica. Se um político disser, por exemplo, que o desemprego desceu, o jornalista tem automaticamente acesso aos dados mais recentes sobre o desemprego.
Nos EUA, as organizações PolitiFact, FactCheck.org e o The Washington Post Fact Checker recebem diariamente listas de informação passível de ser verificada, selecionada automaticamente dos conteúdos transmitidos pelo canal televisivo CNN e das publicações feitas na rede social Twitter.