Após Portugal derrotar a França, na final do Campeonato Europeu de Futebol, em 2016, uma bandeira nacional esvoaçou clandestina, durante vários meses, no topo do velho e deteriorado sarcófago construído pelos soviéticos para conter a radiação do reator nuclear acidentado de Chernobyl. A façanha foi celebrada por menos de uma dezena de portugueses que ali trabalhavam ao serviço de uma empresa… francesa.
A bandeira só seria retirada aquando da instalação do Novo Confinamento Seguro (NCS) – o sarcófago construído para reforçar o isolamento do reator – em novembro desse ano. Alexandre Martinez, 41 anos, recorda o episódio diante de um bitoque improvisado num restaurante de Ivankiv, a cidade ucraniana onde vive.
Superintendente na área da eletricidade, é indisfarçável o seu orgulho por fazer parte da equipa que ajudou a tornar realidade o NCS, um arco metálico com resistência para durar um século. A estrutura pesa 36 mil toneladas, tem 257 metros de envergadura, 162 de comprimento e 108 de altura. Cada metade do sarcófago foi construída ao longo de seis anos a 327 metros do reator, para evitar a sobre-exposição dos trabalhadores à radiação que persiste no local exato do acidente. Mesmo assim, foi necessário remover cerca de um metro de solo contaminado em profundidade na área de estaleiro para reduzir a radiação.
Perigo invisível
Alexandre Martinez, filho de pai espanhol e mãe portuguesa, chegou à Ucrânia há dois anos, já depois de o arco estar construído, mas assistir à sua instalação foi inesquecível. “Vi 36 mil toneladas a serem arrastadas à velocidade de dez metros por hora!”.
Estava a trabalhar na Roménia quando um amigo lhe falou de Chernobyl. “O nome assustou-me. Fui pesquisar na internet e fiquei ainda mais assustado”, confessa. Mas o consórcio francês Novarka, responsável pelo NCS, deu-lhe garantias de segurança. E, acima de tudo, o ordenado valia a pena (um funcionário com o seu cargo recebe entre 3 a 4 mil euros líquidos por mês). Espera ficar até o projeto do novo sarcófago ficar concluído, o que deverá acontecer no primeiro trimestre deste ano.
Durante a jornada de trabalho anda com um dosímetro ao peito, que contabiliza a radiação acumulada. O limite anual estabelecido pela empresa são 13 milisieverts (a dose média anual recebida por um cidadão comum são 6,2 milisieverts). “Os colegas mais antigos gozam e dizem que, na altura do acidente, recebiam em dois dias o que nós apanhamos num ano”, conta. Trabalha sete semanas e, a seguir, passa dez dias junto da mulher e dos dois filhos, de 9 e 12 anos, no Montijo, Setúbal.
Convívio radioativo
“Não penso muito na radioatividade. Se eu fizer uma TAC recebo metade da radiação que acumulo aqui num ano”, constata, mas estabeleceu as suas próprias regras. “Não como peixe porque alguns vendedores pescam no rio que antigamente arrefecia a central.” Além disso, evita um petisco local: os cogumelos. “Há pessoas que os vão colher à zona de exclusão, onde os solos estão contaminados.”
Habituou-se a ver camiões carregados de metal e de madeira a saírem da área de reclusão de 30 quilómetros à volta central e questiona até que ponto será a radiação controlada. É legal vender madeira da “zona” desde 2004, na condição de passar os testes radiológicos, mas a organização Stop Corruption (Parar a Corrupção) já antes manifestou preocupação relativamente ao eventual tráfico de madeira sem qualquer controlo.
Garante que alguns dos seus companheiros ucranianos ainda acreditam que fazer sauna e beber vodka é eficaz contra a radiação… Um mito propalado no tempo da União Soviética. Os trabalhadores mais velhos contam-lhe que nenhum deles tinha a noção de estar a viver um acontecimento histórico quando se deu a catástrofe, a 26 de abril de 1986. “Ainda hoje se sentem enganados”, lamenta, antes de concluir: “Foram heróis à força.”