De all-Stars nos pés, t-shirt e mochila às costas, Edvard Moser, 54 anos, prepara-se para dar a conferência inaugural do Simpósio de Neurociências da Fundação Champalimaud. Edvard e a mulher, May-Britt, receberam em 2014 o prémio Nobel da Medicina pela descoberta e caracterização dos neurónios responsáveis pela navegação, uma espécie de GPS. Uma das mais complexas funções cerebrais, que integra informação sensorial, movimento e memória. Estes neurónios, apelidados de células Grid, seguem um Padrão hexagonal no seu funcionamento, e até ao trabalho do casal, que dirige um instituto de investigação em Trondheim, Noruega, nunca tinha sido observado.
Uma coisa temos como certo: em termos de orientação espacial, os homens são melhores do que as mulheres. É um dado adquirido. É certo isso?
Bem, não tenho a certeza de que assim seja. É claro que homens e mulheres são diferentes. E neste assunto em concreto, há homens muito bons e homens muito maus. E o mesmo acontece com as mulheres. Em média, e para alguns parâmetros, os homens são melhores, tal como os ratos macho. Em alguns estudos, verificou-se que os homens são melhores a usar a distância entre objetos para se situarem. Já as mulheres são melhores quando a orientação é feita a partir de objetos. Portanto, não podemos dizer que uns são melhores que outros. Depende da estratégia em causa.
Ou seja, os homens são para caçar e percorrer grandes distâncias. As mulheres para ficar em casa a cuidar do lar?
Pode ser, sim. Mas é algo que ainda não está resolvido. Há muitos estudos em curso, nesta área.
As células GRID, que detetou com a sua mulher, existem em igual quantidade em machos e fêmeas?
Sim. Não há qualquer diferença de género. E é um sistema muito fundamental, que já está praticamente todo formado no nascimento e que é independente da experiência. Ou seja é praticamente inato.
Ninguém está à espera que num lugar algo remoto e pequeno, como Trondheim, surja um Nobel da Medicina. Além disso, dirige um instituto com a sua mulher. Foi tudo muito inesperado. Isto quer dizer que se pode fazer boa ciência em qualquer parte do mundo?
É verdade. Não é preciso estar em Nova Iorque ou em Boston para fazer boa investigação. Antes de aparecer a Internet talvez, porque é essencial comunicarmos. Temos um bom instituto, com muitos recursos, por causa do petróleo. A Noruega tem muito dinheiro. Ou seja, as condições são muito boas. Mas não me importava de ter um escritório como este, com esta vista (risos).
É possível treinar, melhorar o desempenho destas células?
Sim, de certeza que sim. As células estão lá, quer se queira quer não. Mas o que precisamos de treinar é a forma como as usamos, como as calibramos em relação ao ambiente à nossa volta. E estou convencido de que há plasticidade e capacidade de aprender também nestas células.
E esta plasticidade, implica que teremos mais células, ou que estas passam a trabalhar melhor?
Que passam a trabalhar melhor. Nós nascemos com estas células. Não nos aparecem mais ao longo da vida.
Quantas são as células Grid?
Num rato, são 200 mil. Numa pessoa serão à volta de um milhão, muito pouco se pensarmos que o cérebro tem cerca de 100 mil milhões de neurónios. Existem em todos os mamíferos. Em ratos, primatas, morcegos, ou seja, estão presentes em diferentes ramos dos mamíferos, o que faz prever que existem desde muito cedo na evolução. A questão é se existem noutras espécies que não têm um hipocampo tão definido.
Mas todos os animais têm de se orientar…
Sim, é verdade. Mas é possível orientarmo-nos de muitas formas diferentes.
Há redundâncias então, no Sistema de localização?
Sim, claro! Porque até uma formiga consegue encontrar o seu caminho e têm cérebros muito mais pequenos. Penso que não precisamos de tão grande complexidade. Uma das questões que ainda não foi resolvida é: que mais valia é que representam de facto estas células Grid. Eu suspeito de que seja algo mais do que simplesmente posicionar-nos. Poderão ter um papel no mapeamento não só no espaço, mas no mundo todos, nos conceitos abstratos.
Como por exemplo: o que fazemos aqui, qual a nossa posição no meio do Universo? Este tipo de questões filosóficas?
Bem, não tão filosóficas assim. Penso que estarão relacionadas com o espaço, mas é um sistema de medição que pode ser usado para muitas outras funções.
O que mudou na sua vida com o Nobel?
Dou mais entrevistas, tenho menos tempo (por exemplo, não ficarei nem 24 horas em Lisboa) e tive de aprender a dizer que não. (Risos)