As duas semanas de gravações, em abril, foram tão intensas que Isabel Neves deixou de ir ao ginásio. Chegava ao estúdio às oito da manhã e só de lá saía às oito da noite. Pelo meio, a advogada de 54 anos tinha de decidir em que projetos ia investir nesta segunda temporada de Shark Tank. Espectadora assídua do programa americano, Isabel Neves identifica-se com a sua congénere Barbara Corcoran porque “fez o percurso de uma self-made woman: vinda de uma família pobre, construiu a sua vida começando a trabalhar sozinha”. Tal como Barbara, também Isabel Neves dá importância a projetos pequenos, e criar postos de trabalho era uma premissa nesta aventura. Apesar de analisar o produto e a pessoa, as suas decisões nem sempre foram só racionais. “O projeto pode ser excelente e de milhões, mas tenho de sentir empatia com as pessoas. Tem de ser algo que nos faz falta e relacionado com a nossa identidade.” Foi muito eclética nas escolhas, indo da moda à cosmética natural, passando pela comida, pela educação, pelo entretenimento. Agora, já retomou o exercício físico e os finais de tarde são para praticar TRX ou ioga suspenso.
Mesmo não se considerando uma feminista ativista, há quase 30 anos que Isabel Neves luta pela igualdade de oportunidades. A sociedade mudou muito desde que entrou, em 1989, para a Associação Portuguesa de Mulheres Empresárias (APME) e, mais tarde, em 1995, assumiu a sua vice-presidência, cargo que manteve até 2013. É quase impossível estabelecer comparação entre o que era ser empreendedor nos anos 90 e atualmente. “Nos negócios há uma diferença abissal. Eram raras as mulheres que se dedicavam aos setores tradicionalmente masculinos. Ficavam-se pelas boutiques, restaurantes, colégios ou nos serviços”, lembra a advogada. Apesar de alguns avanços, ainda há diferenças nos salários, na paridade dos órgãos políticos, nas hierarquias e nas pirâmides das empresas. Mais do que a diferença de género, hoje em dia, diz, “homens e mulheres têm de estar em pé de igualdade nas organizações por mérito. Preocupa-me a meritocracia.”
De ‘office girl’ a investidora
Há três anos criou o Business Angels Club de Lisboa e saiu da APME. “Para mim era incompatível. Embora me associem ao empreendedorismo feminino, e não vou descartar 25 anos da minha vida, não quero que o clube seja uma associação de género”, justifica.
Nascida numa família de pequenos empresários da área alimentar, na Grande Lisboa, Isabel Neves foi criada no meio dos negócios. Aos 16 anos, começou a ganhar dinheiro dando explicações na área de Letras. Quando tirou a carta de condução, o pai disse-lhe que já podia ir trabalhar para a empresa como office girl. No seu Datsun 1200 (herdado numa rifa depois da morte do avô), tanto podia entregar encomendas como fazer pagamentos ou ir aos correios. “Aos 23 anos, quando terminei o curso de advocacia, já tinha uma bagagem profissional muito grande”, conta.
Essa altura coincidiu com uma decisão que o pai a obrigou a tomar: ficar ou não à frente da empresa familiar. Isabel optou pela advocacia. Hoje, mágoas passadas, tem consciência que fez a melhor opção. “É uma lutadora, venceu a vida pelos punhos e sempre a vi a trabalhar”, conta Alexandra Vasques, amiga desde os tempos da universidade. “Tem um feeling natural para os negócios, para perceber o que dá dinheiro. Não lhe conheço grandes insucessos.” Todos os anos viajam juntas para Paris, onde costumam ir espreitar as novidades das lojas, comer nos restaurantes que gostam. Enfim, “ganhar mundo”, diz Isabel. Com o escritório em plena Avenida da Liberdade, se aos 30 anos se perdia por um vestido de marca e aos 40 por sapatos, agora a perdição são as viagens. É fascinada pela América do Sul, em particular pelo Peru. Só lhe falta conhecer o Chile e a Venezuela. De resto, tem amigas em quase todos os outros países. “Investi sempre em mim. O que sou devo-o ao que estudei, às viagens, às pessoas que conheci, às experiências que tive.”
Um ‘workaholic’ sem descanso
Com mais de vinte empresas compradas num currículo de duas décadas, Marco Galinha diz nunca ter tido um insucesso, mas está à espera do primeiro. “Não vendo as firmas, torno-as mais fortes. Sem despedir pessoas, junto as sinergias e verticalizo a estrutura”, explica o dono do Grupo Bel, com 15 empresas na área da tecnologia, inovação, retalho, café e imobiliário. Aos 20 anos, começou a investir com os plafonds dos cartões de crédito. Hoje, aos 39, tem perto de 50 milhões de euros de ativo e uma dívida líquida de 4 a 5 milhões de euros. Como qualquer workaholic, para Marco Galinha os sábados, domingos e feriados são dias de trabalho, e até já chegou a ter quartos nas empresas. “Férias nem pensar, odeio estar parado. No máximo vou a São Martinho do Porto à sexta à noite e volto no domingo.” Mas sempre que viaja em negócios para o estrangeiro aproveita mais um ou dois dias para conhecer a cidade.
Dos cerca de 500 mil euros que investiu nos projetos apresentados no Shark Tank, Marco Galinha ainda não consegue prever quanto irá lucrar. Apostou em produtos alimentares “extremamente saudáveis”, em hardware e software “muito inteligentes” e em moda. “As escolhas foram feitas acima de tudo pelas pessoas. Têm de ter um certo toque de génio, serem muito trabalhadoras e notar-se que já viveram dificuldades.”
Sem risco não há sucesso
Natural de Rio Maior, Marco Galinha é o mais novo de oito irmãos. Um dia, quando viu o nome do pai, industrial do calçado, associado a uma dívida por ter sido avalista de uma pessoa que morreu, juntou as suas poupanças, dos tempos do ciclismo de alta competição, pagou tudo e ficou sem nada. “Sou a favor de se perder tudo, mas de viver bem o jogo, de correr riscos.” Ciclista de BTT, entre os 16 e os 19 anos, foi campeão nacional (1995) e também venceu a Taça de Portugal. Só no Instituto Superior Técnico, onde estudou Engenharia Informática e de Computadores, sentiu uma certa falta de respeito por ser atleta de alta competição, o que o levou a desistir das bicicletas. Agora só pedala na estática que tem no seu escritório, em Alfragide, em frente a uma grande televisão, onde à hora de almoço vê as séries preferidas, como Narcos ou House of Cards, depois de comer qualquer coisa rápida.
Em 1999, foi o primeiro português a ter um computador portátil Philips Nino, com direito a notícia de jornal. “Sempre achei que a tecnologia seria o futuro. Julgava que o engenheiro informático viria a ser a profissão mais importante do mundo”, lembra. Dezassete anos depois, está prestes a pôr no mercado um software que aponta para um livro e abre-o em três dimensões no telemóvel ou no tablet. “É fora de série”, exclama.
Os próximos anos de Marco Galinha passarão também pela Futurete, uma empresa portuguesa de máquinas e moinhos de café artesanais. “O café será um dos negócios do futuro, porque o ser humano tem uma predisposição para a adição à cafeína”, diz o empresário no caminho para a fábrica, na Benedita. Há ano e meio, Graça Marques, viúva do fundador da Futurete, não hesitou em aceitar o valor que Marco Galinha ofereceu. “A empresa tem pernas para andar e na altura tinha de ser entregue a uma pessoa com capacidade financeira, e ele é um homem de garra. Também lhe deixei bons empregados, mas que já tinham um mês de salário em atraso, que ele pagou no mesmo dia da assinatura do contrato”, conta a antiga proprietária.
Hoje, sempre que se cruza com o empresário, vai sabendo da evolução do negócio. “Estamos a produzir 80 máquinas e 200 moinhos por mês, mas vamos aumentar a capacidade com a ampliação da fábrica. Estamos a crescer 40% ao ano”, revela Marco Galinha, entre chassis em inox, caldeira e tubos em cobre com dupla soldadura, materiais que diferenciam as máquinas.
Aos funcionários exige que sejam os melhores. “Temos de dar provas disso nas feiras, na obtenção das certificações e no cumprimento dos prazos”, diz Ivan Soares, 23 anos, diretor de produção. Já Luís Santo, 30 anos, diretor-geral da Futurete, sabe que o patrão não quer perder tempo com reuniões. “Temos de ter resposta para tudo, mesmo para números de há um mês.”
Fascinado com o BMW i3 elétrico que comprou há um ano, as muitas viagens que faz entre a fábrica e a sede do Grupo Bel obrigam Marco Galinha a parar na área de serviço de Aveiras para carregar a bateria do carro. Mas não consegue ficar parado muito tempo: oito minutos depois, ainda o carregamento vai a meio, decide não esperar mais e pôr-se a caminho.
Dicas dos tubarões para se ser bom empreendedor
1 – Em Portugal, falhar ainda é um estigma. Mas tem de existir muita tentativa e erro até se chegar a bom porto.
2 – Não basta saber muito do próprio negócio. É preciso estar atento às mudanças sociológicas, tecnológicas e económicas e adaptar o negócio a essas alterações.
3 – Não se deve investir em áreas onde há grande competição.
4 – Comprar uma empresa com prejuízo é correr um risco com sucesso garantido, desde que se tenha capital para investir na reabilitação.
5 – 99% do sucesso de um negócio deve-se ao trabalho.
O que faz um ‘business angel’
É um investidor informado que apoia ideias e projetos de outros com capital próprio ou dos parceiros, partilhando também o seu know-how e a rede de contactos. Normalmente, um business angel intervém numa fase embrionária e ao fim de meia dúzia de anos quer sair. E tal pode acontecer de três formas: se o negócio estiver a correr bem, o próprio promotor pode comprar a sua quota; podem existir outros business angels ou capitais de risco que comprem a sua parte; ou uma empresa multinacional pode comprar o negócio, ficando todas as partes a ganhar.