A cozinha mediterrânea não prescinde deles. Mas há outros condimentos na engrenagem. Os frasquinhos prometem 100 por cento orégãos, mas em alguns casos nem metade têm. A adulteração inclui ingredientes mais baratos, entre os quais folhas de oliveira ou de mirtilo. Se fosse apenas isso, a fraude era meramente económica, com buracos consideráveis nos bolsos dos consumidores. O problema é quando os produtos têm, por exemplo, amendoim, um alergénio fatal para algumas pessoas.
As misturas de especiarias têm dado dores de cabeça às autoridades do Reino Unido, EUA e Austrália, onde foram detetados vários casos de fraude com esses produtos. A Biopremier, o laboratório português mais prestigiado a nível mundial e pioneiro em análises de malha mais apertada (presente em mais de 130 países depois de se associar à multinacional suíça de certificação SGS), tem também recebido crescentes pedidos para detetar eventuais problemas nas especiarias. Em entrevista à VISÃO, o biólogo Mário Gadanho, cofundador do laboratório já considerado o “CSI dos alimentos”, explica o fenómeno mais recente. E por que é que, apesar de tudo, há mais razões para confiarmos no que comemos.
Em 2013, os consumidores ficaram assustados com os casos de carne de cavalo em refeições pré-cozinhadas. Daí para cá o que tem mudado?
Há um momento antes e depois do caso da carne de cavalo. A situação veio mostrar que a área agroalimentar precisava ter controlos adicionais. Pelo menos a nível europeu. Discutiu-se mais, criaram-se comités de fraude ao nível da União Europeia e as próprias empresas alteraram os seus planos de análises para os adaptar às novas realidades. Agora, as empresas têm controlos rotineiros de ADN, seja ao nível da autenticidade, seja ao nível da segurança alimentar, do ponto de vista microbiológico. Se, no passado, o que interessava era ver se um determinado produto tinha muitas bactérias ou fungos, agora a questão é saber se são patogénicos ou não, se produzem algo que possa induzir doença no consumidor final. A partir da crise da carne de cavalo toda a gente ficou mais desperta.
A Biopremier tem a malha mais apertada em termos de análises?
Somos a única empresa a nível europeu, e penso que também a nível mundial, que pode receber uma amostra para saber que carnes, peixes, plantas, etc, é que estão dentro de um produto. De forma rotineira, conseguimos fazer o despiste de todas as situações. Fomos pioneiros a nível mundial e temos parcerias com grandes laboratórios que nos subcontratam a nível global. A partir da polémica da carne de cavalo, começamos a otimizar a metodologia da área clínica e adaptamos isso para o setor alimentar. Conseguimos dizer não apenas se uma amostra tem carne de cavalo, mas tudo o que está lá dentro.
Estamos mais seguros a nível alimentar?
A nível industrial e de outro tipo de clientes, noto que ainda estamos numa fase de adaptação. Foi tudo muito repentino a partir da crise da carne de cavalo. Mas há uma grande preocupação da indústria e das grandes superfícies em controlar os produtos de forma séria. Contudo, há questões pontuais em relação a determinados produtos que talvez precisassem de controlos adicionais.
Que casos têm gerado mais preocupação?
Neste momento, há grande polémica à volta dos orégãos. Amostras que deviam dar 100 por cento orégãos e na realidade não dão. No Reino Unido, EUA e Austrália detetaram-se casos em que não existe essa pureza. Como se anda sempre à maré do que é público, temos analisado frequentemente orégãos e outras especiarias, pois a partir do momento em que houve situações complicadas em alguns países, os nossos principais clientes começaram a querer analisar esses produtos. Temos recebido cada vez mais amostras de especiarias e há vários produtos que, de facto, contêm algo mais do que aquilo que deveria estar presente. Há, de resto, um alerta da União Europeia a esse propósito.
Há produtos que nem sequer têm orégãos?
Orégãos encontram-se sempre. O problema é estarem misturados com outras plantas. Quando vamos ver, são plantas normais do campo, só que depois aparecem numa porção considerável. Quem produz os orégãos está habituado a determinados processos e não liga muito ao facto de juntar outras plantas. É importante que as pessoas que colhem esse produto tenham um redobrado cuidado e não levem tudo à frente, por assim dizer. Têm de ser cada vez mais proativas nos seus procedimentos de fabrico no sentido de minimizar essas situações.
As adulterações que encontram são meras fraudes (substituição por produtos mais baratos) ou há riscos para o consumidor? Nos EUA houve um caso com amendoim, que pode ser mortal para algumas pessoas…
Até à data tem sido solicitada apenas a análise de misturas de especiarias. Encontrámos situações anómalas não apenas em orégãos, mas também noutras especiarias e, principalmente, em misturas de especiarias. Já temos o método que permite detetar outras plantas que poderão estar contidas em qualquer tipo de alimento, nomeadamente alguns alergénios (aipo, mostarda e frutos secos). Mas ainda não realizamos esse tipo de ensaio, pois só recentemente o temos disponível no nosso laboratório.
Há também muitas fraudes com o pescado…
Os produtos do mar continuam a ser um problema. Não é apenas um problema de substituição de espécies de maior valor económico por outras de menor valor. Há demasiada burocracia e é preciso uma renovação de quadros nas instituições fiscalizadoras até porque as fraudes se refinaram. Há produtos que são muito processados e, no fundo, podem conter o que quisermos lá dentro. Mas a partir do momento em que se começaram a analisar determinados produtos que não se analisavam no passado, é inevitável encontrarem-se fraudes.