Um caloroso “Bom dia” faz-se ouvir mas a sala cheia de alunos de mestrado, nacionais e estrangeiros, não devolve o cumprimento. “Vou repetir: bom dia!”, insiste Luís Rodrigues, antigo aluno da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e atualmente professor de Estratégia e de Psicologia Positiva, antes de acrescentar: “Se não respondem a quem vos cumprimenta, vão ter um desafio muito maior.” E prossegue a anunciar os novos sinais dos tempos e que, ao saber técnico, se junta agora uma imensa inteligência emocional. “Para ser bem sucedido, é preciso sermos honestos connosco (sobre o que gostamos e o que queremos para a nossa vida) e também investir em nós próprios. Se não fizerem mais nada a não ser estudar, não se vão destacar. Fica o aviso: prefiro mil vezes um aluno de 15 que tem vida do que um de 18 que não tira a cara dos livros.”
À confissão segue-se algum remexer nas cadeiras. Estamos no auditório da reitoria da universidade e decorre a semana de receção aos mestrandos. A palestra inspiradora A Happy Career or How to Win The League (qualquer coisa como “uma carreira feliz ou como ganhar o campeonato”) espelha bem a política da faculdade: considerada uma das melhores escolas de negócios do mundo, os seus alunos também já sabem que há mais a valorizar do que apenas o conhecimento puro e duro. Durante uma hora fala-se ali do fator sorte, que também se procura, além da performance, que deve ser exemplar, e ainda da importância de saber ouvir mas também de perguntar quando não se compreende, de propor soluções em vez de apresentar problemas e, claro, alimentar uma boa rede de contactos (E não, “não se trata de ter muitos ‘amigos’ ou ‘likes’ no Facebook…”).
Como um lembrete para acompanhar alunos e estudantes desde o início do ano letivo – o calendário oficial estipula que as aulas devem começar até 21 de setembro -, a sessão é bem reveladora da nova tendência dos mercados. E a prática interna também. Veja-se José Miguel Luís, 23 anos, que ali acabou o mestrado em Gestão e foi logo contratado para ficar no gabinete de admissão aos novos alunos. “Sei que o facto de sempre ter colaborado no site, postando textos sobre as atividades da faculdade, me abriu portas”, comenta. Carolina Oliveira, 21 anos, e Rita Ubaldo, 19, alunas da licenciatura, fazem por lhe seguir os passos – daí serem as caras do Nova Skills, um núcleo formado por alunos para desenvolver as competências não técnicas. “Há formação em gestão do tempo, trabalho em equipa, comunicação…”, enumera Carolina. “E também ajudamos a preparar entrevistas e a negociar”, acrescenta Rita. À distância de 3 000 quilómetros, a mesma que separa Lisboa de Copenhaga, Carlos Teixeira, 20 anos, aluno da mesma licenciatura, conta via Skype que não hesitou em inscrever-se no programa Erasmus e partir para a Dinamarca a pensar exatamente no mesmo: “Preparar-me para os desafios da vida.”
Adeus, ‘Mãe-Tigre’
O reconhecimento de que a frequência do programa Erasmus tem um forte contributo para a empregabilidade chegou oficialmente há um ano, com a revelação dos resultados do estudo de avaliação feito pela própria Comissão Europeia: os jovens que estudam ou recebem formação no estrangeiro não só adquirem conhecimentos em disciplinas específicas como desenvolvem competências transversais. E estas (curiosidade, tolerância, confiança, capacidade para resolver problemas) são as que 92 por cento dos empregadores procuram quando contratam novos trabalhadores.
Mas tem sido um longo caminho. Há uma mão-cheia de anos, numa conferência sobre sucesso escolar que decorria na Fundação Calouste Gulbenkian, uma mãe na assistência levantava-se para interpelar um dos locutores e dizer: “Não sei se quero que o meu filho seja bom aluno. Quero é que seja feliz.” Do outro lado da mesa, Eduardo Marçal Grilo, ex-ministro da Educação e responsável pela área na Fundação, respondia: “Mas se for bom aluno será muito mais feliz.”
A ideia vingou. Eram também os tempos de glória da ‘mãe-tigre’ – como ficou conhecida a sino-americana Amy Chua, que defendia uma educação rígida e autoritária – e a nossa escola foi-se também alimentando de rankings e exames. Será tempo agora de lhe dizer adeus, com esta tendência a ganhar vigor? Se bem leu na VISÃO da semana passada as declarações da cientista Maria Mota, não são as notas que a impressionam na escolha de uma equipa: “O mais importante é o entusiasmo pela vida.”
Há outros sinais que chegam agora do outro lado do Atlântico, em sintonia. Há um mês, surgia um primeiro artigo na TIME titulado O Elogio do Aluno Regular, a salientar que é tempo de repensar o que significa ser excecional. Já esta semana, a The Atlantic, outra das revistas de referência norte-americanas, insistia em falar de sucessos académicos que conduzem a falhanços profissionais, escrevendo que a pressão pelas boas notas devia ser mesmo “um crime contra a aprendizagem”.
“Quem não se lembra de ouvir pais a gritar: ‘cala-te, não digas disparates!’. Esquecem-se que, quando os ensinamos a ter medo de falhar, acabamos por anular a paixão por experimentar e aprender”, assinala Jorge Rio Cardoso, professor universitário, autor do livro Pais à beira de um ataque de nervos, no qual lembra que mais importante do que as notas, o importante é o processo: “Se um aluno estiver motivado, aprende.”
Aquando do lançamento, no ano passado, o professor sublinhava que, além do conhecimento que se obtém na escola, é fundamental ir um pouco além disso. “É também importante que aprendam a trabalhar em equipa ou que saibam encontrar soluções”, acrescentando que, como têm regras e disciplina, tanto a música como o desporto ajudam, e muito! Mas já lá vamos…
Há mais quem esteja a reconhecer as mais-valias destas soft skills. Leiam-se as conclusões do relatório Education to Employment: Getting Europe’s Youth into Work (Educação para o Emprego), da McKinsey Center for Government, realizado a 600 empregadores europeus, que apontou um desajuste entre as competências desejadas pelos empregadores e as possuídas pelos recém-licenciados. Também o estudo Transforma Talento Portugal, da COTEC e da Fundação Calouste Gulbenkian, identificou a aposta nestas soft skills como uma das 13 medidas prioritárias para a transformação e desenvolvimento do talento.
“É preciso conseguir aproveitar o talento que as pessoas têm”, afirma o economista Daniel Bessa, diretor-geral da COTEC. “Muita gente vê-se em grandes trabalhos porque não tem competências para trabalhar com pessoas”, acrescenta o economista, insistindo que está a falar de um professor ou de um funcionário de um call center. Ou mesmo de um médico, a lembrar a última lição de João Lobo Antunes, neurocirurgião e professor jubilado há pouco mais de um ano. Foi no auditório da Faculdade de Medicina de Lisboa que à pergunta “De que matéria se faz um bom médico?”, o economista Pedro Pita Barros, na plateia do auditório onde decorria aquela derradeira aula, assinalava “a sólida formação” dada na universidade e ainda “a capacidade de ouvir e não apenas prescrever coisas”. João Lobo Antunes corroborou: ?”O que nos falta mais é esta medicina narrativa, esta sensibilização, e depois o trabalho em equipa. É preciso saber escolher. Educar mulheres e homens, dedicados, íntegros, imbuídos do sentido do dever. E que gostem das pessoas, no amor ao próximo. É preciso tocar o piano de cada um.”
A aproveitar a onda, a empresa de consultoria e gestão LYD-Leading for Greatness acaba de lançar, esta terça-feira, 8, a iniciativa Skills Jovem, uma plataforma de formação online em soft skills, gratuita, destinada aos universitários. Ouvindo Susana Santos, 22 anos, aluna de Administração Pública no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), e João Louro, 20, inscrito em Ciências Políticas, vem mesmo a calhar. Ela coordena o núcleo dos alunos do seu curso, ajudando-os nos trabalhos de grupo e a preparar as apresentações orais. Ele é vice-presidente da Associação de Estudantes, que dinamiza ainda estruturas como o ISCPS Cidadania, para ajudar os colegas mais carenciados.
“Começamos também a desistir de só pensar na média… conta, mas não é tudo”, assumem, lamentando que o ensino em geral ainda não esteja a valorizar quem faz mais do que estudar. “O secundário apenas se preocupa em preparar alunos para a universidade. Mas há mais mundo para lá disso.”
De pequenino…
E aqui os estudiosos do assunto são consensuais: práticas como música, o associativismo ou o desporto ajudam tanto à concentração como a trabalhar em equipa. Oiça-se Martim Fonseca, que só tem 13 anos mas já intui que muito do que faz hoje lhe pode ser muito útil no futuro. Uma das certezas que tem é sobre o râguebi. Inscrito no Clube Rugby S. Miguel, em Alvalade, há menos de um ano, garante que já sentiu as diferenças. ?”É preciso trabalhar tanto nos estudos como nos treinos, porque se as notas baixam não vamos aos jogos. É a política do clube”, conta.
Estamos no seu quarto e, como é dia de treino, as botas novas que recebeu nos anos estão prontas a calçar, tal como o equipamento, estendido em cima da cama. “Tem-me ajudado imenso: o capitão de equipa, por exemplo, está sempre a motivar-nos, mesmo quando estamos a perder. Ele diz sempre: ‘Nunca se deixa um amigo para trás’.” Já no relvado do Estádio 1.º de Maio, a treinar entre os colegas da equipa, Martim mostra-se mais que pronto para os desafios que vai ter para frente. Nos jogos ou na escola.
Três perguntas a… Marco Gomes
38 anos, responsável da Mr. Refs, uma plataforma online portuguesa que se quer valer das ‘soft skills’ para revolucionar o recrutamento
P: Como funciona a Mr. Refs?
R: A ideia é que se possam recomendar pessoas para oportunidades de emprego e, se a proposta for bem sucedida, recompensar quem a fez. As empresas só pagam se contratarem alguém. Quanto ao candidato, só precisa que alguém o referencie.
P: Com surgiu?
R: Há uma pergunta que surge em qualquer processo de recrutamento: “Conheces alguém para me indicar?” Quantas vezes não pensamos que conhecíamos a pessoa certa para aquela oportunidade? Além disso, um dos principais objetivos das empresas hoje é reduzir os custos e maximizar a eficiência – e, neste cenário, o recrutamento não é uma exceção: receber milhares de CVs sem qualquer filtro traz um enorme esforço para qualquer empresa.
P: Nestes 3 meses, quantas pessoas já foram bem sucedidas?
R: Contamos fechar setembro com 15 contratações e chegar às 75 no final do ano.