De manhã cedo, os funcionários da sede do banco tinham um post-it amarelo nos seus monitores. Um teaser misterioso, anunciando que algo iria acontecer. À mesma hora, cá em baixo na rua, uma equipa da Sky Eye preparava uma forma diferente de anunciar o novo produto do Santander Totta. É preciso prender o cartaz publicitário ao veículo aéreo não tripulado (UAV – Unmanned Aerial Vehicle), a que se convencionou chamar drone. O equipamento que subirá 30 metros acima do solo, pelos oito andares do edifício perto da praça de Espanha, em Lisboa, é um multirrotor com quatro braços e oito motores, um modelo robusto que permite levantar até seis quilos e meio. Falta acoplar a câmara GoPro, de modo a filmar tudo. João Torres é o piloto que vai telecomandar o drone através de um rádio com dois sticks e um ecrã, a que chamam FPV (First Person View). “São os olhos do drone. No ecrã, quando a bateria chega aos 40% da sua carga está na hora de vir para terra, descendo em plano oblíquo, prevenindo algum acidente”, explica. Impedido de ultrapassar a altura do prédio, o som dos motores do drone, que para impulsionarem o ar fazem um ruído semelhante ao de um aspirador, é abafado pela passagem dos aviões. Perto das dez da manhã, os cerca de mil funcionários da sede do banco desvendam finalmente o mistério. Sobretudo no terceiro e quinto piso, vêm todos à janela, intrigados e de smartphones em riste, para registar o momento. Ainda não sabem, mas foram escolhidos como clientes preferenciais para testarem a nova app bancária.
Simone Abraão, do gabinete de comunicação e publicidade da direção de marketing do banco, copiou a ideia de um vídeo publicado no YouTube onde um restaurante russo sobrevoava o distrito financeiro para anunciar o menu do dia. “Quisemos causar impacto a nível interno, para testar a segurança da tecnologia e ver se cria buzz”, justifica. Uma iniciativa com um preço bastante acessível. Os dois mil euros que pagaram é apenas um décimo do que irá custar todo o merchandising, com cartazes, folhetos, outdoors e campanhas de rádio e online. Missão cumprida.
O drone vertising (transporte de mensagens, distribuição de brindes) é apenas um dos serviços que a Sky Eye faz de forma inovadora, com um par de olhos voador que pode ser controlado remotamente ou pré-programado através de coordenadas de GPS. “Voar a baixa altitude, produzindo imagens mais arrojadas, também permite maior interatividade com o cliente”, garante David Mota, 27 anos, diretor da empresa fundada em 2012. São os canais de televisão, as produtoras de audiovisual e as agências de publicidade os seus principais clientes. À oferta, juntam as inspeções industriais sem análise técnica a turbinas eólicas, pontes, redes elétricas de alta e média tensão e barragens de difícil acesso, e o land surveying, levantamento de imagens verticais (a 90º) que servem para mapas georreferenciados, úteis em análise de topografia e cartografia, usados por empresas de construção, de engenharia ou da área agrícola e florestal.
No próximo dia 11 de julho termina o primeiro curso em Portugal para pilotos de drones, também ministrado por David Mota, que não hesitou em aceitar o desafio de Alexandre Duarte, diretor da escola de formação profissional Restart, com cursos alinhados com as profissões do futuro. “Havendo ainda pouca legislação é preciso reforçar a lógica da responsabilidade social. Não é um brevet de drones mas é uma base para mexer num em segurança”, explica David Mota. Foram preenchidas 9 das 12 vagas com alunos heterogéneos, entre os 24 e os 60 anos, e apenas uma mulher, editora de vídeo. Saem do curso a saber operar um drone de forma mais segura e responsável, por estarem mais cientes dos seus perigos.
A ‘arma de Obama’
São cada vez mais as gigantes internacionais a entrar no apetecível mundo dos UAV. Na semana passada, a Microsoft apresentou o seu “Projeto Premonição” que promete, dentro de cinco anos, ter um exército de drones para erradicar epidemias como a malária e o dengue, de forma mais eficiente e menos dispendiosa. Também Nick Woodman, CEO da GoPro, empresa americana de câmaras digitais, anunciou o lançamento, no primeiro semestre de 2016, de um quadcóptero com capacidade de filmar. Mas, já em dezembro de 2013, a Amazon partilhava a intenção de vir a entregar as suas encomendas com um drone, 30 minutos depois da compra online. Os testes já começaram e a empresa de comércio eletrónico terá de respeitar apenas algumas premissas: só voar durante o dia, a menos de 122 metros de altura e a uma velocidade inferior a 160 km por hora.
Estes equipamentos são idênticos aos que muitos já passaram a conhecer como a “arma de Obama”. Na semana passada, a morte de Nasser Al-Wuhayshi, braço direito de Osama Bin Laden, reacendeu as preocupações sobre os perigos dos ataques americanos perpetrados por drones. Os EUA estavam a oferecer uma recompensa de dez milhões de dólares a quem apanhasse “morto ou vivo” o dirigente da Al Qaeda do Iémen e da Arábia Saudita, que assumiu a autoria dos atentados ao jornal satírico francês Charlie Hebdo. Com uma frota superior a 7 500 drones, a eficácia do seu uso na era Bush foi de 60%, enquanto no mandato de Barack Obama, em 2010, atingia os 95%, em ataques no Afeganistão, Iraque, Líbia, Somália, Iémen e Paquistão.
O maior mercado de drones é precisamente o da Defesa, seguido dos da segurança, comercial e lúdico, a ganhar adeptos nos últimos dois anos, como se de um brinquedo se tratasse.
É com os três ramos das Forças Armadas portuguesas que a Tekever têm vindo a testar a sua tecnologia não tripulada. “Mais do que clientes são nossos parceiros, ajudam-nos a melhorar o produto de forma a comercializá-lo fora de Portugal”, diz Ricardo Mendes, diretor da empresa portuguesa. Com a Marinha, por exemplo, chegaram à conclusão que operar a partir de um navio é muito diferente de fazê-lo em terra. Com o navio em andamento é preciso ter noção de que o operador também está em movimento. Há um ano a Tekever ainda não tinha resposta para este problema. Hoje já sabem que “para as missões marítimas de médio alcance faz todo o sentido utilizar o AR3, porque voa 10 horas e consegue ser lançado e recolhido no navio”. Também o Exército já utilizou o AR4 Light Ray, com 1,80 metros de envergadura e autonomia de duas horas, capaz de proteger uma coluna militar perto de Pristina, no Kosovo, para detetar uma emboscada, reajustando assim a estratégia. Com a Autoridade Marítima Nacional e o Instituto de Socorros a Náufragos, os seus UAV ajudam na busca e salvamento em mar. “O drone não salva, mas ajuda a encontrar mais depressa. Como tudo o que faz é georreferenciado, diz-nos a localização exata do náufrago”, acrescenta Ricardo Mendes. Já em janeiro deste ano trabalharam, voluntariamente, com as autoridades em Cabo Verde, aquando da erupção do vulcão da Ilha do Fogo. “Eram precisas imagens de cima para ter a perceção dos estragos e das zonas quentes e zonas frias. Foi um complemento ao trabalho dos aviões e helicópteros que não podiam sobrevoar a zona.”
Neste momento, a Tekever está focada no projeto VIANA (Sistema de Vigilância do Ambiente e da Natureza no Alto Minho) em parceria com GNR, na prevenção de incêndios, num investimento de 3,5 milhões de euros. Com 14 aeronaves no ar, detetam um fogo logo no início. Entretanto, também foram convidados pela Marinha Portuguesa para testar o AR3 Net Ray, com autonomia superior a dez horas, nas missões do Frontex, programa de proteção de fronteiras no mar Mediterrâneo. Numa altura de crise humanitária, devido aos fluxos migratórios que já provocaram milhares de mortos, a tecnologia não tripulada poderá ser muito útil neste tipo de operações, uma vez que melhora substancialmente o tempo de resposta das autoridades.
Uma solução para a crise?
As 120 empresas que integram a IdD – Plataforma das Indústrias de Defesas Nacionais, representam, atualmente, 1,72 mil milhões de euros. A meta, em 2015, é fazer crescer as exportações portuguesas do setor da Defesa em 100 milhões de euros. “A médio prazo, é mais um elemento que ajudará Portugal a sair da crise”, afiança Eduardo Filipe, presidente da empresa tutelada pelo Ministério de Defesa Nacional, com a específica missão de promover no exterior as indústrias de defesa. Para tal, contam com 750 mil euros anuais do orçamento do Estado, além da sua principal fonte de financiamento: a destruição das munições obsoletas das Forças Armadas.
“Os mercados com potencial de crescimento são os mais interessantes. Neste momento são os países da CPLP, da Ásia, Brasil e Colômbia. Como não representamos uma ameaça, as empresas veem em nós um aliado com um nível de tecnologia que lhes interessa”, garante Eduardo Filipe. Integradas na comitiva da IdD – que em um ano já marcou presença em feiras na Colômbia, Índia, Abu Dhabi, Madrid e Brasil -, as empresas contactam diretamente com os decisores. Por exemplo, o stand português foi visitado pelos vice-ministros da Defesa da Colômbia, de Moçambique, da Mauritânia e de São Tomé e Príncipe. Além disso, o protocolo em vigor com a Associação Industrial Portuguesa permite que as empresas se candidatem a quadros comunitários e a concursos da NATO.
A OceanScan é uma das dez empresas especializadas em drones que faz parte da IdD. Nascida, em 2008, como uma spin off da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, tem um veículo subaquático com sensores e sonares integrados, bastante interessante para as Marinhas procurarem minas subaquáticas em cenários de guerra. Outras das missões da empresa de Luís Madureira e Alexandre Sousa, ambos formados em Eletrotecnia, é a inspeção manual dos navios, com uma trajetória pré-programada. São as empresas e entidades que trabalham no mar que mais requerem este meio autónomo para fazer inspeção subaquática, descobrir objetos ou pessoas no fundo do mar, fazer mapas de batimetria (equivalente a cartas topográficas) ou medir a qualidade da água e do oxigénio dissolvido. “A mais-valia de usar esta ferramenta é que ela não depende da perícia de um humano, é um robô autónomo que consegue ficar oito horas debaixo de água, o equivalente a um dia de trabalho”, conta Alexandre Sousa. Entre o pedido de um cliente e o aparelho estar pronto podem passar entre dois meses a um ano, consoante os requisitos, sendo que o mais simples ronda os 40 mil euros.
Ao contrário das missões subaquáticas que são difíceis de seguir, pois o drone entra na água e desaparece, a investigação coordenada pelo holandês Jan Jacob Keizer realiza-se sempre ao ar livre. Financiado pelo Qren, em cerca de 350 mil euros, o Projeto LUNA está a desenvolver o primeiro drone de monitorização da saúde das florestas. Num drone com seis motores usam um sensor multiespectral que sobrevoa áreas florestais a alta velocidade – uma estimativa aponta para 50 mil metros quadrados varridos a cada dez minutos, dependendo da altitude a que voa. É nas serras da Freita e do Caramulo que a equipa do Departamento de Ordenamento e Ambiente e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, em conjunto com os departamentos de Biologia e Química da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda têm realizado os ensaios de campo para detetar o stresse dos eucaliptais. As imagens obtidas pelos sensores permitem verificar a falta de água e de nutrientes bem como a eficácia de um tratamento contra uma praga ou determinar a mortalidade de plantas recentemente plantadas, após dias de geada ou de seca. Interessadas nesta tecnologia estão empresas de produção de eucaliptos, associações florestais e gestores de empresas florestais que plantam eucaliptos e acompanham o seu crescimento, para mais tarde fazer pasta de papel. Em breve, o trabalho que tem sido feito, a pé, por um técnico, será substituído por um “zangão” telecomandado.
Um brinquedo intergeracional
Todos os anos, Carlos Guimarães, 76 anos, vai a Nuremberga, na Alemanha, e percorre os 39 quilómetros de corredores da Spielwarenmesse, a maior feira de brinquedos do mundo. Em 2012, o dono da loja de modelismo Hobby Kit, no Beloura Shopping, em Sintra, começou a importar modelos de drones que vão desde os 35 euros e cabem na palma da mão, até aos aparelhos de 10 800 euros, só por encomenda. Na maior loja de modelismo da Península Ibérica não há um cliente-tipo. Tanto surgem senhoras apaixonadas por estes brinquedos, pais que querem oferecer um drone aos filhos, como mestres de obras, fotógrafos de casamentos ou vendedores imobiliários que agora usam as imagens aéreas como a nova forma de vender casas.
Este ano, as receitas do mercado global de drones para consumo devem atingir os 130 milhões de dólares, segundo a Associação de Eletrónicos de Consumo (CEA). Só no último Natal, Carlos Guimarães vendeu cerca de 300 unidades, entre os 150 e os 300 euros. No total do ano, chegou aos mil equipamentos. Na montra estão alguns dos best-sellers, capazes das maiores acrobacias. Feito de esferovite de alta densidade e plástico, o Ninco Air Max tem 52 centímetros de envergadura, uma câmara de 720 pixels (imagem HD), aguenta até 450 gramas e custa 150 euros. Outro modelo, da americana Parrot, é uma espécie de câmara transformada em drone, ideal para quem não quer gastar muito dinheiro (€499) para fazer vídeos de qualidade. Ao contrário de um brinquedo que quando se parte vai para o lixo, na Hobby Kit vendem-se, em separado, os componentes de um drone, desde parafusos, pás das hélices, motores, corpos, circuitos integrados, baterias e gimble (estabilizador).
Fotógrafo de casamentos há 15 anos, Carlos Fernandes, 42 anos, antecipou-se ao mercado e há dois anos e meio investiu quase quatro mil euros em dois quadcóteros DGI Phantom 2 e quatro baterias para filmar os casamentos. “Na altura as pessoas não pediam vídeo mas nos Estados Unidos e, mesmo aqui ao lado, em Espanha, muitos fotógrafos já usavam esta técnica”, explica o dono da Sem Asa. “Quando não há orçamento para ter um helicóptero, ou em locais de difícil acesso, o drone é ideal”, esclarece o fotógrafo. Muitas vezes os noivos não querem vídeo do dia do casamento mas mudam de ideias quando Carlos Fernandes lhes fala das imagens aéreas captadas pelo UAV. Desde 2012, um terço do seu trabalho já é feito com o drone, que complementa as imagens captadas em terra firme.
Num final de tarde calmo, na praia da Sereia, na Costa de Caparica, a centena de convidados está com o nariz no ar. A presença do drone avisa que a noiva está a chegar. Já no final da cerimónia, quando a conservadora pergunta se “alguém se opõe a este casamento, que fale agora ou se cale para sempre”, ouve-se um intenso bzzzzzz… o drone arrancou sorrisos a todos os presentes, registando-os com a sua perspetiva invulgar – um olhar vindo dos céus, como que abençoando o amor de Sara e David.
Drones voam num vazio legal
O facto de não existir legislação específica em Portugal sobre o uso de drones fez com que a Comissão Nacional de Proteção de Dados emitisse um parecer negativo quanto ao uso deste equipamento pela PSP na final da Taça de Portugal, no passado dia 31 de maio. Em simultâneo, foi arquivado pelo Ministério Público o inquérito instaurado na sequência do uso de drones pela polícia na operação de segurança da final da Liga dos Campeões, em 2014, em Lisboa. Confuso?
O assunto presta-se a confusões porque está ainda a ser finalizado pela Autoridade Nacional da Aviação Civil um projeto de decreto-lei que visa regular a utilização no espaço aéreo nacional de aeronaves não tripuladas de peso igual ou inferior a 150 quilos. Em países como a Alemanha, Espanha, Reino Unido, França, Itália, Suécia e Noruega a legislação já existe e, baseada no tamanho, na atividade e na complexidade da operação aérea, é menos proibitiva que a da aviação civil.
“O drone tem um tamanho muito mais pequeno, uma atividade menos exposta ao risco do que a de um avião e de complexidade tecnológica inferior. A futura legislação irá especificar também quais as escolas, as matérias, os conteúdos programáticos e as cargas horárias obrigatórias para obter uma licença para pilotar drones”, esclarece Rui Santos, diretor executivo da Absant-Consult, empresa de consultoria e formação em aviação civil.