Visão | Demasiado gay para ser actor?

Demasiado gay para ser actor?

Um cronista da Newsweek lançou a controvérsia ao afirmar que os actores homossexuais não conseguem representar papéis heterossexuais. Leia o texto da VISÃO desta semana, a crónica original (em inglês) e dê a sua opinião

Sean Hayes (na foto), gay assumido, é um dos actores que a Newsweek dá como (mau) exemplo. Em baixo, o link para a crónica original e o texto publicado, esta semana, na VISÃO. Leia e dê opinião no final desta página

http://www.newsweek.com/2010/04/30/straight-jacket.html

POLÉMICA: Ser ‘gay’ e parecê-lo

Pode um actor homossexual interpretar o papel de heterossexual? A Newsweek diz que não, dando um exemplo da série Glee – e indignando muita gente

“É ok actores heterossexuais representarem gays (como Jake Gyllenhaal e Heath Ledger, em Brokeback Mountain), mas é raro alguém conseguir fazer o contrário.” Com esta frase crua, a meio de uma crónica, na Newsweek, Ramin Setoodeh resume a sua opinião sobre o tema. O colunista apresenta duas “provas” para sustentar estas palavras. Primeira, o desempenho, numa peça da Broadway, do actor Sean Hayes (conhecido do público português por Jack, uma das personagens gays de Will e Grace, e que recentemente saiu do armário) – comenta Ramin que a sua óbvia homossexualidade destrói um papel que deveria transpirar virilidade. Segunda, a desastrada entrada na série Glee, de Jonathan Groff, outro gay assumido, para interpretar Jesse St. James, o miúdo que rouba o coração de Rachel, mas com tiques tão vincados que, segundo o artigo da Newsweek, fariam dele um par bem melhor para o gay Kurt.

Sem grande surpresa, a crónica Straight Jacket (“Colete de Forças”, um trocadilho – straight também é gíria para hetero) incendiou o mundo do espectáculo e foi por muitos considerada homofóbica. De pouco valeu a Ramin Setoodeh – ele próprio homossexual – explicar, mais tarde, que o seu objectivo era demonstrar que um actor não pode revelar a sua sexualidade, porque, a partir daí, passa a ser escrutinado por um público preconceituoso e discriminado por Hollywood, como terá acontecido com Rupert Everett (o actor inglês assegura que deixou de ser contactado, após assumir a sua sexualidade). A reacção mais violenta veio do criador de Glee, ao apelar a um boicote à Newsweek. Mas, no meio de todo o ruído, haverá alguma substância nas palavras de Ramin? Afinal, seis actores que se dizem hetero já levaram Oscars por interpretarem gays ou lésbicas – e o contrário nunca aconteceu.

Paulo Côrte-Real, 35 anos, presidente da ILGA-Portugal, dá o preconceito nos estúdios de cinema como culpado da discriminação que ainda subsiste, mas nota uma tendência crescente para a aceitação. “Há cada vez mais actores gays ou lésbicas que têm uma boa carreira: Ian McKellen, Ellen DeGeneres, Cynthia Nixon…” Apesar disso, o número reduzido de artistas que se assumem leva o dirigente da associação de intervenção lésbica, gay, bissexual e transgénero a referir o “medo da discriminação”, a que Portugal não escapa. “Não sei porquê, atendendo ao número de casos que temos e sem qualquer impacto na carreira das pessoas. Ana Zanatti, Victor de Sousa, Solange F. e Manuel Luís Goucha são alguns exemplos.”

Entre as histórias de homossexualidade escondida, a de Rock Hudson é, talvez, a mais emblemática. “Se a tivesse assumido, perderia o élan da masculinidade e o seu estatuto. Acontece o mesmo noutras áreas, como o futebol: pessoas que deixariam de ser ídolos, devido ao imaginário de machismo do público”, garante António Serzedelo, 65 anos, presidente da Opus Gay. Em relação à crónica da Newsweek, o mais antigo militante português de defesa dos direitos dos homossexuais considera-a preconceituosa. “Isso é o mesmo que dizer que actores sãos de espírito não podem interpretar personagens com problemas mentais. Admito que alguns actores gays não se adaptem a determinados papéis – da mesma forma que qualquer actor, homossexual ou heterossexual, pode não se adaptar.” Ou seja, o eventual facto de Jonathan Groff não conseguir representar o seu papel em Glee não prova que os gays não conseguem passar por heterossexuais – no limite, apenas demonstra as suas fragilidades como actor. Afinal, representar é passar por alguém que se não é.