Confinamento é palavra com pouco significado no Bairro dos Navegadores, em Porto Salvo, Oeiras. Está bom tempo e a vida faz-se na rua, com ou sem Covid. Os miúdos sobem e descem de bicicleta as ruas encurraladas entre os prédios amarelos e cor-de-rosa, todos iguais. E os mais velhos sentam-se nos muros de cerveja na mão, depois de irem buscar a bebida a um dos três cafés do bairro, que hoje servem à janela.
Alexandra Gameiro, 43 anos, vive aqui há 15, desde que perdeu a sua casa em Pombal e a Câmara de Oeiras lhe ofereceu esta possibilidade. Vem a descer a rampa em direção à Associação de Moradores de que faz parte; veste um quispo e calça chinelos de enfiar no dedo. Vinha ver se via Ana Gomes – que lhe disseram que ia passar por aqui, este domingo – mas fica indecisa sobre se deve esperar ou não. Já sabe que é em Ana Gomes que vai votar para Presidente da República no dia 24 de janeiro e não precisa de falar com ela. Já viu os debates.
Também simpatiza com Marcelo Rebelo de Sousa, que a seu ver “já fez coisas muito boas”, mas “as palavras de Ana Gomes” conquistaram Alexandra Gameiro, para quem o principal objetivo é que André Ventura seja arrasado nestas eleições. “Esse não mete cá os pés”, provoca. “Se viesse aqui enforcávamo-lo logo”.
E apressa-se a desfazer os argumentos do líder do Chega, que acusa frequentemente a comunidade cigana de ser dependente de subsídios: “Eu trabalho desde os 14 anos, toda a minha vida me levantei cedo para trabalhar. Cheguei a fazer turnos de manhã e à noite numa fábrica. Só não trabalho há dois anos, porque tenho de cuidar da minha filha que tem esclerose e não pode estar sozinha”.
A dúvida sobre se deve ficar ou não desfaz-se assim que Ana Gomes sai disparada do carro e começa a cumprimentar todos quantos se atravessem no seu caminho, até chegar a Alexandra. Ana Gomes fica a saber que tem o voto garantido e deixa claro que gosta “de pessoas de todas as cores” e que se sente bem recebida no bairro dos Navegadores.
“Porque é que está aqui?”, pergunta-lhe de seguida um morador mais desconfiado.
“Vim ver o que posso fazer para vos ajudar”, declara Ana Gomes, que agrada de imediato até ao mais cético. Sem inibições a resposta também vem pronta: “fazia aqui falta um sítio para os reformados conviverem, para jogarmos às cartas, um palco, talvez”, pede.
Ana Gomes olha à sua volta para o bairro que ainda mal teve tempo de analisar, vê um espaço por preencher e sugere de imediato que “não é difícil meter ali uns bancos de pedra para que as pessoas possam estar”.
Espaço é coisa que não falta à volta. O bairro dos Navegadores fica afastado de tudo. É um aglomerado de prédios, onde há três cafés, um supermercado, uma associação para tomar conta dos jovens, um parque infantil e mais abaixo uma escola primária; tudo o resto está a quilómetros de distância. Vivem aqui cerca de 400 famílias, muitas delas numerosas. “Há casas em que vivem 12 pessoas”, explica Joana Gama, a presidente da Associação de Moradores, que serve de guia à candidata presidencial e que orienta a ajuda alimentar e a segurança do bairro, onde há uns anos nem a polícia conseguia entrar, admite.
“Se quiser mais do mesmo vote em Marcelo, mas se quiser diferente vote em mim”
Ana Gomes aceita o convite para ir conhecer a vizinhança e quer falar com todos, com os mais novos sobre a escola, com os adolescentes sobre o emprego e o futuro, com os mais velhos sobre as condições de vida. Sempre com pouco distanciamento e às vezes nenhum. Já ia a descer as escadas para a parte de baixo do bairro quando um jovem com ascendência cabo-verdiana lhe admite que ainda está indeciso entre si e Marcelo. Eis a oportunidade de angariar mais um voto:
“Se quiser mais do mesmo vote em Marcelo, mas se quiser diferente vote em mim”, diz Ana Gomes, que desenrola a sua lista de desejos para o país, realçando, em particular, o espaço que quer dar aos jovens e as condições laborais e de vida. O jovem defende Marcelo, que não teve tempo de fazer melhor com uma pandemia a dificultar-lhe os planos, argumenta, mas a candidata apoiada pelo Livre (também presente neste dia de campanha) e pelo PAN, retorque: “O professor Marcelo já cá veio? Já cá podia ter vindo…”.
Marcelo também é popular entre os habitantes do bairro dos Navegadores, mas Ana Gomes conquistou-os com a sua presença. Um grupo de mais de 15 pessoas de etnia cigana gritam-lhe, muitos sem máscara, de uma varanda comum: “Pode contar com o nosso voto. Esteja descansada que a comunidade cigana vai toda votar em si. Aqueles que descendem de Hitler vão aprender uma lição”.
Ana Gomes aproveita a deixa para lembrar: “Sabe o que é que eu lhe disse [a André Ventura] quando ele me chamou a candidata cigana? Sou sim, com muito orgulho”. E esta deixa arranca aplausos e abraços com os cotovelos.
António Ramiro, 50 anos, também de etnia cigana, atravessa-se e começa a analisar as possibilidades da candidata. “Deviam-se ter unido todos à esquerda”, diz, enquanto o cigarro se vai esmorecendo entre os dedos da mão direita, porque a conversa que encontrou no passeio lhe prende mais a atenção. “Lá em casa vamos todos votar em si para que fique em segundo lugar”.
“Em segundo?”, indigna-se Ana Gomes. “Já sabemos quem é que vai ganhar..”, explica António Ramiro. “Mas nós queríamos que fosse a doutora. A doutora pode contar com o voto de todos os ciganos”.