Marcelo confessou-se: não pensava recandidatar-se, mas a pandemia trocou-lhe as voltas à conceção que tem quanto a mandatos únicos; se continuar como chefe de Estado, o Governo não terá a vida dificultada por Belém até 2023; e chegou a equacionar não marcar as eleições, devido ao risco de uma terceira vaga, a que chegou a aludir numa sessão do Infarmed, esperando que a legislação permita o voto domiciliário.
Este podia ser o resumo do debate, na RTP 3, esta quinta-feira, em que Vitorino Silva transformou-se num cicerone, arrancando tais declarações ao recandidato presidencial, como se de uma sessão de psicanálise se tratasse. Aliás, Marcelo fez questão de frisar que Tino “deve continuar como comentador se não for eleito presidente”.
Após abrir o peito de tal forma, justificando que até agora “em nenhum debate ninguém perguntou” por tais temas, Marcelo Rebelo de Sousa foi apunhalado pelo famoso Tino, que o acusou de populista. Mas, Marcelo não se ficou e aproveitou a deixa para apontar a André Ventura: que gosta de “aparecer como populista” e “não aprecia que haja outros que sejam próximos do povo”.
Mostrando estar atento ao último debate de Tino, frente a Ana Gomes, onde aludiu à falta de um equipamento de ressonância magnética no Hospital de Penafiel, Marcelo apurou, em 24 horas, que o equipamento de 1,2 milhões de euros estará a caminho.
Veja as frases que marcaram o debate:
Confinamento como o primeiro
MARCELO REBELO DE SOUSA
“Se continuar a este ritmo mais elevado de infeções – 9000, 10000 – então vamos ter de equacionar um confinamento muito mais rigoroso, exceto, porventura, o encerramento de escolas. [Semelhante ao que aconteceu em março e abril] com a exceção das escolas“.
Contexto: Com o dia 12 à porta, em que se decidirão novas medidas restritivas, Marcelo já levantou a ponta do véu ao que aí vem, e tudo indica que será o regresso do país a um cenário de confinamento quase total, em que apenas os alunos serão a exceção.
Adiamento das eleições
MARCELO REBELO DE SOUSA
“Será que o próximo regime [do estado de emergência] salvaguarda a campanha eleitoral? Sim. Será que salvaguarda o desconfinamento para o voto? Obviamente. No dia de voto haverá liberdade de circulação, de deslocação, para permitir o direito de voto.”
“Ainda assim, fica esta dúvida – e foi uma dúvida que me percorreu o espírito e foi largamente aquilo que fiz antes de convocar as eleições: imagine-se que se agrava a situação . [Mas] Para haver um adiamento era preciso uma revisão constitucional. Neste momento, encontramo-nos num momento em que não vejo que a revisão constitucional seja feita em tempo útil.”
“Há uma lei que prevê o voto domiciliário para quem não possa ter acesso aos locais de voto – espero que, e é um apelo grande, e faço como presidente da República, Nunca em Portugal se viveu uma eleição como neste período. [Mas]Não há nada pior que os sistemas onde a abstenção vai subindo .
VITORINO SILVA
“As escolas não fecham? Numa freguesia de Ermesinde votam 35 mil pessoas. Naquela escola vão passar milhares e milhares de pessoas.”.
“Imaginemos que não há 50% de votantes. É legítimo o presidente ser eleito com menos de 50%? Quando há um referendo e não tem 50%, é para rasgar. Pergunto se acha que se a eleição tiver menos de 50% deve ser rasgada? Há muita gente que não vai votar por medo.
“Fico muito triste com a abstenção . Estou a fazer tudo para que os jovens vão votar. Tendencialmente ,o voto idoso vota em si. E o meu voto é o do caviar e o da sardinha, mas é mais sardinha. Nas ultimas eleições não consegui chegar ao voto caviar.”
Contexto: Foi Vitorino Silva quem trouxe à colação, no debate com Ana Gomes, a necessidade de se ter equacionado um adiamento do sufrágio, a 24 de janeiro. Marcelo acabou por admitir que colocou essa dúvida aos partidos, mas que não haveria tempo para alterações na Lei Fundamental, que permitissem alterar o calendário. Ainda assim, o recandidato a Belém teme a abstenção provocada pela pandemia.
Segundo mandato de Marcelo
VITORINO SILVA
“Na altura das diretas [no PS, em 2014], o António José Seguro queria tomar um café comigo e encontrámo-nos no Porto, e na altura disse-me que ia concorrer contra o António Costa e precisava de assinaturas. E eu disse-lhe que os meus conselheiros me disseram que eu iria apostar no cavalo errado. E eu disse ao AJS que era o cavalo errado.”
“Quando disse [nos debates anteriores] que o Marcelo embalava o Costa e o Costa embalava o Marcelo é porque havia interesse no amanhã e qual é o amanhã? O Marcelo não ia estar cinco anos, queria estar dez [em Belém].”
“É claro que o António Costa não quer que Marcelo tenha 70%, porque depois tem muito mais força.” “O PS quando percebeu que o grande objetivo de Ana Gomes é ficar em segundo [desistiu de apoiar a candidata]. Neste momento, estou sujeito a ter muito voto do PS.”
MARCELO REBELO DE SOUSA
“A minha intenção não era fazer os dez anos. Era longo demais. E foi a pandemia um fator preponderante relativamente à recandidatura. A pandemia foi decisiva. Não poderia sair a meio de um processo, tendo assumido a responsabilidade de decretar o estado de emergência.”
“Não posso deixar o barco.”
“Como vai ser o segundo mandato: daqui até 2023 a legislatura deve durar, do que depender do presidente da República. Vamos ter uma crise profundíssima, económica. Depois de 2023, é o povo quem mais ordena.“
“O comentador Marcelo morreu no dia em que foi eleito o presidente Marcelo.”
Contexto: Vitorino Silva tinha referido em anteriores debates uma estratégia concertada entre Marcelo e António Costa, para que o atual presidente da República se recandidatasse. Porém, Marcelo justificou voltar a correr a Belém pela pandemia e ainda assegurou que, por ele, não haverá problemas com o Governo até ao fim da legislatura.
Populismo
VITORINO SILVA
“Ninguém nestas eleições ninguém vai votar na direita ou na esquerda. A direita e a esquerda não vão a votos, são as pessoas. Na minha rua, quando subo, a casa fica à direita. E quando desço, fica à esquerda.”
“Há três políticos do exílio dourado – Ana Gomes, Marisa Matias e João Ferreira [Parlamento Europeu]. E depois há dois políticos com carisma: que sou eu e o Marcelo. Não há cadeiras de carisma, nem professores de carisma. Ou se nasce com carisma…”
“E depois há o popular: há três candidatos que são muito populares. Toda a gente conhece: quem conhece o Vitorino conhece o Marcelo, quem conhece o Marcelo conhece o Ventura. Que são muito populares. Mas há só o popular, que sou eu. Depois, há o popular populista. E depois um populista popular. Eu sou apenas popular.”
“Até acredito que Marcelo Rebelo de Sousa não percebe bem a fronteira. E até posso estar enganado. As pessoas gostam muito do Marcelo, é de longe o mais popular. Eu pessoalmente, gosto muito do Marcelo.”
MARCELO REBELO DE SOUSA
“Populista é aquele que diz coisas que as pessoas querem ouvir. Muitas vezes o presidente da República tem de dizer coisas que as pessoas não gostam de ouvir.”
“Populista é aquele que diz coisas que as pessoas querem ouvir. Muitas vezes o presidente da República tem de dizer coisas que as pessoas não gostam de ouvir.”
“Quem queira aparecer como populista não aprecia que outros cheguem em termos de proximidade ao povo.”
Contexto: Para Vitorino Silva, Marcelo Rebelo de Sousa é um populista. Mas o recandidato a presidente da República assegurou que não, porque enquanto chefe de Estado nem sempre tem tido um discurso popular. E ainda atirou em André Ventura, por querer “aparecer como populista”.
Troca de galhardetes
VITORINO SILVA
“Ó presidente, se quiser ir fazer campanha e Penafiel, na avenida principal, depois da Covid, Você vai pela direita e eu vou pela esquerda.“
MARCELO REBELO DE SOUSA
“A subir [a avenida]. A descer, venho eu pela esquerda e você pela direita“.
Contexto: Vitorino Silva já tinha dito que era um homem de esquerda às direitas e hoje usou uma metáfora para defender que a divisão esquerda/direita é cada vez mais ténue e deu o exemplo de uma rua em que “quando se sobe a casa está à esquerda, mas quando se desce está à direita”.