António Costa – Em dois anos o Dr. Rui Rio perdeu metade da vontade de reduzir impostos…
Rui Rio – Nestes dois anos, tivemos uma pandemia.
António Costa – Ahhhh!…
… O debate teve seis ingreditentes: governabilidade, impostos, salários, Saúde, Justiça e TAP. E alguns – poucos – diálogos diretos como este, em que ambos os putativos primeiros-ministros do pós 30 de janeiro esgrimiram uma congénita tendência para a ironia depreciativa. “O senhor está a pôr em causa a capacidade do SNS após estes dois anos de pandemia?!”, pergunta António Costa, colocando o seu melhor ar escandalizado. “Não vale a pena fazer teatro…” desarma-o Rui Rio, mal podendo conter o riso. O insólito veio de Costa, que parecia um vendedor da Planeta Agostini, a mostrar a capa do livrinho do Orçamento de Estado para 2022, uma espécie de programa alternativo do PS. E de tal forma apostou na imagem, que, no final do debate, continuou a levantar o caderninho, para as câmaras. Seria a Bíblia?
Vivo, interessante, cheio de conteúdo, em que as diferenças ficam bem marcadas – sem que se estabeleçam incompatibilidades inultrapassáveis, o que também é significativo… – dois homens preparados esgrimem argumentos num teatro – lá está… – recuperado para grandes eventos: o Capitólio, no Parque Mayer, em Lisboa. Porque a política também pode ser um espetáculo.
Ao contráro do que aconteceu em 2019, porém, Rui Rio, o opositor, não conseguiu marcar uma expressiva vantagem no tète a tète da pole position para as eleições. O que vimos foi um António Costa avisado, descontraído, com um discurso claro e uma dicção estranhamente limpa – “vou falar bem devagar”… – e com a lição estudada, como se tivesse antecipado todos os movimentos do adversário. Mas também vimos um Rui Rio aguerrido, mais prático, por vezes desconcertante, mas incapaz de evitar momentos defensivos desesperados, quando o seu programa era atacado – “O dr. Rui Rio tem aqui uma proposta [área da Justiça e composição do Conselho Superior de Magistratura] de que eu nunca ouvi falar…” (António Costa). Nota importante: nem por uma vez as expressões extrema-esquerda ou extrema-direita foram invocadas. PCP, Bloco, geringonça ou Chega (acordo dos Açores, por exemplo) não existem ou foram olimpicamente ignorados. Rui Rio e Costa terão acordado, nos bastidores, que o Chega não podia, desta vez, ter palco? Estes homens não perdem tempo com minundências. Agora, e até 30 de janeiro, é – só – entre eles.
GOVERNABILIDADE
Se alguma novidade houve, sobre os cenários para o pós-eleições, foi pelo lado de António Costa, ao ter colocado a hipótese de governar negociando “à linha”, como Guterres, e ao ter-se descaído: “Nós não sabemos que resultado vai ter o PAN (ignorou o Livre, está farto de partidos “à esquerda”?). Um wishfull thinking que lhe permitiria dispensar os ex-cônjuges BE e PCP. Rui Rio alertou para o perigo de Costa não ter soluções e entregar o PS a Pedro Nuno Santos, colocando o BE no Conselho de Ministros. O líder do PSD atacou bem, com base nesse “pesadelo”: “Em 2015, o Dr. António Costa não esclareceu o que iria fazer. Desta vez, tem de esclarecer. Os portugueses têm de votar em conscência”. Costa tentou fugir e começou a falar dos programas, mas os pivôs recolocaram-no no trilho e foi então que puxou de uma manchete do Expresso em que avisara, antes das eleições, que chumbaria um governo minoritário de direita. Foi a fuga possível, mas Rio marcou um ponto. No único momento em que se falou de geringonça, foi para termos a confirmação de que ela já não existe (António Costa). Sobre a governabilidade à direita, nada. O Chega não é para aqui chamado.
IMPOSTOS
Um dos temas fraturantes entre PS e PSD: que impostos devem baixar e a que ritmo? Rui Rio diz que é preciso criar riqueza e depois distribuí-la. Ajudar as empresas, para que possam pagar melhor e criar mais emprego. Depois, vêm as famílias, porque sendo “simpático” prometer menos IRS para amanhã, ele não tem “uma ótica das eleições para amanhã, mas sim uma ótica de futuro”. De forma desarmante, Costa começou a exibir o caderninho do Orçamento de Estado para 2022, um documento de que muito se orgulha e que parece servir tanto de talismã como a sua gravata verde (de esperança numa maioria absoluta): o OE começa a reduzir o IRS, precisamente, amanhã. Em matéria de impostos, curisosamente, ambos querem atingir os mesmos objetivos, mas de forma diferente. Assim, embora as diferenças entre programas sejam nítidas, a filosofia é comum. E este é um dos exemplos em que houve diferenças sem incompatibilidades inultrapassáveis. O Bloco Central esteve escondido na sombra, mas com o rabo de fora. Mas, aqui, pela maior clareza de objetivos – um documento na mão e uma proposta concreta – um ponto para António Costa.
SALÁRIOS
O salário mínimo, afinal, nivela por baixo ou potencia uma melhoria salarial geral? É certo que quem ganha o salário mínimo nacional não paga IRS, pelo que é falacioso falar-se de aumento de receita fiscal por esta via. Mas a política que tem sido seguida acaba por potenciar a emigração, ou fixa a geração “mais bem preparada de sempre”, segundo o jargão da moda? Rui Rio nunca deixa de de piscar o olho ao eleitoralismo: sim, ninguém como ele quer mais aumentar o salário mínimo. Sim, se a inflação for grande, 900 euros em 2025 ainda é pouco. Sim, os funcionários públicos devem ver os seus salários atualizados em linha com a inflação e até um bocadinho mais. Mas… Mas… E mas: “O salário mínimo subirá em linha com a inflação e com os ganhos de produtividade”. Não é uma preocupação social. António Costa não coloca condições: a subida dos salários é um objetivo dos parceiros sociais. Mas Rui Rio contra-ataca: em 20 anos, o PSD só governou sete e quatro desses com o programa da troika, negociado pelo PS. E Portugal é o País com a mediana de salários de 900 euros, a mais baixa da Europa, tirando a Bulgária”. Um ponto para Rui Rio.
SAÚDE
Rui Rio procura desmontar “um mito”: ele não quer desmantelar o SNS porque a Saúde e a Segurança Social “devem ser predominantemente públicas”. Ainda assim, e aqui o debate começou a aquecer bastante mais, (atingindo o ponto de ebulição na área da Justiça…) António Costa confronta Rui Rio com a proposta de revisão constitucional, em que o PSD substitui a expressão do “tendencialmente gratuito” pela de que ninguém fica sem assistência por “incapacidade económica”. Ou seja: um bom serviço para quem pode pagar e serviços mínimos para quem não pode – e a oneração da classe média. Que pode. Rui Rio não conseguiu esclarecer. Podia ter dito que o serviço será sempre o mesmo, embora alguns o possam pagar. Mas, se calhar, não é assim… Ficamos sem saber. A questão do médico de família para todos é uma fragilidade de Costa, por ser uma promessa não cumprida, mas foi pouco explorada por Rui Rio, que inventa o conceito de um médico assistente, contratado aos privados, enquanto não há médico de família. Um dos momentos em que, em vez de atacar, Rui Rio se explica – e se enrola. Um ponto para António Costa.
JUSTIÇA
É, historicamente, uma das guerras mais polémicas de Rui Rio. Com um diagnóstico certo – a morosidade, o corporativismo, a arbitrariedade de titulares de um órgão de soberania não eleitos nem escrutinados, está lá tudo. Remédio? Controlar, politicamente, o Ministério Público. Por maiores que sejam as explicações, vamos sempre dar ao mesmo – e António Costa explorou até à carne viva esse “perigo”. No fundo, como insinuou, quando sugeriu a Rui Ro um telefonema a Paulo Rangel – seu ex-adversário interno, no PSD, e deputado europeu muito crítico da Polónia – Rio parece defender uma solução “à polaca”, ou seja, a governamentalização da Justiça. Sem presença de espírito para confrontar Costa com as suas contradições – por exemplo, a nomeação do procurador europeu… – Rui Rio foi trucidado, neste tema. Vários pontos para António Costa.
TAP
Pode Antóno Costa exibir muitos números que provem a importância de uma companhia de bandeira como a TAP (independentemente de se poder argumentar que o vazio seria sempre ocupado por outra companhia concorrente, que teria impacto económico semelhante): mas Rui Rio trouxe para este confronto a “fotocópia” mais demolidora de todos os debates: um bilhete da TAP correspondente a um voo Madrid-São Francisco, em que um espanhol que apanhe o voo em Barajas paga 150 euros e um português que o faça na escala, em Lisboa, do mesmo voo, paga mais de 600 euros. Num debate onde Rui Rio chegou a comparar Costa a André Ventura, um argumento tão “populista” como este acaba por destruir toda a argumentação de Costa, que previu tudo menos isto. Um ponto para Rui Rio.
ALGMAS FRASES
António Costa:
“A 30 de janeiro, se ganhar sem maioria, terei de conversar com os partidos representados na Assembleia da República. Não sabemos qual será o resultado do PAN”.
“O Dr. Rui Rio quer discutir as fórmulas políticas [governablidade], não os programas políticos”.
“No dia em que terminar a discussão do programa do Governo, nós apresentamos o Orçamento para 2022. E ele prevê uma redução do IRS para este ano e não eventualmente, para 2025, como diz o Dr. Rui Rio”.
“O Dr. Rui Rio quer que a classe média pague o SNS”.
“O programa do PSD é muito perigoso no que diz respeito à Justiça. E meço bem a palavra ‘perigoso’…”.
“Faça um telefonema para Dr. Paulo Rangel para saber porque é que a UE está em conflito com a Polónia…”.
Rui Rio:
“Se PS ganhar sem maioria, teremos Pedro Nuno Santos a liderar e o Bloco de Esquerda dentro do Governo”
“O que é que vai fazer depois de 30 de janeiro? Os portugueses têm de votar em consciência, têm de ser esclarecidos”!
“António Costa teve funções de responsabilidade em todos os governos que colocaram Portugal na cauda da Europa e com a maior carga fiscal”.
“O aumento do salário mínimo tem de ter em conta a inflação e os ganhos de produtividade”.
“O Dr. António Costa quer obter os resultados que não conseguiu, mas com as mesmas políticas”.
“Dr. António Costa, não vale a pena fazer teatro…”.
“O Dr. André Ventura não faria uma intervenção muito diferente do Dr. António Costa [discussão sobre Justiça]