Na semana em que os bispos se reunem (sexta-feira) para decidir o que farão a seguir, depois do relatório da Comissão Independente sobre os abusos sexuais de menores na Igreja Católica Portuguesa, o padre Fernando Calado Rodrigues, 54 anos, sacerdote da diocese de Bragança-Miranda e presença regular como cronista em órgãos de comunicação social (escreve, atualmente, no Jornal de Notícias) foi o convidado do Irrevogável. O padre Calado, como é tratado por paroquianos e amigos, estudou Comunicação Social em Roma, é pároco em Bragança, capelão do Estabelecimento Prisional dessa cidade e do Instituto Politécnico local. além da intensa colaboração na imprensa, é autor do livro “O Futuro da Igreja” (Clube do Autor, 2014) onde já abordava os escândalos da pedofilia e do Banco do Vaticano, o problema do celibato dos padres, o papel das mulheres na Igreja, as novas famílias e o acesso aos sacramentos ou o diálogo interreligioso.
Para Calado Rodrigues, a cultura de encobrimento que, reconhece, foi a regra, na instituição a que pertence, “terá acabado, depois destas revelações”. O padre Calado reconhece que, “de início até terá havido uma maioria, na hierarquia católica nacional, que desconfiava da transparência e que preferia a reserva; mas, depois do que foi revelado, já ninguém pode defender qualquer tipo de encobrimento”.
O sacerdote (que prefere ver-se como presbítero) adverte que “isto é apenas o inicio de um processo” e que, depois do sucesso do trabalho da Comissão, o ideal será “a constituição de uma segunda comissão independente”, para continuar este trabalho. “Está visto que as vítimas não confiavam nas comissões diocesanas entretanto constituídas e que é necessário que o processo prossiga, nas mãos de quem as vítimas possam confiar, ou seja, entidades e personalidades independentes”.
Calado Rodrigues reconhece: “Toda a gente percebe que a Igreja está a atravessar uma crise; mas é nestes momentos de crise que se fazem as grandes reformas e que a Igreja se regenera”. Entre essas reformas, propõe um novo conceito de padre, que pode passar por vários formatos: “O celibato só existe desde o século XII e, na Igreja Oriental, nem sequer vigora essa exigência. Temos de caminhar para um novo conceito de comunidade eclesial, com a maior participação de leigos e de onde possam emergir os líderes, em cada uma das comunidades, habilitados a conduzir as paróquias e os respetivos serviços religiosos.” Calado Rodrigues, que já abordou o tema na obra citada, chama-lhes os “padres pós-modernos”. E isto “inclui pessoas casadas, pessoas solteiras e mulheres”. Perguntou a VISÃO, numa analogia castrense: “Haverá então, uma diferença entre padres ‘milicianos’ e padres de academia [seminário]?…” Calado Rodrigues admite que esses novos padres possam ter uma formação específica, para exercer o seu ministério, mas recusa esse tipo de divisões: Aliás, ao contrário do que aconteceu no 25 de Abril, lembra que “as revoluções podem ser feitas por ‘milicianos’, porque elas, muitas vezes, vêm de baixo”…
Calado Rodrigues defende o conceito do sacerdote-presbítero, que está perto dos fiéis, em detrimento dos que apenas se preocupam na administração dos sacramentos. “A Igreja não é um supermercado de serviços religiosos!”, afirma.
Sobre a alegada falta de qualidade da hierarquia e dos bispos portugueses, o défice de espaço para o pensamento, para o debate e para a reflexão, Calado Rodrigues reconhece que existe a perceção pública de alguma falta de massa cinzenta, mas diz que “a Igreja não são só os bispos, nem só os padres”. Critica, isso sim, o facto de haver dioceses que passam longos períodos sem bispo, como acontece, atualmente na sua “casa” de Bragança-Miranda, “ainda por cima no ano da Jornada Mundial da Juventude em Portugal, o que é incompreensível”, queixa-se.
Calado Rodrigues aponta para os riscos da tensão existente entre uma ala mais progressista e apoiante do Papa Francisco e outra mais conservadora, e crítica. “Sim, há quem defenda que corremos um risco de um cisma e há quem faça uma analogia entre os tempos atuais e os que se viveram antes da Reforma. Claro que as temáticas são muito diferentes. Mas, na verdade, estas tensões sempre existiram e continuarão a existir”. Mas, a propósito, faz uma observação curiosa sobre as chamadas “Missas Antigas”, que alguns padres, exibindo uma militância mais conservadora, defendem e praticam. Nomeadamente, as missas em Latim, e com o sacerdote virado para o altar e de costas para os fiéis, segundo a liturgia pré-Vaticano II, (missas, aliás, autorizadas pelo Vaticano): “Esse conceito de Missa Antiga tem muito que se lhe diga. A chamada ‘Missa Antiga’ tem 500 anos. Mas a Igreja tem 2 mil anos. Antiga seria se a celebrássemos em Aramaico… Esta coisa de se dizer que ‘sempre se fez assim’ é muito discutível”. A propósito, e ao preconizar um futuro católico baseado no que chama as já citadas “comunidades eclesiais”, antevê, aqui sim, uma espécie de “regresso às origens”.
Sobre a Igreja e a sexualidade, é perentório. “Nessa matéria, a Igreja não tem de ser permissiva, mas também não deve ser repressiva. É como na política: antigamente, a Igreja tinha posições e orientações marcadamente políticas. Depois, abandonou isso e passou a defender os chamados valores. Com a sexualidade, é a mesma coisa. Não tem nada que se preocupar com os comportamentos de cada um, mas sim preocupar-se em propor certos valores”.
Em vários momentos da entrevista, o padre Calado teve o cuidado de recordar: “Não sou eu que o digo: o Papa Francisco ja defendeu isto mesmo”.