Tiago Oliveira, que lidera a AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, uma entidade que surgiu na sequência das recomendações das duas comissões que investigaram os incêndios de 2017, é claro quanto ao risco de o País poder assistir a catástrofes como a que aconteceu em Pedrógão Grande há precisamente cinco anos.
“Não é um ‘pode’. E também não é um ‘se’. Aquilo vai voltar a repetir-se. A questão é: as consequências do evento não devem ser tão trágicas como foram, porque a Proteção Civil e as entidades que têm a gestão operacional do dispositivo [de combate a incêndios] foram muito reforçadas com meios humanos e materiais, com mais formação, e têm mais conhecimento para tomar melhores decisões”, assegurou o responsável da AGIF, no Irrevogável, o programa de entrevista da revista VISÃO.
Contudo, se essas mesmas entidades, perante um evento igual, “vão tomar as melhores decisões, informar, evacuar as pessoas a tempo, é uma questão que tem de ser acompanhada e monitorizada”. Além disso, há um trabalho a montante, na área da prevenção que é preciso realizar, onde se inclui a correção “da desorganização, do desordenamento e das políticas que levaram à má gestão de um conjunto vasto de património [natural], que envolvem não só o Estado, como os privados e as empresas que exploram os territórios”.
“A paisagem e o território permanecem com muita gestão por fazer. Há incentivos financeiros, jurídicos, fiscais e de mercado que não estão demarcados, ao ponto de se limitar a transformação do território à velocidade que todos desejaríamos”, reconheceu Tiago Oliveira, que tem como missão a coordenação e o planeamento estratégico do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais.
De acordo com este responsável, cujo instituto a que preside está sob a alçada direta do primeiro-ministro, António Costa, “os incêndios com a dimensão e a escala de propagação que tiveram em Pedrógão tendem a repetir-se”. “Só não sabemos quando. A única possibilidade é estarmos do lado seguro de um evento desses, fazendo a gestão da vegetação à volta dos aglomerados, gerindo a floresta como um todo e, no dia do evento, ser capaz de dar as informações precisas e corretas às populações, para que ou fiquem em casa ou saiam com tempo. Acho que essa é uma tarefa da Proteção Civil, que tem os recursos para isso e foi capacitada para o fazer da melhor forma”, assegurou, frisando que “os comportamentos, pelo menos, modificaram-se, no que toca ao uso do fogo pelas populações e na queima de sobrantes”. “É o suficiente isso? Sim, temos conseguido reduzir o numero de incêndios. Mas, basta um dia de muito calor e muito vento, para que naquela vegetação, sem gestão florestal adequada, haver condições para que uma tragédia se verifique”, alertou.
Maioria absoluta pode ajudar a agilizar processos
Tendo como função a recomendação de um melhor planeamento e alterações aos sistemas de prevenção e combate a incêndios, Tiago Oliveira disse que nem tudo sido fácil desde a criação da AGIF, em 2018. “Há resistência à mudança. Havia muitas coisas no sistema que estavam erradas. Houve muitas melhorias tecnológicas que foram introduzidas e estão a produzir algum resultados – como a comunicação, como o suporte à decisão na Proteção Civil, o reforço de alguns meios, um maior orçamento para gerir a vegetação e a limpeza dos matos”.
“Mas há muitos processos burocráticos e institucionais que levam o seu tempo, e a cultura do País é muito avessa à mudança. É precisa uma perseverança em querer mudar as coisas, para acreditar que é preciso mudar. As alterações climáticas confrontam o poder politico a fazer coisas que não simples e não são populares”, defendeu, salientando que o facto de o PS ter agora uma maioria no Parlamento, o trabalho legislativo no setor pode ser acelerado.
“Antes era minoritário, mas agora que o Governo é maioritário, vai haver mais capacidade, julgo eu, para ultrapassar questões como o direito sucessório – que está a impedir a apropriação da mudança por 30% dos proprietários em prédios indevidos-, a da regulação do mercado e da governança e da convergência das agendas da conservação e preservação da natureza, e o envolvimento das empresas e dos atores que estão no setor”, apontou.
Outra das mudanças que disse ser importante é a “a transparência das contas”, garantindo, como diz o Tribunal de Contas, que se conhece “um custo por cada” incêndio. Uma “informação que tem de ser pública”, garantiu.
Verão que poder queimar
Para Tiago Oliveira, depois de um início de 2022, em que houve um recorde de área ardida e ocorrências, “o verão vai ser complicado”. “É um ano de seca, sendo que a nossa grande preocupação é diminuir o número de incêndios, para que haja menos fogos rurais nos dias mais críticos, e garantir alguma convergência de interesses”, explicou, recusando comentar a posição da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), que passou a recomendar aos comandantes das corporações a “escusa de responsabilidade”, devido “à impossibilidade de dar cumprimento” ao que está estabelecido no DON – Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais. A LBP reclama por competências dos corpos de bombeiros na mobilização, o reforço de meios ao escalão superior para o combate aos incêndios e ainda um melhor apoio logístico, como as refeições durante as operações.
“Neste momento, o inimigo comum é o fogo. Não são as agendas particulares de A ou B”, concluiu Tiago Oliveira.
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