Nem o badalado mergulho do Presidente da República pela manhã de sábado no mar de Copacabana desviou as atenções do tema que marcou a visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao Brasil: o almoço com Bolsonaro, que estava para acontecer, mas que não acontecerá.
A visita presidencial tinha inicialmente uma agenda preenchida para três dias e que passava pelo Rio de Janeiro, para as comemorações do centenário da travessia aérea do Atlântico Sul; São Paulo, para a 26.ª Bienal Internacional do Livro em que o país convidado é Portugal; e por fim Brasília, para o encontro com o presidente brasileiro.
Porém, o desencontro estava traçado. “Resolvi cancelar o almoço que ele teria comigo, bem como toda a programação”, disse o Presidente brasileiro à CNN Brasil “em On” na sexta-feira, confirmando assim os primeiros zunzuns que começaram na sexta feira de que não haveria encontro entre os dois homólogos e que o colunista Lauro Jardim, um bem informado colunista político brasileiro, confirmou mais tarde no jornal O Globo.
É o segundo encontro cancelado entre os dois: já no ano passado, Bolsonaro voltou atrás no encontro com Marcelo Rebelo de Sousa que estava agendado numa cerimónia no Museu da Língua Portuguesa de São Paulo. “Dança quem está na roda”, disse o presidente português na altura, em resposta à justificação que veio a público por interposta pessoa: Bolsonaro tinha preferido ir “passear de motocicleta”.
Desta vez, o Presidente brasileiro justificou a decisão secamente: “ele teria uma reunião com o Lula”, respondeu ao canal. Com efeito, Bolsonaro ficou desagradado por Marcelo Rebelo de Sousa ter incluído nesta viagem também um encontro, no dia anterior, em São Paulo, com o seu rival nas eleições presidenciais.
“Já havia essa conversa. Tentou-se deixar claro que, se ele se encontrasse com o Lula, Bolsonaro não o receberia”, afirmou um assessor do presidente brasileiro à Globo.
Sendo já público o desconvite através dos média, até ao final do dia de sábado formalmente a equipa do Presidente não tinha recebido, porém, ainda uma comunicação oficial e “por escrito” de que o encontro estava cancelado. “O convite foi por escrito e até ao momento não houve, por escrito, nenhuma comunicação”, afirmou. “Em função das circunstâncias será tomada a decisão. Gosto sempre de ter todos os encontros com todos os chefes de estado, o brasil é um país irmão muito especial”, ainda deixava em aberro no sábado ao fim do dia.
Marcelo Rebelo de Sousa, instado em Portugal à saída de Lisboa, à chegada ao Rio de Janeiro e várias vezes durante o dia de sábado, procurou sempre desdramatizar a situação.
“Não se morre porque um almoço foi cancelado. Não há drama”, repetiu. “Quem convida para almoçar é que decide se quer almoçar ou não”.
Falta de respeito? “É uma opção. Mas em setembro há um encontro inevitável. Este é um não assunto e eu acho que é um não problema”. Tentando baixar a pressão a todo o custo, o Presidente sublinhou, no final da recepção no Palácio de São Clemente — onde juntou a comunidade portuguesa —, que circula internamente dentro do Brasil com os meios que o Estado brasileiro proporcionou. “Pondo no prato da balança a circulação que o Presidente proporciona e o encontro, não sei mesmo se o primeiro não é mais proveitoso.”
E não há almoços grátis? “E estou farto de oferecer almoços grátis – podem dizer que é o meu espírito cristão…”, responde com leveza.
Ao mesmo tempo, subtilmente foi passando a mensagem de que o que importa são as relações centenárias e umbilicais entre os povos.
“Respeito se quem convida deixa de convidar”, afirmou aos jornalistas, descomplicando o incidente diplomático. “Os que servem têm de perceber que os povos perduram. Os povos continuam, os almoços podem mudar. Não podemos perder um segundo com um almoço”, disse com fina ironia.
No sábado, falando com a imprensa brasileira, explicou que o Brasil e Portugal têm semelhanças e diferenças. “Na questão da Ucrânia, Brasil e Portugal tiveram posições diferentes. Portugal é aliado da Ucrânia, o Brasil, não. Essa é uma situação pesada. O almoço, não.”
Ainda assim, estava tudo em stand by até domingo ao fim da manhã e permanecia em aberto, inclusive para a comitiva e equipa de jornalistas que o acompanhou, a hipótese de ter notícias do Planalto. Que tardaram. Domingo, pela hora do almoço local, chega finalmente ao fim a novela brasileira. Marcelo Rebelo de Sousa põe um ponto final na questão e anuncia que já não irá a Brasília. Reprograma a agenda, prolongando a estadia em São Paulo. “Voltei ao plano A, que tinha sido substituído pelo plano B”, explica. O incidente diplomático é pois um facto consumado.
Ficam a ecoar as palavras do Presidente da República portuguesa, que saudou “num abraço sem fim, num abraço infinito, o povo brasileiro todo ele. Vivam para sempre as pátrias irmãs, eternamente irmãs, do Brasil e de Portugal”. Independentemente, portanto, dos humores e dos desalinhamentos dos Presidentes em funções.