“Procura-se assassino! Não o entreguem às autoridades, se souberem do seu paradeiro enviem-nos mensagem privada”. Foi esta mensagem, publicada em agosto de 2019, nas redes sociais do movimento Nova Ordem Social (NOS), liderado por Mário Machado – que, neste momento, se encontra inativo –, que levou a Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) a realizar, por volta das 07h00 desta terça-feira, buscas à casa do líder de extrema-direita, no concelho de Sintra, que culminariam com a sua detenção.
O Ministério Público tinha aberto um inquérito na sequência desta publicação – feita no Twitter e em redes sociais como o russo VK –, para investigar a eventual existência da prática de crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência. A organização de Mário Machado referia-se, na altura, a António Tavares, à época dos factos com 21 anos, que se encontrava em fuga depois de ter assassinado a tiro Lucas Leote, com 19 anos, à porta da discoteca Lick, em Vilamoura, Loulé – e que seria encontrado e detido em França, quase um ano depois, sendo condenado no passado mês de abril a 16 anos de prisão.
No âmbito desta investigação, segundo a VISÃO confirmou junto das autoridades, foi encontrada uma arma de fogo e munições na residência de Mário Machado – e também outros elementos de constituírem alerta para a Justiça portuguesa: como tacos de basebol com símbolos da extrema-direita. Terá sido esse motivo que justificou a detenção em flagrante delito. Machado foi encaminhado para o estabelecimento prisional anexo à PJ, em Lisboa, onde aguarda para ser ouvido por um juiz.
À VISÃO, José Manuel Castro, advogado de Mário Machado, não confirma, porém, esta versão, apenas afirmando que o seu cliente “foi detido por causa de uma publicação nas redes sociais imputada a Mário Machado, que já tem alguns anos”. Confessando-se surpreendido com este desfecho, José Manuel Castro considera que “nada do que se verifica, até ao momento, configura a aplicação de medidas privativas da liberdade”, mostrando-se confiante “que hoje ou amanhã” o seu cliente saia em liberdade.
Da cadeia à TV
Mário Machado já tem um longo registo criminal. O nome do líder neonazi começou a ser notado por integrar o grupo de skinheads que, na noite do 10 de Junho de 1995 – motivado por discriminação racial e étnica –, atacou vários negros na zona do Bairro Alto e do Chiado, no coração da capital, atos que resultaram na morte de Alcindo Monteiro, aos 27 anos (e de, pelo menos, mais dez feridos graves). Mário Machado escaparia à acusação de homicídio, mas seria condenado a quatro anos e três meses de prisão por oito crimes de ofensas corporais.
Após cumprir pena, o skinhead regressaria à prisão em 2007, depois de ser condenado a sete meses de prisão por posse ilegal de arma (e mais três meses de prisão por posse de arma proibida, com pena suspensa). No ano seguinte, Machado seria condenado a quatro anos e dez meses de prisão efetiva por crimes semelhantes.
Em 2009, respondeu em tribunal a um processo de ameaças à procuradora do Ministério Público, Cândida Vilar, que conduzira a investigação, depois de apelar aos companheiros nacionalistas que “não se esquecessem” da identidade magistrada. Seria absolvido do crime de ameaça, mas acabaria condenado a oito meses de prisão efetiva por difamação agravada da procuradora.
Nesse mesmo ano, foi ainda condenado a sete anos e dois meses de prisão por sequestro, roubo e coação, ficando a sua pena fixada em dez anos por cúmulo jurídico. Em 2016, foi ainda condenado a mais dois anos e nove meses de prisão, desta vez por tentativa de extorsão agravada, crime que praticou a partir da cadeia.
O antigo líder da Frente Nacional e membro dos Portugal Hammerskins (PHS) concluiu, atrás das grades, a licenciatura de Direito, pela Universidade Autónoma, e, quando saiu em liberdade condicional, em maio de 2017, começou logo a trabalhar no escritório de José Manuel Castro, precisamente o seu advogado.
A nova carreira, no entanto, não lhe alterou significativamente a vida. Cinco meses após sair da prisão, seria detido na Suécia (durante 30 horas), quando se preparava para participar num encontro realizado por uma organização de extrema-direita daquele país. Com pena cumprida (desde o dia 21 de novembro de 2020), Mário Machado voltaria, recentemente, a ocupar novamente espaço mediático na comunicação social portuguesa, depois de fundar uma filial (chapter) em Portugal do grupo motard Los Bandidos, que se envolveria numa “guerra” com os rivais Hells Angels – que teve como principal batalha o ataque destes contra o grupo de Machado, no dia 24 de março de 2018, num restaurante no Prior Velho, em Loures, episódio que resultou num megaprocesso que, neste momento, leva a julgamento mais de 80 acusados.
Apesar deste percurso conturbado, Mário Machado não desapareceu. Continuou ativo nas redes sociais e, em 2019, chegou mesmo a ser convidado pelo programa Você na TV, da TVI, apresentado por Manuel Luís Goucha, para falar sobre o tema “Precisamos de um novo Salazar?”. A participação polémica motivou críticas imediatas de várias organizações antirracismo e antifascistas e do Sindicato dos Jornalistas, mas o convite repetiu-se, nesse mesmo dia, desta vez para o programa SOS 24, da TVI24, o mesmo palco televisivo onde Suzana Garcia, candidata pelo PSD à Câmara da Amadora nas últimas autárquicas, começou a sua atividade de comentadora – as participações de Machado na TV motivariam queixas formais do Sindicato dos Jornalistas junto da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) contra o canal de Queluz de Baixo.