“Ainda há estrada para andar e devemos continuar. Enquanto houver ventos e mares, a gente não vai parar”. António Costa abriu o debate na generalidade sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2022, na Assembleia da República, colando o seu discurso à letra de “A Gente Vai Continuar”, mas os apelos que se seguiram – e marcaram as intervenções do Primeiro-ministro na tarde desta terça-feira –, dirigidos aos parceiros da Geringonça, ficaram sempre muito mais próximos do registo de “Encosta-te a mim” – manifestamente o tema do repertório de Jorge Palma que, neste momento, mais se adequa à voz do Governo, face ao atual panorama político nacional.
Louvando os méritos do documento – e recordando o contributo para o mesmo do que designou como “um diálogo frutuoso” à esquerda nos últimos seis anos –, António Costa manteve escancarada a porta das negociações com Bloco de Esquerda e PCP, atirando para a fase da discussão na especialidade a possibilidade de se atingirem futuros entendimentos. O Primeiro-ministro admitiu que, da parte do Executivo, “tudo faremos para obter um acordo”, mas alertou que isso não vai acontecer “a qualquer preço”, destacando que, para já, não existe a hipótese de serem feitas cedências em temas como a revogação do fator de sustentabilidade e recálculo das pensões, uma das medidas definida pelo Bloco para deixar passar o documento, ou a subida do Salário Mínimo Nacional (SMN) para os 850 euros, já no próximo ano, exigida pelo PCP.
Questões laborais (ainda) travam ponte com BE
À esquerda, Bloco de Esquerda e PCP continuam a insistir na necessidade de o Governo fazer cedências em relação a matérias laborais: Catarina Martins insistiu que as políticas do Governo mantêm viva “uma herança da troika”, acusando o Executivo de ter “substituído a negociação [do OE2022] pelo ultimato”, passando a utilizar como estratégia “a chantagem da crise política”, rejeitando e ignorando os nove pontos que o seu partido apresentou, versão prontamente desmentida por António Costa – que fez chegar à coordenadora do Bloco um documento com as justificações, ponto por ponto, que levaram à recusa daquelas propostas pelo Governo.
Com tom suave, António Costa não escondeu que, neste momento, aposta tudo numa ponte de entendimento com Catarina Martins. Depois de ouvir os argumentos da coordenadora do Bloco, o Primeiro-ministro recordou que “o Bloco é livre” de votar no OE2022, mas pediu diretamente a Catarina Martins que “com toda a franqueza não vote contra a proposta de Orçamento do Estado”, prometendo retomar a discussão sobre as questões laborais que separam as partes noutra ocasião, quando o Código do Trabalho for tema de discussão no Parlamento.
António Costa perentório: “Não me demito”
Rui Rio aproveitou o primeiro debate na generalidade sobre o OE2022 para declarar o fim do ciclo político do Governo PS. O presidente do PSD começou por dizer que o País “se encontra numa fase profunda de instabilidade política”, mas foi ainda mais longe, questionando o Primeiro-ministro “como é que quer governar neste cenário?”. Segundo o líder do maior partido da oposição, António Costa está “tão agarrado ao lugar que nem sequer consegue ver aquilo que Portugal está a ver”, e lamentou que o Governo esteja a ultrapassar “a linha vermelha” que Mário Soares nunca permitiu ultrapassar.
Perante a ataque, António Costa recordou “com orgulho” que Mário Soares apoiou a solução de viabilidade governativa encontrada em 2015, e, de forma perentória, confirmou que ainda não deitou a toalha ao chão. “O meu dever é enfrentar as dificuldades. Eu não me demito”, concluiu o chefe do Governo.