Ainda faltam quatro dias para chegar oficialmente, mas o verão promete ser quente para António Costa. Nas últimas duas semanas, têm sido sucessivas as frentes agitadas e temperaturas escaldantes a atravessarem-se no caminho do líder socialista, que ora optou por se refugiar das polémicas no clima ameno da Madeira, onde não abriu a boca durante o 10 de Junho, ora rumou à brisa favorável de Bruxelas, a dias de terminar a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. Até agora, a exigência mais premente era a de arranjar uma solução para os ministros que se tornaram tóxicos para o executivo e deixar sair aqueles que andam a pedir há vários meses para abandonar o barco. Mas, desde o início de junho, sucessivas polémicas – que politólogos e socialistas associam à falta de uma mão firme no partido e no Governo – vieram somar dores de cabeça àquelas que o primeiro-ministro já tinha.
À nítida desarmonização entre a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, e o putativo sucessor de Costa no partido, o ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, com a primeira a acusar o segundo de falta de “sensatez” na relação com a transportadora Ryanair, sucedeu-se a controversa nomeação de Pedro Adão e Silva para comissário-executivo das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, porque nenhuma bancada parlamentar foi consultada quanto aos moldes e à dimensão da máquina que acompanha o comentador político e antigo dirigente socialista.
Medina sob pressão
Futuro não estará em risco, após entrega de dados de manifestantes a russos, mas autarca poderá ter de suar para recuperar confiança
As sondagens internas diziam-lhe que tinha a Câmara Municipal de Lisboa quase segura, mesmo depois de o PSD e de o CDS lhe terem metido no caminho Carlos Moedas. Eis quando rebenta uma bomba no colo de Fernando Medina – que substituiu António Costa, em 2015, à frente da maior autarquia do País e que a conquistou novamente, embora sem maioria absoluta, em 2017. A Câmara Municipal de Lisboa enviou à embaixada russa, desde 2011, nomes, moradas e contactos de manifestantes que marcaram protestos contra o regime de Putin na capital portuguesa. O “erro” foi assumido por Medina, que – apesar de afirmar que não sabia que isto estava a acontecer – reconheceu a sua responsabilidade, perante vários pedidos de demissão por parte da oposição. Que impacto pode ter este episódio na carreira política de Medina? “Nenhum”, acredita o politólogo José Adelino Maltez, professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Mói, mas não mata. Opinião partilhada pelo também cientista político António Costa Pinto, investigador e coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. À luz do que se sabe hoje, ou seja, confirmando-se que Medina desconhecia a partilha de dados, os politólogos ouvidos pela VISÃO apontam que, a longo prazo, este episódio não deverá pesar ao presidente da câmara.
O que não impede que o socialista tenha de suar mais do que seria previsível para reconquistar o mandato. “Eu acredito que a informação não tenha chegado a Medina, mas ele é responsável pela câmara. Estava com uma distância muito significativa de Moedas e esta questão pode obrigá-lo a ir para o terreno mostrar o que vale. Agora, Medina já não é o sucessor de Costa. Agora, é Medina contra Moedas”, sustenta José Adelino Maltez. Apesar disto, “é de esperar que Medina resista a esta pressão. Isto não coloca em causa, para já, as perspetivas de vitória de Medina nas eleições autárquicas [neste outono]”, acrescenta António Costa Pinto.
Depois de um período de silêncio, o primeiro-ministro também veio defender o antecessor e sacudir a água do capote, uma vez que, durante o seu mandato, os municípios já eram responsáveis pela gestão das manifestações, sendo obrigatório comunicar à câmara sempre a organização de um protesto. Costa não vê como podem ser imputadas responsabilidades a Fernando Medina, quando “nenhum político teve qualquer tipo de intervenção nessa matéria, nem sequer conhecimento”. Os dois politólogos acreditam também na inocência do autarca e, como tal, não veem que este escândalo possa ser mais do que uma pedra no sapato de Medina.