Para um partido que, daqui a nada, espera integrar um futuro governo, ainda há muita roupa suja para lavar em casa. Na verdade, apesar dos pedidos repetidos de André Ventura para que o Chega desse ao País um sinal de maturidade e de responsabilidade, as intervenções de alguns delegados e as ruidosas conversas de corredores no congresso das Caves de Coimbra dão ideia de uma força política em permanente guerra civil por questiúnculas pessoais, estratégicas, políticas e até religiosas. Um dos momentos de berraria ocorreu ao final da sessão da manhã quando uma moção apresentada pelo militante Luís António Alves, onde era referida a suposta ilegalidade da fusão do Chega com o partido Portugal Pró-Vida (PPV) e a influência deste setor católico ultraconservador na nova força política liderada por Ventura, incendiou o ambiente. “Mentira” e “calúnia” foi a resposta de Rafael Santos, ex-dirigente do PPV, à moção apresentada. Diga-se, a propósito, que, provavelmente para evitar documentos polémicos em que se defenda, por exemplo, a extração dos ovários – como aconteceu no congresso anterior – as moções não foram disponibilizadas aos jornalistas, mas apenas aos delegados.
Nos corredores e no exterior do recinto, entre a noite de sexta, 28, e a manhã seguinte, foram vários os momentos tensos a que VISÃO assistiu, todos eles por razões que tinham como origem as moções, o desencanto pelo discurso repetitivo e pelos compromissos de bastidores de Ventura, para além de umas quantas miudezas e rivalidades concelhias, distritais e pessoais. Há, porém, quem assista a tudo de forma descontraída, como se antecipasse a gritaria, e se mantenha, impávido e sereno, a desfrutar do seu gin tónico em copo “balão” a partir da mesa destinada à direção nacional.
Ventura, esse, preferia que o partido se tornasse mais adulto. E rapidinho. Até porque sente o cheiro do poder próximo.
Nesse sentido, a sua moção de estratégia – intitulada Governar Portugal – não é uma autoestrada de grande reflexão ideológica, o que talvez atrapalhasse e confundisse ainda mais um partido com raízes em várias trincheiras, “tribos” e “ressentimentos” do regime. Mas é o apeadeiro que o Chega precisa para tentar alcançar a estação final: o poder. André Ventura quer uma “forte implantação autárquica” que guinde o partido a terceira força política, pretende consolidar o Chega para atingir 10 a 15 por cento nas legislativas “e tornar-se indispensável à formação e viabilização de qualquer Governo” para, a partir daí, “promover e condicionar” reformas em matéria de “justiça, sistema fiscal, segurança social, administração interna, emprego e defesa nacional”, assim mesmo, em minúsculas. A participação ministerial num executivo “eventualmente liderado” pelo PSD é a sua meta, rejeitando, desde já, uma espécie de “geringonça” de direita ou até o exemplo seguido no parlamento dos Açores. Por tudo isto, o líder pretende obter do congresso autorização para “uma negociação clara, efetiva e transparente” para a concretização das suas bandeiras. Ventura também não quer que os delegados lhe peçam moderação ou “menor intensidade de ação”. Daí ser claro: “Este Congresso deverá, pois, definir os termos e os modos de luta e resistência caso o sistema remeta o Partido para a ilegalidade e para a clandestinidade”, referiu.
As questões mais delicadas são as da ética e da disciplina internas, reconhecendo Ventura as “dificuldades de aplicação” das mesmas. Por isso, apelou, “é fundamental não voltar ao tempo em que as redes sociais serviam quase exclusivamente para lavar roupa suja e perturbar o crescimento externo do Partido e a sua boa imagem”, reclamou. Com a aprovação dos novos estatutos por 263 votos a favor e 12 contra – o presidente e deputado do Chega obteve a possibilidade de exigir a apresentação do registo criminal a dirigentes locais e nacionais dos vários órgãos. Pelo menos no papel, a disciplina vai apertar: há um conjunto de artigos que passam a permitir a aplicação de penas aos militantes e facilitar as expulsões. Num partido onde – à entrada para o congresso – havia dezenas de processos disciplinares e suspensões registadas no sítio oficial do Chega – será curioso perceber se, perante tanto “tiroteio” interno, o “tiro” disciplinar da direção não sairá pela culatra.