Cerca de quatro meses após a mudança de poder nos Açores, que terminou com 24 anos de governação socialista, o ex-líder do executivo regional lamenta que a “caranguejola” de direita – termo cunhado pelo socialista Carlos César – mostre que não tinha outro plano para a região senão o de afastar o PS da gestão. Vasco Cordeiro acusa o novo presidente do Governo açoriano, José Manuel Bolieiro, de sucumbir às pressões de quem o apoia, entre eles o Chega local, partido que considera ser um joguete nas mãos de André Ventura.
Qual o balanço que faz destes quase quatro meses de governação de direita nos Açores?
Torna-se cada vez mais notório que muitos dos supostos vícios que eram apontados ao PS estão a ser já replicados. Depois, preocupa-me aquilo que está a ser cada vez mais notório: uma certa incapacidade de preparação do Governo para, sobretudo numa circunstância tão importante como a da pandemia, dar uma resposta eficaz às necessidades das pessoas e das empresas.
O seu sucessor, José Manuel Bolieiro, já veio acenar com uma diminuição na carga fiscal na região.
A redução da carga fiscal é muito apelativa. O que já não é muito apelativo é baixar os impostos até onde é permitido pela lei das finanças locais e, a seguir, endividarmo-nos para assumirmos os encargos. Os contribuintes açorianos – quer as empresas quer os cidadãos – já beneficiam de uma redução fiscal. Essa promessa é um compromisso com um parceiro de coligação. Isso pode garantir a sobrevivência do Governo, mas vai acabar mal para a região.
E os cortes em apoios sociais serão a solução mais acertada? Essa é também uma medida negociada pelo Chega para apoiar Bolieiro.
Isso é conversa para boi dormir. Primeiro, os Açores são a região com a prestação mais baixa de Rendimento Social de Inserção (RSI): cerca de 88 euros; segundo, cerca de 30% dos beneficiários do RSI na região têm menos de 18 anos – estudam, na sua maioria; terceiro, o RSI com este valor é um complemento de outros rendimentos, desde logo o rendimento do trabalho.
Acredita que a cola que junta as direitas açorianas é tão forte como aquela que segurou a Geringonça durante quatro anos?
Não, é diferente. A cola que junta a “caranguejola” açoriana é o ódio ao PS. Era importante tirar o PS do poder, nem que para isso eles tivessem de vender a alma ao diabo – como aconteceu. Por que razão digo isto? Pelas declarações antes das eleições, em que o grande objetivo desses partidos era acabar com a posição do PS, e porque não é conhecido um programa de governação para a região com um sentido de futuro, estratégico, com alicerces sólidos. Seria expectável que o programa deste Governo fosse a súmula programática de união, mas não o é. Vão ser cada vez mais evidentes as falhas e as fraturas, com cada um a puxar para o seu lado, e não pelos Açores.
Já houve um pequeno sinal de rutura que levou André Ventura a rumar aos Açores para negociar diretamente com Bolieiro. O Chega nos Açores é uma coisa diferente do Chega nacional? É menos radical?
O Chega nos Açores é um brinquedo nas mãos de André Ventura. E isso é triste para o Governo dos Açores e para os açorianos. Aliás, os últimos episódios [a ida de André Ventura aos Açores] são um sinal disso.
Receia que o formato da coligação obtido pela direita possa criar uma teia de clientelismo e de jobs for the boys?
Em relação ao Governo do PS, disseram-se cobras e lagartos sobre situações que, nem de perto nem de longe, se comparam com as que têm vindo a público.
O PS fez todos os esforços para constituir uma alternativa que lhe permitisse continuar a governar ou não lhe apeteceu entrar no campeonato do “toma lá, dá cá”, em tempo recorde?
O PS conversou com todos os partidos, à exceção do Chega, por razões que dispenso referir, e do PSD que, desde cedo, assumiu qual era o seu objetivo. A ideia de que o PS não terá feito todas as diligências para construir uma solução é falsa.
Como não o vimos na praça pública a bater-se, como Passos Coelho em 2015, contra a solução de direita…
Apesar de tudo, terei algumas diferenças em relação a Passos Coelho [risos]. A disponibilidade do PS era para garantir a estabilidade – condição fundamental para ultrapassarmos estes tempos. Ninguém ganharia muito se eu rasgasse as vestes por causa do que aconteceu.
Que fatores contribuíram para a perda de votos do PS? O cântico da oposição foi mais cativante?
Algum cansaço com a situação. Alguma convicção e presunção de vitória da parte do PS. Também o crescimento de pequenos partidos, e não propriamente um crescimento vigoroso do segundo maior partido [PSD], sinaliza um voto de protesto mais do que uma alternativa. O PSD teve sensivelmente os mesmos votos do que em 2012.
Não houve um chumbo da sua gestão?
Se houvesse uma leitura tão negativa da governação, como alguns partidos querem fazer crer, para afastar o PS, não seriam necessários cinco partidos.
O representante da República fez mal ao empossar tão rapidamente à coligação de direita?
O representante da República foi claro: questionou se havia um acordo escrito ou não. A única divergência que tenho é que aquilo que aconteceu deveria de ter acontecido no Parlamento.
Mas também lhe permitiu a sobrevivência política. Se tomasse posse com um governo que iria chumbar no Parlamento ficaria impedido de se recandidatar, devido ao limite de mandatos.
Esse argumento só dá mais profundidade à minha convicção. Havendo um limite de mandatos nos Açores, e se isso tivesse acontecido, só teria de cumprir o que a lei diz.
Foi fácil a transição para líder da oposição?
Assumi o lugar de deputado porque era muito importante que o fizesse. Não é por as eleições não terem corrido como eu quis que viraria as costas.
Também é uma mensagem para os dirigentes, como Francisco César ou João Ponte, que estão na calha para o substituir?
A minha decisão não teve que ver com questões internas. Se a minha cara apareceu perante os açorianos, não fazia sentido alegar, depois, que só estava a candidatar-me a presidente do Governo Regional, e, como tal, ia embora.
Os sucessores vão ter de ficar por mais algum tempo à espera?
O PS Açores vai ter um congresso em julho. Qualquer militante é livre de candidatar-se. * com R.R.N