Em outubro, o Parlamento aprovou as regras para os eleitores confinados votarem nas eleições de 2021, que incluem as presidenciais de janeiro e as autárquicas de outubro. O diploma, promulgado pelo Presidente da República no dia 5 de novembro, declara que “os eleitores que estejam em confinamento obrigatório podem votar antecipadamente.”
No entanto, este pedido de voto antecipado só pode ser realizado se o confinamento obrigatório for decretado pelas autoridades de saúde “até ao décimo dia anterior às eleições”. Logo, alguém que fique infetado, em isolamento profilático, ou que ainda esteja à espera da autorização das autoridades de saúde depois de dia 14 de janeiro, já não poderá votar nas eleições presidenciais de dia 24.
De acordo com o Público, caso a média de casos infetados se mantenha semelhante à da semana passada, pelo menos 50 mil pessoas podem ser excluídas do processo eleitoral. Em declarações ao jornal, João Tiago Machado, da Comissão Nacional de Eleições (CNE), afirmou ser “impossível abranger toda a gente.” No entanto, há casos que demonstram o contrário – em vários países, foi possível garantir a todos a oportunidade de votar, até aos infetados pela Covid-19 ou em isolamento profilático. As soluções alternativas a este modelo de voto antecipado são várias, mas nenhuma delas foi implementada pelo Parlamento.
Em conversa com a VISÃO, Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS), alerta para a importância de “o governo se organizar para não impedir a participação eleitoral.”
Adiar ou não adiar – eis a questão
Perante a pandemia de Covid-19, todos os governos do mundo que planeavam organizar eleições no ano de 2020 enfrentaram um dilema: adiá-las, mas enfrentar uma forte revolta popular e oposição política, ou não as adiar, mas correr riscos de saúde pública. De acordo com um estudo do Center on International Cooperation (CIC), a escolha entre as duas opções foi equilibrada: 73 eleições à escala mundial foram adiadas devido à pandemia da Covid-19, enquanto que 77 eleições se mantiveram – nestas últimas, contam-se as célebres eleições presidenciais americanas.
Segundo o CIC, entre os meses de março e junho, no pico da pandemia, a regra geral foi adiar as eleições – tal foi o caso das eleições regionais de França, ou das presidenciais na Polónia. A partir do mês de julho, o cenário mudou, quando começou a circular mais informação à escala global sobre como realizar os processos eleitorais durante uma pandemia. Neste cenário impôs-se uma grande questão: como é que se organizam os processos eleitorais de forma segura, sem excluir ninguém?
Aprender com os bons exemplos
As eleições são eventos que tipicamente envolvem grandes aglomerados de pessoas. Logo, é um desafio organizá-las de acordo com as regras de saúde pública impostas pela pandemia. De forma a cumprir este objetivo, vários países implementaram inovações nos processos eleitorais: desde o voto em sistema de drive-through na República Checa, às urnas móveis na Suíça, que recolheram os votos dos idosos e daqueles que estavam em confinamento, ou o voto por correio na Índia para todas as pessoas infetadas com Covid-19.
Entre todos estes bons exemplos de organização de atos eleitorais em tempos de pandemia, há um caso paradigmático de sucesso: as eleições da Coreia do Sul. No país asiático, as autoridades implementaram de forma eficiente um sistema de voto antecipado e voto em casa, inclusive para doentes com Covid-19 – o que resultou na maior afluência eleitoral em três décadas. Mais de um quarto do eleitorado sul-coreano pode votar através destas medidas excecionais.
No entanto, não foi apenas o voto antecipado e por correio que permitiu esta grande afluência – esta deveu-se também ao baixo número de casos infetados do país. Em contraste, as eleições que decorreram em períodos de grandes surtos de infeções, como as eleições parlamentares do Irão, em fevereiro, ou as eleições municipais francesas, em março, registaram grandes quedas na participação eleitoral. Conclui-se que quantas mais infeções, menor a participação eleitoral.
Estas inovações, implementadas com sucesso nas eleições dos outros países, podem ser utilizadas como modelo a “imitar” pelos Estados com processos eleitorais no horizonte – como Portugal. De acordo com o estudo do CIC, os bons resultados observados na Coreia do Sul justificaram-se pelo trabalho realizado em cooperação pelas várias agências governamentais do país, assim como pela boa comunicação do governo – desde cartazes a explicar aos cidadãos como votar, a mensagens enviadas com instruções a explicar às pessoas em confinamento como podiam exercer o seu direito ao voto.
O CIC acrescenta que, no contexto de eleições em tempos de pandemia, é essencial a implementação de medidas especiais para votar – tais como o voto por correio, por procuração, de forma móvel ou antecipado. Em Portugal, apenas existe o último.
As prioridades para evitar uma alta de abstenção em janeiro
Para Marina Costa Lobo, a resposta do governo português tem de ser rápida e eficaz: “é necessário alargar o voto antecipado.” De acordo com a investigadora, “é mais fácil alargar medidas já implementadas nos países – e o voto antecipado já existe em Portugal.”
Nas eleições europeias de 2019, o Governo abriu pela primeira vez a possibilidade de voto antecipado a todos os cidadãos, desde que se registassem no portal do Ministério da Administração Interna (MAI) entre 14 a 10 dias antes do ato eleitoral. O resultado foi um sucesso – mais de 56 mil pessoas pediram para votar antecipadamente.
No entanto, Marina Costa Lobo enfatiza que “são necessários mais dias de voto antecipado do que em 2019”- nas eleições europeias do ano passado, houve apenas um dia para votar antecipadamente, o que resultou em longas filas de eleitores à frente da Câmara Municipal de Lisboa. “Esta medida seria fácil de implementar, porque já existe a plataforma do MAI”, diz a investigadora, acrescentado que “o voto antecipado poderia ser feito, por exemplo, entre sexta-feira e segunda-feira do fim-de-semana anterior às eleições, em vez de ser feito num só dia. Desta forma, teríamos mais dias de voto antecipado e as pessoas poderiam votar de forma intercalada.”
Caso não sejam apresentadas soluções, a situação pode ser grave: “vivemos um momento em que, por um lado, não há campanhas políticas devido à pandemia e, por outro lado, o principal candidato à presidência ainda não apresentou a sua candidatura.” O resultado desta conjuntura? “Uma situação de despolitização e descredibilização destas eleições”, diz Marina Costa Lobo, que conclui – “estão todas as condições reunidas para haver uma alta taxa de abstenção.”