Não diz, para já, quem apoia. Nem garante que venha a apoiar algum dos nomes que já assumiram querer disputar as eleições presidenciais do próximo ano, apesar de se confessar tão “amigo” de Ana Gomes (com quem falou antes de a socialista avançar com a candidatura) como de Marcelo Rebelo de Sousa ou de Marisa Matias. Mas lança duras críticas para dentro do PS. “Não é normal que um partido fundador da democracia, em duas eleições [presidenciais] sucessivas, não tenha um candidato oficial, seja ele qual for”, atira Manuel Alegre. “Dá a impressão de que só o primeiro-ministro conta”, acrescenta o histórico socialista, em declarações à VISÃO.
Alegre refere-se à campanha de 2016 – quando Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém dividiram a família socialista, sem que tenham obtido qualquer apoio formal – e soma-lhe a corrida dos próximos meses, partindo do princípio de que a atual direção do PS poderá optar por não secundar qualquer dos nomes que decida avançar – apesar da candidatura, já confirmada, da ex-eurodeputada Ana Gomes.
“É uma deriva da história e da marca identitária do PS e da Constituição, é uma desvalorização dessa componente fundamental do sistema político, que é a Presidência da República”, defende Manuel Alegre. O ex-candidato presidencial lembra que o PS esteve na primeira linha da institucionalização, em Portugal, de um sistema semi-presidencialista, resistindo a um ímpeto social-democrata de avançar para um modelo totalmente assente na figura do Presidente da República.
“Mais tarde, tivemos uma deriva de Cavaco Silva, com a tentativa de ‘presidencializar’ o cargo de primeiro-ministro”, durante as maiorias absolutas do PSD, em 1987/1991, “e agora assistimos a uma desvalorização, por parte do PS”, da figura do Chefe de Estado, considera o ex-candidato presidencial. “O PS, como partido fundador da democracia e o atual maior partido em Portugal, deveria ter outro papel” na campanha de 2021.
Sem nunca assumir se apoia algum dos nomes já confirmados como candidatos – entre Marisa Matias e Ana Gomes, que esta semana formalizam as respetivas campanhas, na quarta e quinta-feiras – ou se poderá vir a apoiar uma eventual recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, Alegre remata: “Mário Soares, Salgado Zenha, Mário Sottomayor Cardia e eu próprio, como fundadores deste sistema… nenhum de nós se reconheceria nesta situação.”
Mulheres socialistas não se comprometem
A confirmação de que Ana Gomes vai concorrer às próximas eleições presidenciais foi dada pela própria. Sucinta, numa declaração ao jornal Público, a ex-eurodeputada disse, esta terça-feira: “Serei candidata.” A decisão surge depois de um longo período de reflexão, que começou em maio, quando Ana Gomes admitiu, pela primeira vez, ponderar, de facto, uma candidatura (depois de Costa “lançar” Marcelo para novo mandato em Belém). O processo, interrompido em julho, devido à morte do marido da socialista – o embaixador António Franco –, culminou com a decisão de avançar. Mas não conseguiu, para já, arrastar apoios de peso (pelo menos, em público).
À VISÃO, a presidente do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, Elza Pais, explica que, enquanto dirigente do PS, terá de “esperar” pelo momento em que o partido tenha essa discussão internamente para depois de pronunciar sobre eventuais apoios. Mas não esconde que “a candidatura de Ana Gomes só vem valorizar o espaço político, porque permitirá um debate de ideias muito importante no quadro da democracia”.
“A candidatura de mulheres traduz um aprofundamento da democracia. Ser mulher já não é um fator de discriminação na candidatura a titulares de cargos políticos, e isso é um excelente sinal”, destaca a deputada socialista. Decisões como a de Ana Gomes, acrescenta Elza Pais, ”vêm romper com os obstáculos à participação das mulheres, uma participação que durante tanto tempo nos esteve vedada, e representam a conquista de novos patamares de igualdade que nunca antes foram alcançados”.