A famosa aplicação para telemóveis e gadgets que visa rastrear os infetados com o novo coronavírus está quase pronta e poderá ser disponibilizada até ao final do próximo mês em Portugal, apurou a VISÃO. A tecnologia de contact tracing – que se baseia no princípio do “aperto de mão digital” – tem vindo a ser desenvolvida pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Tecnologia e Ciência (INESC-TEC) e foi esta terça-feira, 28, apresentada aos decisores políticos, na habitual reunião com os especialistas de saúde, que decorreu na sede do Infarmed, em Lisboa.
Henrique Barros, diretor do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, explanou os principais contornos da app ao Presidente da República – que, pela primeira vez, não se pronunciou durante toda a sessão -, ao presidente da Assembleia da República, ao Governo e aos partidos da oposição, adiantando que o sistema, assente no Bluetooth de cada dispositivo móvel, permitirá às pessoas contagiadas alertarem, anonimamente, todos aqueles com que se cruzaram nos últimos 14 dias (período de incubação da Covid-19).
Em princípio, tratar-se-á de um software independente, compatível com os sistemas operativos Android e iOS, à semelhança de outras que já estão a ser trabalhadas noutros países. O registo de qualquer infetado será voluntário, mas haverá um crivo clínico pelo meio, ou seja, a declaração do contágio só entrará no sistema mediante a validação de um médico, para que não haja inscrições indevidas de doentes na base de dados.
Em todo o caso, fontes presentes na reunião desta terça-feira, ouvidas pela VISÃO, manifestam algumas reservas acerca da gestão centralizada da informação. “Mesmo que os dados sejam eliminados ao fim de 14 dias, quem vai administrar o servidor? Quem pode acerder a esses dados?”, interroga um dos parcipantes. “Que entidade vai garantir que os dados das pessoas não serão utilizados para outros fins?”, pergunta outro líder partidário, que saiu do encontro, com bastantes incertezas.
De facto, na reunião, não terá ficado claro quem vai administrar a informação recolhida com base nos alertas dos utilizadores infetados. Os técnicos apontaram apenas algumas hipóteses que passam, essencialmente, por entidades independentes. Do Executivo não houve, para já, qualquer garantia.
Para lá do rastreio digital, ficou a saber-se que no próximo mês vai arrancar a primeira vaga de testes de imunidade. Na prática, serão testes-piloto, a aplicar a 2070 pessoas, de forma estratificada, isto é, com quotas por sexo, faixa etária, zonas do país e até considerando as chamadas comorbilidades. A segunda leva será aplicada cinco meses depois (em outubro) e daí em diante cada vaga será realizada de três em três meses – estando a última fase apontada para julho do próximo ano.
Outro aspeto importante da reunião foi a introdução de novos parâmetros para se ponderar o relaxamento das medidas restritivas a que o País tem estado submetido. Se até aqui o número de contágios provocados por cada pessoa infetada, o célebro R0 (que ainda não estabilizou, por cá, abaixo de 1 – tem oscilado entre 0,94 e 1,04), era o alfa e o ómega dessa avaliação, nesta reunião, Baltazar Nunes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, apresentou um apanhado de outros critérios a considerar para que a sociedade e a economia regressem à normalidade possível.
O epidemiologista ancorou-se, entre outros, em estudos da Universidade Johns Hopkins (que sugere que o alívio deve ter em conta a redução sustendada do número de infetados pelo vírus durante 14 dias) e da Universidade de Oxford (que aponta para a possibilidade de desanuviamento em função de haver um aumento máximo de 100 casos/dia desde que as respetivas cadeias de trasmissão sejam conhecidas).
Por sua vez, Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tentou demosntrar qual seria o limite máximo que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) seria capaz de aguentar face a um segundo surto da pandemia em Portugal, num cenário de relaxamento de medidas. O limite para não se voltar atrás, segundo escreveu o Observador, serão quatro mil internamentos.
Em vésperas de o estado de emergência deixar de vigorar, os técnicos olham agora para indicadores mais finos – e têm apertado a malha às comparações com as curvas de outros países europeus (como a República Checa e a Dinamarca). Estão cientes de que havendo libertação, o R0 aumentará, mas querem conter ao máximo esse crescimento. Daí que considerem também o número de infetados em cuidados intensivos, a percentagem de camas ocupadas no SNS com doentes Covid-19 (que não deverão exceder 60% da capacidade total), as consultas desmarcadas nos meses do vírus e os números da mortalidade derivados de outras enfermidades.
Fontes ouvidas pela VISÃO depois da reunião concluíram que houve nos últimos dias uma mudança de chip. A pressão social, conta um participante, desta vez terá falado mais alto. Até aqui, reforça, tinha de se olhar para “os números mágicos”, “não se podia cometer equívocos” e a “saúde pública estava acima de tudo”. “Hoje foram menos conservadores…”, ironiza. Outro líder partidário é contundente: “Os especialistas lá terão percebido que não se pode ganhar a batalha do coronavírus e perder todas as outras.”