25 de abril, sempre!, sim, mas com limitações nunca vividas na história da democracia portuguesa. Sem um modelo consensual à partida, e com cada força a defender um formato muito próprio para assinalar a eméride, os partidos reúnem-se esta quarta-feira, 15, em conferência de líderes para definir em que moldes a Assembleia da República poderá comemorar os 46 anos da Revolução dos Cravos. Se à esquerda se destaca o valor simbólico da data, à direita há posições para todos os gostos: uns defendem uma cerimónia mais tradicional, mas também há quem, como o Chega!, recuse em absoluto qualquer evento que obrigue à concentração de pessoas no mesmo espaço. Transversal só mesmo o princípio de que a casa da democracia terá de fechar as portas aos habituais convidados.
Sem arriscar soluções definitivas para a discussão desta quarta-feira, Ana Catarina Mendes defende, em declarações à VISÃO, que, “44 anos depois de aprovarmos a Constituição da República Portuguesa 1976, que nos deu direitos, liberdades e garantias e condições para executarmos este estado de emergência, vamos festejar [o 25 de Abril] em condições difíceis e mais limitadas, mas não devemos deixar de festejar a democracia, quando ela tem estado à prova”.
Destacando o “comportamento cívico à prova de bala” dos cidadãos portugueses no cumprimento das regras de prevenção da pandemia, a líder da bancada parlamentar do PS considera que o Parlamento “tem mesmo de assinalar” uma data que carrega em sim uma elevada carga “do ponto vista simbólico”. O “como” ficará para a reunião de líderes parlamentares.
“Ninguém considera que vá ser como no ano passado”, corta Pedro Filipe Soares. Para o Bloco de Esquerda, não está em causa o assinalar os 46 anos da data que libertou o país do regime do Estado Novo. Aquilo que o chefe da bancada bloquista defende é que “devia existir uma cerimónia adequada a este tempo” em que as regras de contacto são restritas. Pedro Filipe Soares lembra que “muitos deputados estão nos seus círculos eleitorais”, precisamente porque regressaram aos seus locais de origem para cumprir o isolamento preventivo decretado pelo Governo. E, por isso, com uma concentração humana abaixo do habitual, “é possível reafetar o espaço” no Parlamento onde a cerimónia poderá ocorrer. Em todo o caso, sublinha, ainda que “em moldes diferentes”, será “importante” garantir a sessão comemorativa do 25 de abril.
Aqui, a esquerda fala a uma só voz. Recordando que muitos dos convidados habituais desta cerimónia fazem parte do grupo de risco, pela idade avançada – contam-se ex-Presidentes da República, antigos primeiros-ministros, presidentes dos principais órgãos judiciais e até capitães de abril entre as figuras habitualmente presentes nas galerias da Assembleia da República –, João Oliveira defende uma versão mais austera da cerimónia. “A sessão solene deve realizar-se em condições correspondentes às que já estão a ser aplicadas nas sessões plenárias”, sugere João Oliveira. Isto é, com um número muito reduzido de deputados na sala e, sobretudo, sem convidados presentes. “Não pode ser um evento com a plenitude de deputados na sala das sessões, isso não devia acontecer”, defende o líder da bancada comunista.
A revolução nas redes
Em nome do PAN, Inês Sousa Real realça que “qualquer cerimónia que possa ter lugar deve ter presente que nem todos se poderão juntar a esta data” e que, por isso, devem ser procuradas “outras formas” não só de assinalar a efeméride como de assegurar a participação de toodos, “privilegiando a possibilidade de realizar a cerimónia por vídeoconferência, com alcance também nas redes sociais e aderindo ainda ao repto que foi lançado pela Associação 25 de Abril de cantarmos à janela”.
“A tradicional cerimónia do 25 de Abril pode, graças à tecnologia que temos hoje ao nosso dispor, realizar-se por vídeoconferência com cada interveniente no seu espaço e ser transmitida em direto a todos e todas as portugueses/as. Somos a favor de uma cerimónia que permita precisamente que todos participemos, porque Abril somos todas e todos nós, e não apenas uma cerimónia na Assembleia da República em que, a participar, só poderá ser num número muito reduzido de deputados ou representantes de Estado. Acima de tudo, nestes dias difíceis, precisamos de garantir que este contexto que vivemos dignifique o 25 de Abril e não se percam conquistas”, fundamenta a líder parlamentar do PAN.
Cerimónia à medida (ou nenhuma cerimónia)
À direita, as cautelas são mais vincadas. Fonte oficial do PSD explicou à Lusa que o partido defenderá na conferência de líderes que a celebração do 25 de Abril “deva ter lugar no plenário da Assembleia da República, com um número muito reduzido de deputados e convidados e que se garanta um espaçamento entre as pessoas nunca inferior a dois metros”. Segundo a mesma fonte do partido liderado por Rui Rio, o número em concreto de deputados presentes deverá ser definido por cada bancada e acordado em conferência de líderes.
Telmo Correia sublinha, em declarações à VISÃO, que uma cerimónia na Assembleia da República “não faz sentido”, quando “todas as pessoas estão limitadas na celebração dos seus aniversários, das suas festas religiosas ou até na despedida dos seus entes queridos, em circunstâncias mais tristes, como funerais”. Por isso, sem desvalorizar a importância da data, o líder parlamentar do CDS advoga algo mais minimalista, como uma comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa ao País a partir do Palácio de Belém ou até algo intermédio em que também o presidente da Assembleia da República possa proferir algumas palavras.
André Ventura é perentório. “Para nós, não é altura de celebrações. O Parlamento deve reunir apenas para o trabalho essencial de luta contra a Covid-19 e fiscalização do Executivo. Os portugueses não perceberiam que o Parlamento se juntasse para festas numa altura em que se pedem aos cidadãos confinamento”, enfatiza o presidente do Chega.
Já fonte da Iniciativa Liberal nota que é “preferível” um Parlamento “cheio de cuidados” e que seja “um bom exemplo” para os cidadãos a um que esteja “cheio de pessoas”. A sessão comemorativa, adianta esse interlocutor, deve ser “totalmente adaptada”. Na prática, a força chefiada por João Cotrim de Figueiredo vai defender que apenas se sente no hemiciclo um representante de cada partido e que os discursos sejam transmitidos via TV e online.